Nos acostumamos com as tragédias ao vivo?
Acordamos, espreguiçamos, tomamos banho, preparamos o café, entre o pãozinho, o mamão, as telas do celular e da TV./
Brilha no canto da sala uma manchete, um avião cai em Vinhedo, vindo de Cascavel, Paraná. A notícia se alastra como fogo em palha seca, a internet já tem imagens do acidente, de alguém que já empunhava um celular mostra a queda do avião em parafuso e as câmeras da Globo já estão lá, helicóptero ao vivo, trazendo cada detalhe, especulando quantos corpos, resgates, necessidade de exames de DNA. O horror é servido em doses generosas. O dia segue, com entradas especiais a cada bloco, como se não bastasse a tragédia, precisasse de espetáculo.
Nos acostumamos com as tragédias ao vivo.
Interessante como funciona a mídia jornalística. O esforço de trazer o furo, a nota que ninguém deu, a comparação com a comoção das tragédias climáticas do RGS aparece pra mim num lampejo. Será que o Bonner vai pra frente do IML em SP ou pra casa onde aconteceu a queda apresentar o JN de lá?
Nah, vão os repórteres da linha de frente.
Notícias são entretenimento?
Não vou agora falar do que acontece nas favelas do RJ ou da milícia atuando em SP, mortes, PCC, do que estão fazendo com os Guarani/Kaiowá no Mato Grosso e outras tribos Amazônia adentro, etc.
Mas me vejo pensando nas guerras que acontecem neste exato momento, no outro canto do mundo.
As guerras continuam. Em algum lugar entre Israel e a Palestina, entre a Rússia e a Ucrânia, vidas são ceifadas diariamente. Mas dessas mortes, pouco tem se falado com tanto ardor.
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A guerra vira um som de fundo, uma manchete rápida, fria, antes da próxima novela. Ah, mas não é aqui, não é agora. Porque o impacto não é o mesmo.
Somos um país de proximidades. O que acontece perto de nós mexe conosco.
Um avião que caiu em solo paulista tem um peso diferente. A dor é mais palpável, quase nossa. A mídia sabe disso. Não é à toa que as tragédias locais ganham um tratamento especial, com direito a minúcias, como se cada detalhe fosse necessário para compreender o incompreensível.
E as guerras? Ah, as guerras. Aquelas, a gente olha de longe. É como se fosse um filme repetido, sem final feliz. O drama é real, mas não é nosso. E assim, a cobertura se esvai, porque o público cansa.
A tragédia do dia é o que conta?
No final das contas, somos todos humanos, todos iguais, seja em Vinhedo ou em Gaza, em Cascavel ou em Donetsk. Eu não conhecia essa cidade Ucraniana, mas fui pesquisar sobre a cidade mais arrasada da Ucrânia, e essa foi indicada como a que mais sofreu com bombardeios aéreos, que a destruíram integralmente, casas, ruas ou praticamente tudo. Virou uma cidade fantasma. Não há dor, pois nada mais existe. No caso dessa cidade da Ucrânia virou paisagem, arrasada mas paisagem.
É a dor, a dor não tem fronteiras nacionais ou internacionais.
No momento o que está mais perto é o que importa.
Lamento muito pelo acidente com o avião, me compadeço com os familiares das vítimas e que elas consigam superar a dor de suas perdas e se apeguem e cultivem as suas lembranças, que é o que nos resta quando perdemos entes queridos.