Neurodiversidade e trabalho
Neurodiversidade (ND) é um termo cuja origem é atribuída à socióloga Judy Singer, que usou essa palavra em sua tese em 1999. A ND se refere às variações que se apresentam em diferentes indivíduos em relação ao nível de aprendizagem, atenção, sociabilidade e outras funções cognitivas. Em outras palavras, a ND introduz um conceito de que alguns distúrbios do desenvolvimento podem representar as variações daquilo que se padroniza como “normal”, o que inclui o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dislexia, discalculia, dispraxia e outras condições.
Em editorial recente publicado na revista Occupational Medicine, a Dra. Blandina Blackburn faz comentários preciosos sobre o manejo da ND nos locais de trabalho. Aponto neste artigo algumas ideias do seu texto, mas recomendo fortemente que os interessados leiam o artigo na íntegra.
Em 2021, publiquei sobre TDAH em adultos no mercado de trabalho , demonstrando preocupação com os desfechos desfavoráveis dessa população em sua vida funcional. Um quarto dos trabalhadores com TDAH tinham licenças médicas de longa duração (comparado a 7% do grupo controle), o risco de desemprego era 70% e a aposentadoria por invalidez era 10 vezes mais frequente. As explicações possíveis para essa situação incluem as consequências das comorbidades que se observam nas pessoas com TDAH, mas também à marginalização imposta pela sociedade e pelo mercado de trabalho. Nesse sentido, o editorial da doutora Blackburn lança luz à necessidade de um novo olhar para a ND no trabalho.
De acordo com o Programa Neurodiversidade no Trabalho da Universidade Stanford, estima-se que entre 15 a 20% da população mundial seja neurodivergente. No entanto, nos processos seletivos para admissão ao trabalho, muitas delas são preteridas para a ocupação de vagas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que 80% das pessoas com autismo terminaram o ano 2020 desempregadas. Metade dos gerentes do Reino Unido dizem que não contratariam pessoas neurodivergentes. Por isso, destaca-se o papel dos recrutadores e responsáveis pelos procedimentos de admissão em contribuírem para a mudança desse cenário, posto que algumas características e habilidades das pessoas neurodiversas podem ser um diferencial positivo na produtividade, além do cumprimento do papel social de inclusão das organizações. Algumas empresas já perceberam que a diversidade de perfis fornece maior possibilidade de criatividade e inovação, tornando as equipes mais fortes.
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A atenção dos empregadores e colegas de trabalho tende a ser atraída para as dificuldades da pessoa neurodivergente, mas o foco deve estar nos aspectos positivos. Por exemplo: pessoas com TDAH geralmente mostram grande paixão, motivação e pensamento criativo. A atenção incomum aos detalhes quando dos momentos de hiperfoco pode favorecer solução de problemas que pessoas neurotípicas não seriam capazes de perceber. Pessoas autistas podem ter boa memória e mostrar habilidades especializadas acima da média, que podem favorecer programação de computadores. Aqueles com dislexia costumam usar informações visuais de forma mais habilidosa, um diferencial para áreas de engenharia, design, diagramação entre outras.
Os profissionais de saúde e segurança do trabalho devem recomendar e incentivar a incorporação de pessoas neurodiversas nos ambientes de trabalho, no papel de educadores dos demais trabalhadores e seus líderes e recomendando eventuais ajustes na organização do trabalho. Uma boa pergunta às lideranças das organizações pode ser: “por que não?”. Há um longo caminho para deixar de “patologizar” o comportamento dos neurodiversos e encontrar meios para a aceitação social, o que inclui o direito ao trabalho e ao desenvolvimento de todo seu potencial.
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Médico de Família e do Trabalho (SP)
1 aMuito bem explicado!!! Deixar de olhar sempre o lado negativo das pessoas é também uma forma de evolução!!!!!