Não acabou

Pela primeira vez desde há dez (!) anos, os trabalhadores da função pública viram os seus salários acrescidos de um valor a que se chamou «aumento». O valor que demorou uma década a germinar é um acréscimo de 0,3% para a generalidade dos trabalhadores e de 10 euros para os vencimentos inferiores a 700 euros, com retroactivos a Janeiro.

Para se ter uma ideia do que se está a falar, refira-se que, apesar de em 2019 a remuneração mínima de base ter sido actualizada para os 635 euros do salário mínimo nacional, o Governo calculou em cerca de 150 mil os trabalhadores que terão agora a actualização extraordinária.

Para ser ainda mais claro, 150 mil (cento e cinquenta mil!) trabalhadores vão ver os seus salários passar de uns estonteantes 635,07 euros para uns incríveis 645,07 euros e de uns mirabolantes 683,13 euros para uns fabulosos 693,13 euros. Uma despesa para o Estado de cerca de 26 milhões de euros, valor que até o mais mixuruca dos economistas não hesitará em classificar de trocos.

Já para os salários acima dos 700 euros o «aumento» traduz-se em subidas entre dois a três euros brutos, ou seja, antes de impostos, para remunerações até pouco mais de 1000 euros. Um balúrdio.

Cabe ainda referir que só a partir do 25.º nível remuneratório da tabela salarial, correspondente a 1716,4 euros ilíquidos, é que o valor é superior a cinco euros brutos.

O Governo estimou em 95 milhões de euros o custo global com tudo isto, o que em economês são peanuts.

Pois bem, Rui Rio, que ainda há dias propôs o alargamento das linhas de crédito às empresas dos actuais três mil milhões de euros para dez mil milhões de euros, e advogou que a garantia do Estado deveria ser sempre de 90%, ficando a banca com 10% do risco – risco, mas pouco –, Rui Rio, dizia-se, achou mal a atribuição desta migalha baptizada de «aumento», dadas as actuais circunstâncias. Esgrimindo com a existência de trabalhadores em lay-off, Rio, que defende o lay-off sem restrições, chora o «aumento» salarial de trabalhadores que, mesmo com o novo montante, ainda têm uma perda acumulada no poder de compra da ordem dos 10%.

Fingindo-se preocupado com o desemprego e com a pressão das finanças públicas, Rio tem a particularidade de se afligir com o zero à esquerda para os trabalhadores, mas nem pestaneja com os zeros à direita para o capital que apresenta ao erário. Como se não soubesse que os 0,3% são uma gota de água no oceano de carências de trabalhadores públicos indispensáveis na educação, na saúde, na higiene e limpeza, na Justiça, nas forças policiais, em todos os sectores, enfim, que nos permitem viver em sociedade.

Em vésperas de mais um 25 de Abril, lembremos José Gomes Ferreira – Não. A nossa revolução ainda não acabou nem tão cedo acaba.

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