"NAVEGUEI PARA O ÍNDICO", por Isabel Rosete
"NAVEGUEI PARA O ÍNDICO", por Isabel Rosete
(Sob a inspiração do meu Mestre/Muso Álvaro de Campos)
«Já não tinha Alma!
Já só tinha Sentidos!
Naveguei para o Índico estendida no hemisfério Austral
De um excerto de Poesia inscrito, anonimamente,
Num pedaço antigo de rolha triangular
Boiante em tantos outros mares.
Roubei o Índico no des-norte do meu canto.
Apropriei-me dele como se fosse meu.
No Índico me deitei, com a serenidade de um navegante livre,
Sem saber para onde me levariam as ondas,
As correntes paralelas ou entre-cruzadas.
Já não tinha bússola! Já não tinha leme!
A agulha magnética acabara de se partir!
Deixei-me levar pelo natural rumo das águas.
O seu balanço fez-me adormecer no sono primeiro
– Livre dos cabos dos mastros,
Livre do encurralamento dos porões;
– Longe do ruído da casa das máquinas,
Longe dos gritos dos marinheiros, em euforia,
Quando há terra à vista.
Velas também já não tinha, a não ser as dos meus sentidos!
Cobriam-me o corpo, para que não ficasse queimado pelo Sol intenso;
Protegiam-me a pele do sal, para que continuasse macia;
Apelavam ao surgimento dos ventos de monções –
Companheiros desta minha longa viagem –
Esses sopros húmidos e instáveis do Céu quente
No coração de cada tarde que caía.
Encontrei o Índico e lá fiquei – qual oceano pacífico
Dos espíritos em rios de paz, de recifes e de corais –
Onde o riso ainda é riso, na combustão do petróleo;
Onde o canto ainda é virgem, na plataforma dos minérios;
Onde Deus me sopra aos ouvidos, em odes de tranquilidade,
Vindas do fundo dessas gotas de águas abençoadas.»
Isabel Rosete
In livro “FLUXOS DA MEMÓRIA”, de Isabel Rosete, Chiado Editora.