A Misoginia no Mercado de Trabalho
Nos últimos dias fomos bombardeados com a repercussão de uma publicação predominantemente misógina sobre mulheres em cargos executivos e de liderança.
Temos visto, também, tanto na esfera empresarial quanto política, a adoção de táticas de marketing de guerrilha para autopromoção. O termo marketing de guerrilha foi popularizado por Jay Conrad Levinson em seu livro "Guerrilla Marketing", de 1984, sendo composto por estratégias utilizando táticas de baixo custo para gerar grande impacto.
Para ilustrar, uma das ações são campanhas desenhadas para se espalharem rapidamente de maneira online, muitas vezes, com elementos e abordagens chocantes.
No entanto, o que temos visto no Brasil neste sentido, vai além da aplicação de elementos do marketing de guerrilha.
Buscando-se informações mais completas, percebemos outras camadas neste movimento. É possível identificarmos que a adoção desse tipo de tática, popularizada pelo americano Andrew Tate - que foi banido das redes pela atuação violenta e misógina, tem gerado espelhamento nos comportamentos de alguns elementos do nosso cenário nacional.
Isto posto, para o tema desta edição da Newsletter jamais poderia passar despercebida a abordagem de um assunto tão impactante e necessário para o debate e ações preventivas ou até corretivas.
Vamos começar fazendo um breve recorte sobre a história da Emancipação Feminina no Brasil e no Mundo. Considerando que mesmo com os avanços conseguidos no universo feminino, ainda existe um longo caminho a ser percorrido.
A história da emancipação feminina no mundo tem suas raízes no século XIX, quando as primeiras manifestações feministas começaram a tomar forma. Em meados de 1848, nos Estados Unidos, realizou-se a Convenção de Seneca Falls, onde se discutiu pela primeira vez, de maneira organizada, os direitos das mulheres, como o voto, a igualdade jurídica e a liberdade de escolha.
No Brasil, o movimento feminino emergiu no final do século XIX, influenciado pelo debate internacional e pelas transformações internas do país, como a abolição da escravidão e a transição do Império para a República.
A participação feminina na luta por igualdade foi marcada por mulheres como Nísia Floresta (1809-1885), que escreveu sobre os direitos das mulheres e das crianças, e Bertha Lutz (1894-1976), uma das mais influentes figuras do feminismo brasileiro
O direito ao voto feminino no Brasil foi conquistado em 1932, sendo regulamentado em 1934, quando as mulheres puderam votar e ser votadas em eleições nacionais. Essa conquista marcou um avanço significativo no cenário político brasileiro, embora a participação feminina no poder tenha permanecido restrita durante muitas décadas.
Nos anos 1960 e 1970, com o movimento feminista global em efervescência, as mulheres brasileiras passaram a se organizar para lutar contra as discriminações no trabalho, pela igualdade salarial e pelos direitos reprodutivos.
A década de 1980 trouxe a redemocratização e a nova Constituição de 1988, que garantiu às mulheres direitos fundamentais, como a igualdade perante a lei, licença-maternidade e proteção contra a violência doméstica.
A luta pela emancipação feminina é um dos movimentos sociais mais importantes e impactantes da história moderna. Desde o início, essa batalha foi travada em múltiplos níveis — do direito ao voto até a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, da autonomia sobre o próprio corpo até a inserção em espaços de liderança.
O protagonismo feminino, embora ainda em construção, demonstra avanços significativos tanto no Brasil quanto no cenário mundial.
A Emancipação Feminina e a Misoginia na Atualidade
A emancipação feminina, marcada por conquistas históricas e avanços sociais ao longo dos séculos, ainda enfrenta um forte antagonismo que se manifesta na forma de misoginia.
Mesmo após a conquista de direitos fundamentais, como o voto, o acesso à educação, à carreira profissional e à liderança, as mulheres continuam a sofrer com formas sutis e explícitas de violência e discriminação que limitam seu a sua atuação.
A misoginia, um dos principais mecanismos de repressão, ainda é uma barreira significativa à igualdade de gênero, impactando tanto a vida pública quanto a privada das mulheres.
A misoginia, definida como o ódio, desprezo ou preconceito contra as mulheres, está profundamente enraizada em estruturas patriarcais que controlam ou pretendem regular a vida feminina. Ao longo da história, a subjugação das mulheres foi justificada por discursos religiosos, políticos e culturais que reforçavam a ideia de que elas eram inferiores aos homens.
Embora muitos desses discursos tenham sido desafiados pelo feminismo, os resquícios dessas narrativas nocivas permanecem até hoje.
