As montadoras perdem dinheiro no Brasil"

As montadoras perdem dinheiro no Brasil"

As montadoras perdem dinheiro no Brasil"

Presidente da chinesa JAC Motors no Brasil, e concessionário de várias marcas, o empresário Sergio Habib diz que o mercado de carros brasileiro vai demorar a se recuperar do tombo

Por Felipe Machado

O empresário paulistano Sergio Habib está no mercado de automóveis há trinta anos e sente os efeitos da enorme queda do setor no país. A chinesa JAC Motors, da qual é presidente no Brasil, teve boas vendas em 2011 e chegou a anunciar uma fábrica na Bahia naquele ano, em meio ao programa de incentivo ao setor automotivo do governo federal (Inovar-Auto). As vendas despencaram desde então, a fábrica não saiu e o projeto foi redimensionado. Ele também é dono do Grupo SHC, que tem concessionárias no país das marcas Peugeot, Volkswagen, Land Rover, Jaguar e Aston Martin. Com a queda nas vendas, suas lojas foram reduzidas à metade em cinco anos – são 45 hoje. Pela experiência no setor – que também inclui a presidência no Brasil da Citröen por oito anos -, Habib estima que todas as montadoras no país perdem dinheiro, que o mercado automobilístico só vai voltar ao patamar recorde visto recentemente daqui a cerca de uma década e aposta nos usados.

A JAC vende veículos importados da China no Brasil desde 2011 e anunciou uma fábrica em Camaçari (BA) para conseguir alíquotas mais baratas por meio do programa Inovar-Auto, que oferecia vantagens tributárias a montadoras que decidissem se instalar no país. A unidade não foi construída até agora e o governo cobrou a isenção de impostos dada. O que houve? Nós não construímos a fábrica até agora porque os financiamentos não saíram, e ainda bem que não saíram. Entramos com uma liminar contra a decisão do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e voltamos ao Inovar-Auto. Agora, estamos aguardando a aprovação de um novo projeto que apresentamos. O Brasil é um mercado estratégico para a JAC, apesar de o país estar com uma reputação muito ruim entre as empresas da China no momento. As fabricantes chinesas que ganharam dinheiro no Brasil foram as que vieram entre 2000 e 2011. Um executivo chinês me contou que a maior fabricante mundial de ar-condicionado, que é chinesa, tem unidades em vários países e o único em que ela perde dinheiro é o Brasil.

Qual era a diferença do novo projeto? Nosso projeto inicial era de uma fábrica para 100.000 carros, agora é para 20.000. Vamos terceirizar a estamparia (produção da carroceria a partir de chapas de aço), a soldagem e a pintura por causa dos custos e dos investimentos. Já estamos negociando esse processo com duas montadoras. Praticamente metade do investimento de uma fábrica de veículos é só para a pintura. E fazer cada uma dessas coisas num local diferente é inviável logisticamente. A carroceria virá pintada dessa montadora e nós vamos colocar os equipamentos. Tem muita montadora de caminhão que produz usando este sistema.

Por que você diz que “ainda bem” que os empréstimos não saíram naquele tempo? O nosso início de vendas no Brasil, em 2011, foi bem forte, com 38.217 veículos. Mas a partir de setembro daquele ano já houve restrição para carros importados, com uma cota de 4.800 veículos por ano com imposto reduzido, por causa do Inovar-Auto. O programa tem coisas positivas, como a exigência de itens de segurança (freio ABS e controle de tração, por exemplo), mas o incentivo a carros nacionais através de IPI é ilegal. O Brasil perdeu um julgamento na OMC sobre isso. Ainda aguarda recurso, mas vai perder definitivamente. E o mercado para carros zero do país desmoronou daquele período para cá. A queda foi de quase 50%, o que é um tombo raro no mundo. Em 2016, a JAC vendeu 2.727 automóveis.

A que você atribui essa queda tão grande nas vendas de veículos? O que faz um mercado de automóveis em qualquer lugar do mundo é população, renda per capita e necessidade de mobilidade. Mas além desses três fatores geográficos, há os de mercado, como nível de imposto, regulamentação, taxa de juros e o dólar. Em 2011 e 2012, os juros estavam perto de 7%, financiava-se carro a 7% mais alguma coisa. Hoje, é de 12,25%, e já foi mais de 14%. De renda per capita, nós perdemos quase 10%. Outro fator é que, na época, tinha IPI reduzido. O carro popular pagava 0% de imposto, agora paga 7%. Hoje, em médio prazo, ninguém está falando em redução de imposto para automóvel. E tem o dólar. Num automóvel, mais ou menos, metade do que tem nele, depende do câmbio, independentemente se é importado ou não. Porque tem aço, e o aço se exporta. Se o dólar está a R$ 3 em vez de R$ 1,80, o aço é mais caro. Tem plástico, que é petroquímica, tem eletrônica, pneu, que também são afetados.

“Quem mais sofreu com a queda do mercado automobilístico foram as concessionárias. O grupo SHC tinha noventa concessionárias, hoje tem 45.”

E como isso afetou as montadoras? Hoje, no mercado brasileiro, todas as fábricas perdem dinheiro, sem exceção. As montadoras não detalham os resultados por país, mas eu sei porque sou do ramo há trinta anos e converso com vários presidentes dessas empresas.

