MURILO FERREIRA DEIXA CONSELHO DA PETROBRAS E ABRE NOVA CRISE NA ESTATAL

O anúncio ontem da saída de Murilo Ferreira, presidente da Vale, da presidência do conselho de administração da Petrobras, abriu uma nova crise na já tão conturbada situação da estatal petrolífera. Ferreira alegou "razões pessoais" para deixar a função. Ele foi indicado para o cargo pelo governo federal, acionista controlador da estatal, e estava à frente do conselho há menos de seis meses.

O executivo, que preside a Vale desde maio de 2011, pediu licença do conselho até 30 de novembro. Ele informou a decisão aos demais conselheiros, na manhã de ontem, por intermédio de e-mail. Os conselheiros, porém, ficaram sabendo antes por meio de informação vazada à imprensa. Na tarde de sexta-feira, Ferreira conversou sobre o assunto com o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga. Nesse contato, alegou motivo de saúde.

A decisão surpreendeu os outros conselheiros da Petrobras. Uma fonte ouvida pelo Valor alegou que uma das razões da saída foi o que chamou de "desnivelamento" no grau de relacionamento de Ferreira com o presidente da petroleira, Aldemir Bendine. São apontadas diferenças nas visões de gestão dos dois executivos. "[Há] uma situação de estresse em que são diferentes as percepções sobre o que acontece no mundo do petróleo e sobre as medidas necessárias para salvar a empresa", disse uma fonte.

A saída de Ferreira da presidência do conselho reforçou a ideia de que o executivo não conseguiu alinhar sua visão estratégica com o pensamento da diretoria da estatal. Desde que assumiu o cargo, em abril, Ferreira teria tentado imprimir uma agenda mais dinâmica à Petrobras, com foco na necessidade de uma forte redução de custos na empresa, cuja dívida cresceu fortemente nos últimos anos.

A diretoria da estatal contesta essa visão. Diz que há um "ambicioso" programa de redução de custos em curso. Segundo algumas fontes, os problemas começaram quando Ferreira decidiu instituir suplentes para os conselheiros. As reuniões do conselho teriam se tornado menos ágeis graças ao número de participantes.

Mesmo tendo sido indicado para a presidência do conselho por Bendine, Ferreira e o executivo começaram a se desentender pouco depois. O ápice dos desentendimentos ocorreu quando o presidente da Vale votou contra o IPO (sigla em inglês de oferta pública inicial) da BR Distribuidora, inviabilizando a abertura de capital da principal subsidiária da Petrobras.

A estatal contava com o negócio para fortalecer a estrutura de capital e reduzir o tamanho da dívida. Na reunião para tratar do assunto, Ferreira defendeu que, antes do IPO, fosse nomeado um novo presidente para a BR, um nome de mercado, e que a empresa fosse reestruturada.

Bendine alegou, na ocasião, que todo o comando da empresa já havia sido substituído e que, desde maio, uma empresa de "headhunter" procura no mercado, sem sucesso, um novo presidente para a BR. "Com os salários pagos aqui, não é fácil achar um nome de mercado", observou uma fonte ligada à Petrobras.

Para algumas fontes, surgiram "diferenças" entre o pensamento de Ferreira, mais alinhado à visão de empresa privada onde fez praticamente toda a sua carreira, e a cultura estatal da empresa comandada por Bendine, que, antes de comandar a Petrobras, fez carreira e presidiu o Banco do Brasil.

Há, porém, uma outra versão para o caso. Ferreira chegou à presidência da Vale com o apoio da presidente Dilma Rousseff. Embora seja no papel uma empresa privada, a Vale tem forte presença estatal em seu capital, graças a fundos de pensão ligados a estatais e ao BNDES. Além disso, a União tem uma "golden share" que dá ao governo a possibilidade de opinar em decisões estratégicas.

Na opinião de fontes ouvidas pelo Valor, Ferreira estaria deixando a presidência do conselho da Petrobras para desvincular seu nome do governo Dilma, neste momento de crise econômica e política aguda, que pode, inclusive, provocar o afastamento da presidente do cargo.

Uma outra fonte acredita que Ferreira pode ter decidido sair para não representar nenhum obstáculo, já que a percepção dele e de outros conselheiros é a de que a situação da Petrobras exige "providências urgentes", que precisam de um ambiente de total harmonia para serem implementadas. Já a situação da Vale e os problemas da China não teriam relação com o caso, segundo esse conselheiro, já que a mineradora não teve seu rating rebaixado, ao contrário do Brasil e da própria Petrobras.

Fonte: Valor Econômico/Cláudia Schüffner, Francisco Góes e Cristiano Romero | De São Paulo e Belo Horizonte

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