Mesmo em contextos onde as mulheres conquistaram formalmente direitos iguais aos homens, a misoginia se adapta, muitas vezes de forma dissimulada, para manter as hierarquias de gênero. Ela se manifesta em diversas formas, como o sexismo no local de trabalho, o assédio sexual, a objetificação feminina na mídia, a desvalorização de realizações femininas e nos casos mais extremos, a violência física e psicológica.
Um dos principais campos onde a misoginia se revela de maneira estrutural é o mercado de trabalho. Embora as mulheres tenham conquistado maior participação na força de trabalho e em áreas que antes eram exclusivas dos homens, como ciência e tecnologia, elas continuam a enfrentar desigualdades. A disparidade salarial entre homens e mulheres é uma das expressões mais claras dessa discriminação, onde, em média, mulheres ganham menos que homens, mesmo desempenhando as mesmas funções.
A misoginia também aparece em práticas de assédio moral e assédio sexual no ambiente de trabalho. Muitas mulheres ainda relatam ser desvalorizadas, interrompidas ou excluídas em reuniões, enquanto outras enfrentam avanços sexuais indesejados por parte de colegas ou superiores.
Mesmo as mulheres que conseguem romper as barreiras impostas, alcançando cargos de liderança, frequentemente precisam provar sua competência em um nível mais elevado do que seus colegas masculinos, lidando com estereótipos que as rotulam de “emocionais” ou “mandonas”.
A violência de gênero é uma das formas mais brutais de misoginia que as mulheres enfrentam atualmente. A naturalização de comportamentos agressivos e controladores em relacionamentos é um reflexo da cultura patriarcal que enxerga as mulheres como objetos de posse e controle.
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Em um contexto global, o movimento MeToo, trouxe à tona o quanto a misoginia e o assédio sexual são comuns, especialmente em ambientes de poder, como a indústria do entretenimento, política e grandes corporações. Milhares de mulheres compartilharam suas histórias de abuso e agressão, revelando um padrão sistêmico de silenciamento e impunidade que beneficiava os agressores. Na esfera política, a misoginia também se manifesta em formas explícitas e sutis de exclusão e hostilidade. No Brasil e no mundo vimos políticas e líderes mulheres serem alvos de campanhas midiáticas misóginas, onde sua aparência, comportamentos e capacidades foram constantemente colocados em questão de maneiras que raramente ocorrem com homens.
Na mídia, em alguns contextos e situações, a representação das mulheres ainda é limitada a estereótipos sexistas.
Apesar dos desafios contínuos, o feminismo tem sido a força motriz no combate à misoginia. Desde as primeiras ondas feministas, que se concentraram em garantir direitos básicos, até os movimentos contemporâneos, como o feminismo interseccional, as mulheres têm se organizado para enfrentar as várias formas de opressão. A interseccionalidade, em particular, é uma ferramenta muito importante na análise de como diferentes sistemas de opressão – como raça, classe, gênero e sexualidade – se cruzam e agravam a misoginia enfrentada por mulheres de grupos marginalizados.
Desafios atuais e oportunidades de avanço
Embora a emancipação feminina tenha progredido imensamente, o combate à misoginia exige mudanças culturais profundas.
A desconstrução de normas patriarcais é um processo contínuo que envolve a educação das novas gerações, a promoção de igualdade de gênero em todas as esferas e a implementação de políticas públicas que garantam a proteção e valorização das mulheres.
Preconceito contra Mulheres em cargos Executivos de empresas Apesar dos avanços obtidos ao longo da história pela emancipação feminina, as mulheres que alcançam posições de poder, especialmente em altos cargos executivos, diretorias e presidências de empresas, ainda enfrentam barreiras significativas. Esses desafios incluem preconceitos explícitos e sutis que limitam a sua ascensão e desvalorizam sua liderança. Esse fenômeno é resultado de um sistema que, por séculos, associou poder e liderança às figuras masculinas, excluindo as mulheres das esferas de tomada de decisão.
O preconceito contra mulheres em cargos executivos é frequentemente alimentado por estereótipos de gênero profundamente enraizados.
Esses preconceitos podem ser expressos de diversas formas, tanto de maneira aberta quanto sutil. Vamos relembrar alguns delas:
Dúvidas sobre Competência e Liderança: mulheres em posições de liderança enfrentam frequentemente a suposição de que são menos competentes ou menos preparadas para lidar com responsabilidades de alto nível, mesmo quando possuem as mesmas (ou melhores) qualificações que seus colegas homens. Esse viés é reforçado por estereótipos que associam liderança e autoridade a características tradicionalmente vistas como "masculinas", como assertividade e agressividade, ao passo que as mulheres são vistas como mais “emocionais” ou “delicadas”.