Mas algumas ganharam mercado, mesmo na crise. As que cresceram são basicamente as asiáticas: Hyundai, Toyota, Honda e Nissan. E isso por causa da agressividade deles em preço, propaganda, marketing, rede de distribuição e dos produtos que foram lançados, que caíram no gosto do brasileiro. Por exemplo, a Honda lançou o HR-V, que a ajudou muito a ganhar market share, que é um SUV que vende muito bem no Brasil. A Nissan lançou agora o Kicks, que também é um carro que vende bem, que está no gosto dos brasileiros. A Hyundai lançou o HB20. No caso das mais tradicionais (Fiat, GM, Volkswagen e Ford), às vezes, a matriz não quer continuar perdendo dinheiro aqui, decide não investir. Por que investir em um lugar que está perdendo dinheiro? Basicamente, decidiram fechar a torneira. Há países muito mais atraentes para as montadoras investirem tempo e recursos. No curto prazo, vamos ver uma redução nos lançamentos de veículos novos por aqui.

Mas as montadoras tradicionais estão aqui há bastante tempo, elas não teriam condições de se saírem melhor que as asiáticas, que chegaram há menos tempo? Às vezes, as montadoras não querem vender mais carro, às vezes, não podem. A Volkswagen, nos últimos dez anos, passou de 19,8% para 23,6% de market share no mercado europeu. Essa mesma Volkswagen caiu de 21,7% para 11% no Brasil. Na China, ela também é líder. Ela tem competência para ganhar no Brasil? Claro que tem. Na Europa, que é um mercado ultracompetitivo, ela cresceu, e no Brasil caiu. Será que ela é tão incompetente assim? Ou será que alguém decidiu investir apenas na China, onde a Volkswagen tem lucro? O mercado chinês, em 2000, era de 2 milhões de carros por ano, e em 2016, foi de 28 milhões. A Volkswagen vendeu na China, no ano passado, 3,9 milhões de carros, e no Brasil 185.000. Você acha que uma empresa que vende tanto na China não poderia vender o que ela quisesse no Brasil? Não vende porque não quer.

O mercado de automóveis estava em alta e, apesar dos fatores de mercado que você mencionou, ainda tem uma demanda bastante alta. Quando pode haver recuperação? Voltar ao patamar de 3,6 milhões de veículos leves por ano, na minha opinião, só será possível entre 2025 e 2030, não nos próximos cinco ou seis anos. Outro fator que influencia é confiança no futuro, que é primordial para venda de automóvel. Se você está com medo de perder seu emprego daqui a um ano, você não compra um bem durável. Continua com o teu carro ou compra um usado. A confiança que o Brasil tinha em 2011 e 2012 era gigantesca perto da confiança no futuro que a gente tem hoje.

O setor automotivo, além de ser um grande empregador, também integra várias outras indústrias. Como elas também foram afetadas? Quem mais sofreu com a queda do mercado automobilístico foram as concessionárias. O grupo SHC tinha noventa concessionárias, hoje tem 45. Eu estimo que cerca de 2.000 foram fechadas no Brasil nos últimos 4 anos. Mas esse número pode ser maior, porque depende de o concessionário que fecha uma loja informar. Isso funciona para grandes redes. O cara que tem só uma concessionária lá no interior do Rio Grande do Sul nem vai informar que fechou. E afetou também as empresas de transporte de veículos. Conheço empresas que compraram caminhão-cegonha para levar carros, e está tudo estacionado.

As montadoras que vieram para cá após o Inovar-Auto fizeram um mau negócio? As montadoras de luxo que vieram para cá (Jaguar, Land Rover, BMW, Mercedes) perderam muito dinheiro. O mercado de carros de luxo caiu muito, não deu tempo de recuperar o investimento. Sou representante da Aston Martin no Brasil, mas ela está parada. Em 2011, vendemos trinta carros, e no ano passado a venda foi zero.

Você disse que a SHC vai investir no mercado de automóveis de usados. Qual a razão desse interesse, se ainda temos potencial para veículos novos, apesar das condições ruins? Nós vamos lançar nos próximos meses uma marca voltada para os usados, porque o mercado é enorme. A renovação da frota total de veículos, que é de cerca de 40 milhões de carros, é 25% ao ano, seja em decorrência de perda total ou por outros fatores. Estamos falando de cerca de 10 milhões de carros por ano. Vamos fazer uma campanha de divulgação da nossa marca, a Carbraxx, porque os usados são, atualmente, um subproduto das concessionárias, elas compram para poder vender carro zero, não encaram como um negócio.

Foto: FERNANDO MORAES/VEJA SP

 

Leonardo Arruda

Diretor Executivo | General Manager | Diretor de operações

7 a

Legal Walter. Eu acho que essa indústria precisa se reinventar completamente: o modelo de negócio, a distribuição, a operação e, principalmente, o marketing. Não é só a escassez de crédito que afeta esta indústria, na verdade, nos últimos anos surgiram novas tecnologias que simplesmente mudaram o comportamento dos consumidores. As pessoas continuam demandando mobilidade, mas agora usam substitutos como Uber, Cabify, Zaz Car etc. Com a restrição de renda (que é uma realidade), o consumidor se pergunta: por que imobilizar capital num ativo que só gera despesa? E assim nascem outros negócios que respondem este questionamento. Por isso eu acho que a reinvenção completa deste modelo já ultrapassado é crítica para a recuperação da competitividade desta indústria no Brasil. Um abraço

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