Nossa hipótese preferida e provavelmente transitória

Nossa hipótese preferida e provavelmente transitória

Já escrevi em outros lugares sobre certezas e verdades. Pode ter certeza é uma verdade. Entretanto, como cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, vamos novamente, quem sabe de outra forma. 

Nestes tempos fraturados pelo ódio, ouvimos muito sobre Eu tenho certeza. Eu estou com a verdade. Eu... e blá, blá, blá. Apesar das marés altas e baixas de incertezas que nos envolvem, as certezas e as verdades nunca estiveram tão em voga como agora. Quanta contradição.  

Em um recente post, de uma amiga, me deparei com um parágrafo maduro e envolvente do escritor tcheco, Milan Kundera, autor do lendário e inigualável A insustentável leveza do ser

O parágrafo dizia assim: “é preciso realmente uma grande maturidade para compreender que a opinião que nós defendemos não passa da nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas os muito obtusos podem transformar numa certeza ou verdade...” 

Então, neste cotidiano de pouca leveza, o que estaria faltando é humildade e maturidade ou temos muitos obtusos soltos por aí? 

O parágrafo faz parte de um ensaio chamado A inimizade e a amizade, onde o escritor fala de amizades rompidas por divergências políticas. Não pretendo ir além no tema divergências políticas. Em uma época do pós-verdade, onde crenças importam mais do que a realidade, a disseminação de fakenews ganha terreno, impulsionada pela internet e pela polarização ideológica e política. 

Porém, não querendo ser raso, gostaria com sinceridade, de aqui simplificar e apostar na reflexão sobre quão certos podemos estar de que a “verdade” é a que estamos defendendo com unhas e dentes através da nossa opinião? 

Estaria eu buscando uma singularidade indiscutível? Feito gosto. Afinal, sabemos, gosto não se discute... lamenta-se! 

É da democracia a divergência de ideias entre grupos. É da democracia o debate e o diálogo com o outro. Mas quando radicalizamos e aceitamos que a nossa opinião é a “verdade” e que é unilateral, e que está do nosso lado, não nos permitimos mais ouvir o outro. 

O espaço para o diálogo e a tolerância some. Permanece somente o extremo. E, de tão extremo que está, não há como enxergar o outro lado. E, se não enxergamos, cegos estamos. E, por consequência, a cegueira gera uma fuga do racional e uma intensidade emocional que acaba desaguando em um rio de ódio nas redes sociais. 

Luiz Antonio Maroneze, amigo a mais de 35 anos e Doutor em História do Brasil, me orientou a ler Como as Democracias Morrem, livro escrito pelos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que versa sobre as sociedades polarizadas e o consequente enfraquecimento das democracias.

“Querido Wilbur, ainda não li, mas estou a caminho, lerei."

De toda forma, para mim, é muito difícil de aceitar ou justificar (apesar dos tempos atuais) o chamado discurso de ódio e a polarização extrema. Ao longo dos últimos anos houveram diversos gatilhos que nos levaram a essa polarização. A desilusão com o contexto político, e/ou o vazio da representação política, talvez tenha sido o maior deles. Talvez. 

Por outro lado, seria ingenuidade de nossa parte atribuir a lógica da polarização exclusivamente a política, podemos, ou devemos, estender aos diversos lugares que transitamos, como trabalho, ambiente familiar, religião e até mesmo esporte. Afinal, é certo que o meu time é melhor que o seu. Ah vai, sem mimimi. 

Por que afinal é tão difícil o outro concordar conosco e vice-versa? Parece que no ambiente cibernético, por vezes, até mesmo pelo anonimato ou por não estarmos frente a frente, fica ainda mais difícil do que na vida offline. Nesta “terra de ninguém” quem pode, saca primeiro. 

É notório que temos dificuldade de aceitar a opinião do outro, em grande parte, porque isso nos faz pensar que estamos errados. Mas não é errando que se aprende? Ou o nosso egocentrismo também não nos permite ver dessa forma? Refletir, mudar de opinião, acertar o prumo e concordar não parece mais elegante do que refutar a qualquer custo a opinião do outro? 

Talvez empatia, prática de se colocar no lugar do outro, seja o caminho.

Às vezes somos empáticos com algumas situações, mas não com outras. Devemos debater as opiniões de forma civilizada. E, podemos inclusive concordar que discordamos, mas de forma propositiva e olhando para frente, utilizando de bom-senso em busca do bem comum.

No entanto, até aqui, acredito que concordamos (ou não) de que esse cenário de discórdia permanente não contribui em nada para identificação e solução das nossas dificuldades enquanto sociedade. Então, se aquele ditado indiano que diz que toda a mudança é para melhor, está certo, por que não mudar? 

E, se olhássemos através de um novo paradigma? O proposto, por exemplo, pelo Kundera, de que a opinião que nós defendemos não passa da nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita e provavelmente transitória. Fácil de escrever, difícil de praticar? Não seria um exercício que vale a pena ser colocado em prática pelo bem dos relacionamentos e de nossa própria saúde mental? 

Enquanto o sol se põe em um crepúsculo sem fim, faremos uma pequena pausa para reflexão. Pense! 

Bella ciao, bella ciao, bela ciao ciao ciao... Se você conhece a letra sabe que estou falando de La Casa de Papel, a badalada série espanhola da Netflix. Em certo momento do enredo um dos personagens solta a flecha certeira: “prefiro fugir de corpo e alma, e se não puder levar meu corpo, pelo menos deixo minha alma escapar.” 

Por fim, é claro, paciente leitor, que, assim como você, eu estou longe de ter todas as respostas. Ainda assim, deposito aqui meus 2 cents sobre essa controversa.  

Então, pensou? Que tal percorrermos juntos esse caminho exercitando essa posição “mais aberta” em nossos relacionamentos? 

Claro, sempre, de corpo e alma. 

Saúde a todos.


 

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