Mulheres não precisam seguir qualquer roteiro não traçado por elas

Seria apenas mais um almoço de negócios durante um celebrado congresso sobre inovação realizado algumas semanas atrás. Estrategicamente posicionado na agenda, entre as diversas palestras ministradas por grandes nomes relacionados ao tema, aquele era um importante momento para desenvolver interessante networking entre profissionais de vários estados da federação, mais o Distrito Federal.

Ao redor de uma mesa de grande diâmetro, um pitoresco encontro entre dois cearenses que acabaram de se conhecer. Identificados como alencarinos, e muito espirituosos, impossível que a conversa não partisse para o uso de termos curiosos e engraçados relacionados à cultura nordestina. No caso, Padre Cícero foi logo lembrado, bem como suas façanhas milagreiras que fizeram dele um dos maiores nomes da cultura eclesiástica nordestina. Famoso pela devoção de milhões de pessoas ao redor do país, o ‘Padim Ciço’, como é conhecido, é praticamente, o maior responsável pelo crescimento e perpetuação da economia local da região do araripe, tão grande é o número de seguidores que costumam se dirigir anualmente para a cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará quase na divisa com o estado de Pernambuco.

Um dos cearenses, de sangue apenas pois nasceu em São Paulo, avançou na conversa, apresentando uma pequena imagem do Padre Cícero, como forma de afirmar sua devoção pelo santo ignorado, ainda que recém perdoado, pela igreja católica. Segundo seus relatos, em homenagem a Cícero, foi construída uma das maiores estátuas do mundo em concreto, cerca de 27 metros, que recebe, anualmente, quase três milhões de fieis em busca por graças, costumeiramente alcançadas por conta de muita fé, reza e por um hábito curioso. Ao se chegar diante da estátua, “o fiel deve dar três voltas ao redor da bengala do padre e fazer um pedido. É líquido e certo, será atendido” afirmou aos presentes que saboreavam uma deliciosa salada de beterraba.

Dentre belas e jovens representantes do cerrado brasileiro, o outro conterrâneo de Chico Anysio, não deixou por menos e com olhar astuto e divertido, arriscou perguntar: “Qual de vocês ainda não casou?” Em meio a um sorriso desafiador, a dona de par de olhos cor de ameixa respondeu: “Eu não”. Como se estivesse grato pela resposta, o estudioso nordestino arrematou: “Pois, tu tens que ir para Juazeiro do Norte para que ele realize este seu desejo.” Em meio a risadas, Olhos de Ameixa não titubeou: “Mas quem foi que disse que casar é algo a ser desejado por uma mulher?”

Em um mundo cada vez mais repleto de inovações e progressos mil, uma sociedade que tanto busca e luta diariamente para se mostrar mais inclusiva e igualitária a todos os gêneros, é curioso notar como ainda se faz presente em parte significativa do consciente coletivo a verdade que cabe a mulher desejar o matrimônio, algo contumazmente esquecido ao universo masculino. Ainda que não haja dolo, sequer qualquer pretensão de diminuição, a rápida associação com a sentença do “vai ficar para titia” e que tais, é quase imediata e costuma vagar, tal como se fosse um pesadelo daquelas que se aproximam a serem preferidas por Balzac. Dias atrás, durante uma entrevista, a jornalista Milly Lacombe, lésbica assumida, comentou que, ainda adolescente, se ouvisse mais alguém chama-la de solteirona, iria responder aos quatro cantos: “Eu sou lésbica”. Muito mais que isso. Independente da preferência sexual, porque a vigência da regra tácita “mulher tem que casar” não consegue ser desfeita, nem mesmo, por muitas mulheres e suas famílias? 

Voltando à mesa do almoço, uma das ouvintes, a mais platinada delas, e casada, não perdeu a oportunidade e sentenciou: “Nós, mulheres, vivemos sobre constante pressão, primeiro para casar, pouco depois de poucos anos de namoro. Depois que casa, quando terá o primeiro filho. E posteriormente, quando virá o segundo.” Após ouvir o desabafo, coube a olhos de ameixa jogar a pá derradeira no divertido almoço: “...eita se eu vou perder o meu desejo à Padre Cícero, pedindo para me casar...”

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