Ninguém com um dia de deficiência vai procurar emprego
“Alguém: É muito importante conversarmos sobre processo seletivo para pessoas com deficiência. Abrimos uma vaga e temos preocupações. E se o candidato tiver a limitação A, B, ou C? Como devemos agir?
Eu: Acho importante também. A equipe de Atração e Seleção é indispensável para o sucesso de um programa de Diversidade e Inclusão. Mas você tem dúvidas sobre uma pessoa real, ou é hipotético?
Alguém: Hipotético”.
A situação que eu relatei já passou por mim diversas vezes, durante treinamentos, ou reuniões de briefing para treinamentos de programa de inclusão para profissionais com deficiência. As preocupações da equipe de recrutamento e seleção, ou líderes de uma organização, antes do lançamento de um programa como esse são legítimas e a maioria, (se não todas) tem ligação com situações reais de uma empresa, projetadas em uma pessoa hipotética.
As perguntas são legítimas. Mas, de quem estamos falando?
Quem é essa pessoa nova? Quantos anos ela tem, quais experiências de vida carrega, qual a formação que concluiu, onde ela já trabalhou?
Uma pessoa pode ter uma deficiência, que se enquadra em grandes grupos:
● Deficiências físicas
● Deficiências visuais
● Deficiências auditivas
● Deficiências neorodiversas
Esse universo é tão vasto, que não existe um número exato de deficiências cadastradas pela medicina no Brasil, ou no mundo. A deficiência é uma condição complexa e multifacetada que deve ser analisada e considerada do prisma clínico, social, econômico e estrutural.
O mais próximo que conseguimos chegar desse número, no Brasil, é considerar um grupo de CIDs (Código Internacional de Doenças), que associa deficiências e enquadramento na Lei de Cotas. Apenas nesse recorte, estamos falando de mais de 2 mil diagnósticos diferentes.
Além disso, a deficiência pode ser causada por uma ampla variedade de fatores, incluindo condições congênitas, lesões, doenças, envelhecimento e outros fatores ambientais ou genéticos. Como resultado, há muitas condições diferentes que podem ser classificadas como deficiências, cada uma com suas próprias características e sintomas.
Então, imagine que dentro dos grandes grupos acima existe uma infinidade de quadros, com características e intensidades diferentes.
E dentro desse universo de tantas possibilidades clínicas, você encontra outra infinidade de pessoas. Pessoas com histórias, referências, experiências e soluções para a inclusão na equipe, que não necessariamente nós conhecemos.
Portanto, processo seletivo inclusivo precisa considerar a história de uma pessoa.
1. Com certeza ela sabe muito mais da própria deficiência, do que qualquer um de nós
2. Podemos sim pensar em boas práticas. Mas boas práticas são referências. Nada vai substituir o profissionalismo e experiência da sua equipe de A&S, na hora da prática.
3. Eu já fui um menino com mobilidade muito reduzida, com coordenação motora comprometida, (eu não conseguia segurar um lápis) e uma dicção não 100%. Isso é parte do meu diagnóstico e tem a ver com Paralisia Cerebral. Isso é hipótese.
Como uma deficiência passa a fazer parte da vida de alguém?
Uma pessoa pode ter uma deficiência por muitos motivos. Da mesma maneira que o número total de quadros é difícil de ser estimado, as causas para que isso aconteça são igualmente variadas.
De qualquer forma, alguém pode ter uma limitação congênita, ou adquirida. Um quadro congênito está ligado ao nascimento. É o meu caso. Eu nasci com Paralisia Cerebral, logo, tenho minha deficiência desde os meus primeiros dias de vida.
O quadro adquirido acontece em decorrência de algum episódio ao longo da vida. A pessoa não tinha uma deficiência e passa a tê-la.
O processo de emancipação de uma pessoa com deficiência, adquirida ou congênita, depende também de uma série de fatores e cada pessoa tem a sua jornada. Como exercício de diálogo, trago um desenho bastante abrangente, para ambos os cenários:
Quadro congênito:
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Quadro adquirido:
Os pontos de partida podem ser diferentes, mas em ambos os cenários o que dá sustentação para a pessoa buscar a sua emancipação é autoconhecimento e entender bem como ela lida com a própria limitação. Além disso, a pessoa conta com uma rede de apoio que acredita nela e que também dá força a esse movimento.
Outro elemento muito importante é a presença de políticas públicas. É também por meio delas que a inclusão passa a ser uma prática e pauta social importante, suportada pela legislação, programas, investimento e conhecimento.
Antes de uma pessoa com deficiência chegar à uma entrevista, ela teve uma longa trajetória de aprendizados e preparo emocional. Ninguém com um dia de deficiência vai procurar emprego.
Para finalizar com uma materialidade bem prática, vou colocar aqui as ponderações mais comuns em relação à minha vida de candidato a uma vaga.
Eu uso uma cadeira de rodas para me locomover, então, no meu caso, as considerações mais comuns envolviam:
● Escadas ou degraus
● Largura de porta
● Falta de elevador
● Falta de banheiro adaptado
● Calçada ao redor da empresa ser mal feita
● Sala de reunião no 2o andar
Esses pontos acima já me fizeram ser desconsiderado em processos seletivos. Uma pena, porque se tivessem dado chance ao diálogo sobre isso, teriam descoberto que eu:
● Convivo com a minha deficiência desde 1982
● Falo inglês há mais de 30 anos
● Morei em dois países e cinco cidades (entendo bem a falta de acessibilidade brasileira)
● Tive 12 endereços diferentes
● Morei em 4 residências com escada (ou para chegar em casa, ou para chegar ao meu quarto)
● Total de banheiros adaptados: 0
Antes de eu chegar ao Ensino Médio, eu já sabia lidar com a lista de impeditivos acima.
Não perca a chance de conhecer um bom candidato, ou candidata, porque você acreditou que não há solução. Presuma capacidades e deixe de imaginar impossibilidades.
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6 mRafael artigo completíssimo, quase um manual. vou compartilhar pois ele é muitíssimo 🙂 necessário.
IT supervisor at ExxonMobil, TEDx Speaker, Diversity, Inclusion & Equity leader, co-founder of Aliades org; franqueada Luz da Lua
6 mQue perspectiva tão necessária! Seus textos são utilidade pública!
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6 mVocê foi cirúrgico Rafael Bonfim. Eu sempre digo que a melhor dica é: PERGUNTE, não tente adivinhar ou presumir o que precisamos. Abraço no seu coração.