MP da Liberdade Econômica e a Atividade Empresarial – Liberdade?

MP da Liberdade Econômica e a Atividade Empresarial – Liberdade?


O Senado aprovou nesta quarta-feira (21) a Medida Provisória 881/2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica. O objetivo da lei parece ser óbvio, a esse teor, o próprio enunciado fala justamente em liberdade e estabelecimento de garantias ao livre mercado.

Em inúmeros pontos do texto é possível identificar uma mensagem ao Judiciário no que diz respeito à sua intervenção na atividade empresarial, nomeadamente nos contratos empresariais. Nesse sentido, destacam-se algumas disposições da MP que, de maneira direta, propõem um âmbito menor de intervenção do judiciário na interpretação e revisão de contratos empresariais.

Dentre elas, podemos mencionar o inciso VIII do Art. 3º que dispõe: “a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes”.

Do mesmo modo, a alteração trazida ao Parágrafo Único do Art. 421 do Código Civil determina que “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.

Também as inserções feitas relativas aos Arts. 421-A, determinando “que os contratos civis e empresariais se presumem paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção (...)” e, ainda o inciso I de referido artigo que garante que “às partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução”.

Ao primeiro olhar, as alterações são bem-vindas e respondem a uma demanda dos empresários para uma menor intervenção do Poder Judiciário em seus contratos.

A doutrina aponta de maneira absolutamente pacífica que o funcionamento do mercado exige que os pactos sejam observados. Nesse sentido, em se tratando de contratos empresariais, com ainda maior rigor e força, deve ser respeitado o pacta sunt servanda, inclusive para coibir o oportunismo indesejável dos empresários. [1]

O questionamento que propomos é, em que pese tenha sido esse o objetivo da MP, esse objetivo foi alcançado?

Parece-nos que a resposta é negativa, e com a intenção de corroborar referida conclusão nos propomos a analisar duas disposições específicas separadamente.

a.      Art. 421-A Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção

Contratos empresariais são, por natureza, definidos e elaborados com minuciosa verificação e alocação de riscos, ora para uma parte, ora para outra. Partes sofisticadas, advogados experientes negociam extensamente referidas alocações que, em última análise, têm implicações no preço do contrato e, muitas vezes, na escolha de contratar ou não.

O Judiciário, no entanto, muitas vezes negligencia referidas estipulações para realizar revisões muitas vezes sob as pretensas autorizações de “abusividade” ou “excessiva onerosidade”.

O objetivo da MP, mais uma vez, parece-nos salutar e, de fato, a perspectiva de que o juiz deve preservar a alocação dos riscos definidas pelas partes, mormente em contratos empresariais, parece uma demanda absolutamente legítima a ser preservada pelo legislativo.

O problema é quando, em referido artigo, incluímos disposição no sentido de que referido respeito à alocação dos riscos estaria ligado a uma presunção de simetria dos contratantes.

Ora, primeiro ponto, se é presunção admite prova em contrário. Segundo ponto, em qual contrato empresarial podemos verificar uma absoluta assimetria entre as partes?

Na maioria das vezes as partes são assimétricas. Seja pelo poder econômico, seja pelo poder técnico, seja pelo poder de barganha, etc. Ou seja, existem inúmeros critérios a possibilitar a conclusão de que não existe simetria entre dois empresários.

Sob essa perspectiva, e diante da alegação de que não há simetria entre as partes, poderia o juiz intervir e, a partir dessa conclusão, não observar a alocação dos riscos por estas definidas?

O Judiciário, mais uma vez, confrontado com essas demandas conseguirá ver nesse artigo a salvaguarda que permite realmente preservar o que foi escrito em contratos empresariais como foi a intenção do Legislativo?

Parece-me que a resposta seria negativa, e mais, convidaria a questão à ingerência do Judiciário, o exato oposto do objetivo da lei.

b.     Art. 113. § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável

O artigo acima disposto consagra no nosso código o que chamamos de interpretação contra proferentem, quer dizer, em eventual dúvida, deverá ser adotada a interpretação benéfica à parte que não a redigiu.

Sobre esse dispositivo temos dois questionamentos, sendo o primeiro de ordem prática.

Sabe-se que na prática contratual empresarial é comum que os advogados almejem fazer a primeira minuta do contrato. Referida primeira minuta representa, via de regra, uma posição estratégica de poder colocar as regras do jogo e, de alguma maneira, obter alguma vantagem na negociação das condições e cláusulas.

A pergunta que faço é, a partir da referida redação, essa conduta será alterada? O advogado, receoso de que referidas disposições contratuais poderão ser interpretadas em desfavor de seu cliente, passará a solicitar que a parte adversa elabore a primeira minuta?

E quanto às alterações realizadas pelas partes? Como será realizada a prova?

A partir dessa disposição seremos obrigados a guardar todas as versões, com comentários e alterações controladas para, quando da confrontação em juízo, conseguirmos comprovar que essa ou aquela cláusula foi elaborada por uma outra parte?

Essas ponderações levam ao meu segundo questionamento, será que todas essas dúvidas que poderiam ser suscitadas numa disputa judicial, levariam o Judiciário a, efetivamente, respeitar o que foi escrito pelas partes ou, pelo contrário, levariam a um escrutínio ainda maior do Poder Judiciário?

Ora, se o objetivo da lei era assegurar que o que foi livremente pactuado entre empresários efetivamente fosse respeitado pelo Judiciário, por que seria necessário perquirir quem foi que escreveu referida cláusula?

Veja-se, se não estamos falando de contrato de adesão e, portanto, não estaria implícito que houve negociação e aceitação pelas partes? A partir dessa premissa, a conclusão lógica não seria no sentido de o Judiciário respeitar referidas disposições?

Em que pese nos pareça que esse tenha sido o intuito do artigo, não é essa a consequência lógica da sua interpretação.

 Mais uma vez, parece-nos um convite para a intervenção do Judiciário.

O texto sofreu significativas alterações e melhorias em relação à versão anterior, mas existem alguns dispositivos de duvidosa técnica legislativa e de - ainda mais – duvidosa aplicação pelo Poder Judiciário.

Parece-nos, nesse sentido, em que pese o claro objetivo do texto de imprimir previsibilidade e segurança jurídica na interpretação judicial dos Contratos Empresariais e de diminuir o âmbito de revisão de referidos contratos pelo Poder Judiciário, a dúvida permanece se esse objetivo será atingido ou não.



[1] FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais, cit., p. 80/81.



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