Expectativas Duplas: mulheres executivas são frequentemente sujeitas a uma "expectativa dupla" ou "duplo padrão". Se forem assertivas ou firmes, podem ser vistas como "mandonas" ou "antipáticas". Se adotarem uma postura mais colaborativa e cuidadosa, podem ser percebidas como fracas ou incapazes de tomar decisões difíceis. Essa dicotomia torna desafiador para as mulheres encontrar um estilo de liderança que seja aceito sem receber críticas injustas.
Avaliadas de forma diferente: diversos estudos de psicologia organizacional mostram que as mulheres são avaliadas de forma diferente e muitas vezes mais rigorosa que os homens em posições similares. Essa disparidade na avaliação pode levar à sua exclusão de promoções ou oportunidades de crescimento, além de criar uma pressão adicional para que elas desempenhem melhor para serem reconhecidas.
A "Síndrome da Impostora" e a Subestimação das Capacidades
Outro fenômeno que frequentemente afeta as mulheres em cargos executivos é a chamada "síndrome da impostora". Trata-se de uma experiência psicológica em que indivíduos (muitas vezes mulheres) questionam sua própria competência e sentem que não merecem estar em suas posições, mesmo quando têm um histórico de sucesso. Este sentimento de insegurança pode ser exacerbado pela cultura corporativa que muitas vezes isola as mulheres e valida mais facilmente as competências dos homens.
Além disso, há um fenômeno chamado “subestimação sistemática” das habilidades femininas. Pesquisas indicam que mulheres em cargos de liderança são frequentemente subestimadas por seus colegas e subordinados, mesmo que demonstrem o mesmo nível de eficiência que homens em posições similares. Esse viés, muitas vezes inconsciente, pode afetar sua capacidade de gerenciar equipes e ser reconhecidas por suas realizações.
Barreiras à Promoção e o Teto de Vidro: o "teto de vidro"* é uma metáfora amplamente utilizada para descrever as barreiras invisíveis que impedem as mulheres de avançarem em suas carreiras para posições de liderança. Embora não haja leis ou regulamentos explícitos que proíbam as mulheres de ascender, essas barreiras são mantidas por normas culturais, políticas de recursos humanos enviesadas e uma falta de redes de apoio.
Quais os fatores que perpetuam esse teto de vidro?
Ausência de Modelos Femininos. Em muitos setores, especialmente na tecnologia e em áreas industriais, há uma falta de exemplos de mulheres que conseguiram alcançar posições de alto poder. A ausência de modelos femininos pode desincentivar novas gerações de mulheres a buscarem essas posições, além de privar as que já estão em cargos de liderança de uma rede de apoio. Falta de Mentoria e Patrocínio. Estudos mostram que homens têm mais acesso a mentores e patrocinadores dentro das organizações, o que facilita sua ascensão a posições de poder. Patrocinadores são figuras influentes que defendem a promoção de um indivíduo e o conecta a oportunidades de crescimento. As mulheres, por outro lado, frequentemente não recebem esse tipo de apoio estruturado, o que dificulta sua progressão de carreira.
Sub-representação feminina em cargos executivos. Torna-se ainda mais crítica quando consideramos o cruzamento de múltiplas formas de discriminação. Mulheres negras, por exemplo, enfrentam um duplo preconceito, baseado tanto em seu gênero quanto em sua raça. Essa realidade se reflete nos números. Enquanto mulheres brancas podem encontrar mais facilmente caminhos para altos cargos, mulheres negras, indígenas e de outras minorias raciais muitas vezes estão ainda mais afastadas dessas oportunidades. Além disso, mulheres enfrentam preconceitos adicionais relacionados à sua orientação sexual ou identidade de gênero, o que agrava os desafios já existentes no ambiente corporativo.
Quais são as iniciativas necessárias para combater o preconceito e promover igualdade?
Nos últimos anos, várias empresas e organizações globais começaram a implementar iniciativas para reduzir o preconceito de gênero em cargos de liderança e promover a equidade de gênero.
O preconceito contra mulheres em cargos de liderança e a sub-representação feminina nos altos escalões corporativos são reflexos de uma sociedade que ainda está em processo de transformação.
Apesar das barreiras, as mulheres continuam a desafiar as normas estabelecidas, ocupando espaços de poder e liderando mudanças em diversas esferas. O reconhecimento dessas lutas e a implementação de políticas que promovam a igualdade são essenciais para garantir um ambiente de trabalho mais inclusivo, onde mulheres possam alcançar seu pleno potencial como líderes e executivas.
Algumas das medidas para diminuir ou sanar o preconceito contra mulheres em cargos de liderança serão abordadas na nossa próxima edição.
Jacqueline Cerqueira