Não abra uma ONG!
"Se você que fazer algo muito legal, muito diferente, se tem recursos para investir, faça. Mas, pense 1000 vezes antes!"
303 mil. Este é o número de fundações e associações civis de acordo com uma pesquisa publicada pela Secretaria Geral da Presidência da República em 2014. Dentre elas, quase 20% atuam nas áreas de saúde, educação e assistência social. É claro que se mencionarmos aqui o número de crianças e adolescentes fora da escola, de idosos sem cuidados básicos, de cidadãos desempregados, imediatamente concluiremos que este número de organizações sociais não é suficiente, certo?
No entanto, se houvesse uma lupa mágica que pudéssemos colocar sobre cada uma dessas organizações, talvez nossa opinião pudesse ser diferente, pois existe muito potencial, muito espaço, muita gente qualificada e bem-intencionada com bons projetos sociais. Afinal, este é o objetivo das organizações do Terceiro Setor: compreender onde há falhas nos serviços públicos e melhorar o que a comunidade necessita – seja mobilizando a sociedade de maneira organizada, conseguindo patrocínios do setor privado ou ainda, gerando pressão no setor público para maior visão e ação do que precisa ser trabalhado para a qualidade de vida dos cidadãos, entre tantas outras coisas.
Da década de 90 para cá, houve um verdadeiro boom de associações e fundações voltadas para o social. E nos últimos anos, muitas delas fecharam. Talvez não por falta de qualidade, de capital humano, de capacidade de gestão e certamente não por falta de demanda ou porque os problemas que se propuseram a combater foram resolvidos. A maioria delas não teve sucesso por falta de recursos.
Recentemente, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social publicou a Pesquisa Doação Brasil que aponta que no ano passado o terceiro setor movimentou 13.7 bilhões de reais em doações, 0,23% do PIB brasileiro. Este é o primeiro estudo do gênero no Brasil e mostra que sim, os recursos existem e assim como em outras áreas da sociedade, o terceiro setor também sofre desigualdade.
Trabalho nesta área há mais de dez anos e cada ano que passa conheço mais e mais organizações, de toda sorte, cor e tamanho. E não canso de me impressionar quando conheço uma organização que faz um trabalho belíssimo, digno de prêmio, com verdadeiro impacto social, mas prestes a fechar as portas por falta de recursos. Às vezes, não somente falta de recursos financeiros, mas também de recursos humanos, materiais ou de um simples e velho Q.I (Quem Indica ou Recomenda).
Ao mesmo tempo, no percorrer da jornada, encontro indivíduos sonhadores, idealizadores e que recém abriram ou planejam abrir a sua “própria” ONG. Algumas ideias são muito boas, outras simplesmente não fazem sentido algum – sem agregar juízo de valor, juro! –, tantas outras basicamente mais do mesmo. Basta olhar para o lado, na sua cidade, as vezes até aí no seu bairro mesmo, que você seguramente encontrará alguém que já faz o que você planeja fazer.
E aí me pego perguntando: qual a motivação desses indivíduos? Limpar a consciência? Fazer melhor que o outro? Ser “dono (a)” de ONG? Ganhar dinheiro? Nenhuma das respostas agrada. Muitas vezes, a motivação é genuína, é simplesmente fazer o bem. Mas, para isso, não é necessário constituir uma nova organização, me parece mais sensato ajudar uma que já exista e que faça um bom trabalho.
Se pudesse dar um conselho a quem se sente chamado a abrir uma nova ONG, eu provocaria: Você acha que pode fazer melhor? Então faça junto, ensine, deixe o seu legado. Desenvolva seu potencial de relacionamento e articule! Articule uma rede de serviços e produtos que tornem a organização que você já conhece e tem uma missão parecida sustentável. E sustentável quer dizer uma organização que tenha sim uma base sólida financeira, com diversas formas de captar recursos; que possua recursos humanos preparados para gerir a organização mesmo em um momento de crise e que se importe com o meio ambiente (social e ambiental mesmo) e o que deixará para ele no futuro.
Mas, se quer ganhar dinheiro, esqueça, abra uma empresa. Agora, se você já é uma empresa, pense que não precisa criar sua própria associação ou instituto para executar os seus próprios projetos sociais, você pode fazer isso através de quem já tem o DNA social. Se te preocupa como os seus recursos serão geridos, qual será a qualidade, o resultado ou impacto dos projetos, ensine a fazer direito, a fazer melhor, transfira conhecimento. O terceiro setor tem tanto a aprender com o segundo e esta experiência pode ser uma troca rica; o segundo setor, o setor empresarial, também pode (e muito) aprender com o social.
Veja, meu objetivo não é desmotivá-lo a fazer o bem. Se você que fazer algo muito legal, muito diferente, se tem recursos para investir, faça. Mas, pense 50 vezes antes. Ou melhor, pense 1000 vezes antes. Abrir uma ONG é como abrir um empreendimento como outro qualquer, com todas as chances de dar certo ou errado. A diferença, é que mais do que simplesmente vender um produto ou serviço, você estará lidando com pessoas, com famílias, com sonhos, com expectativas e com esperança de uma vida melhor.
Infraestrutura
5 aFazer o bem sem olhar a quem, de forma genuína e sem esperar nada em troca. Faz todo o sentido com o que falou!
Parabéns! Texto muito lúcido!
Consultora em Gerenciamento de Projetos, Captação de Recursos, Mobilização e Comunicação | Potencializo organizações para mais resultados | +20 anos impulsionando projetos!
8 aMuito bom! Porque as boas ideias precisam e devem ser compartilhadas e não individualizadas, situando cada um em suas responsabilidades!
Presidente | ABRAPHEM
8 aExcelente artigo, Marisa Signor. Esclarecedor, sensato é muito real!
Social Entrepreneur and Health advocacy leader na Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia
8 aAdorei o artigo , que nós remete a importantes reflexões sobre o impacto que podemos ter ao colaborar e somar esforços quando existe sinergia na causa. O terceiro setor, ao meu ver, deve apoiar , orientar , monitorar , fiscalizar as iniciativas publicas e não tentar substituir a responsabilidade do estado. Se alinharmos nossa agenda com o que o governo se comprometeu a fazer, nosso impacto aumenta , se colaborarmos nesta tarefa , o impacto será potencializado. Acredito muito no fortalecimento do controle social e no trabalho em rede para o bom uso dos recursos e cumprimento da missão idealizada. Parabéns Maisa por