Nota de falecimento - Mucio Ferreira
Mucio era casado com minha prima Denise, e foi através dela que nos conhecemos – antes de a RN sequer existir. Eles moravam no Rio, e comecei a visitá-los com mais frequência após ir até lá pra assistir um Rock in Rio e descobrir que tínhamos afinidades que iam da música ao gosto por mercado financeiro.
Vale descrever a peça: carioca, daqueles cariocas cariocas messssssmo, com sotaque, marra e tudo que tem direito, quase 2m de altura, bem-humorado sempre, espalhafatoso que só ele, superinteligente, teimoso, daquelas pessoas que é preciso interromper pra falar senão ele ia embora sozinho, e com uma leve deficiência auditiva que só tornava a característica anterior mais peculiar ainda – as vezes você tentava interromper, ele não ouvia e seguia contando suas histórias. Aprendi com o tempo que qualquer conversa com ele precisava de um “Espera Mucio” ou “Respira Mucião” dito alguns decibéis além do razoável.
Quando comecei a RN, naturalmente ele foi uma das pessoas pra quem apresentei nosso trabalho, ainda que sem grandes pretensões - na época era ele quem ajudava amigos com investimentos e normalmente esse é o tipo de perfil mais difícil de converter, o que já considera que não precisa de ajuda. Para minha surpresa, ele não só ouviu o que eu tinha a dizer como percebeu que tínhamos conhecimento a agregar até pra ele que já se virava por conta própria.
Alguns anos depois, passamos pela crise do Dilma II, e ele teve que se desfazer da empresa que tinha por conta da recessão que se instalou. E após todo o turbilhão que os anos de crise trouxeram, eis que um belo dia, do auge dos seus 60 anos, ele me perguntou se não poderia ser assessor na RN, e o que teria que fazer para tal.
Confesso que já tinha até considerado essa possibilidade no decorrer dos anos ... mais sociável que ele, impossível. Com bom networking, conhecimento de mercado, poderia dar super certo. Mas os 2 metros de carioca marrento, teimoso e que gostava (muito) mais de falar que de ouvir eram riscos claros pro sucesso da empreitada.
Decidimos embarcar na missão possivelmente impossível de transformar o carioca espalhafatoso em private banker suíço. Só a coragem de querer recomeçar numa nova profissão aos 60 anos já valia nosso tempo – e é das qualidades dele que vamos levar conosco pra sempre.
Não foi fácil – mas também foi muito menos difícil do que imaginávamos. Entre as teimosias já previstas e as longas explicações que achávamos que ele estava ouvindo, mas que ao fim pedia pra repetir porque não tinha escutado direito (rs), o Mucio foi sempre uma lição de humildade e perseverança. Aos seus 60 anos, topava sentar ali e apanhar da tecnologia das mil plataformas da XP, trabalhar duro o dia todo e ser aluno de alguns meninos de 30 anos.
Mais importante até que fácil ou difícil, foi um período divertido! Além do aprendizado pra ambos os lados, até hoje temos boas lembranças do curto período que ele passou conosco – e só isso já faz a aventura que tivemos juntos valer a pena.
Nosso maior medo durante aquela fase, na verdade, era que mais dia menos dia ele colocaria abaixo nosso escritório recém montado (rs). Em um dos muitos episódios na companhia (desastrada) dele, o homem me entra todo apressado no escritório e dá de cabeça com tudo na porta de vidro que separava nossa sala da recepção, fazendo todo mundo pular da cadeira com o barulho. Como a porta de vidro suportou a locomotiva de 2m de altura que trombou nela, não sabemos até hoje.
Mucio era aquela presepada ambulante que está sempre prestes a acontecer – e por milagre quase nunca acontece; era aquele cara que as vezes você quer matar, e segundos depois tem vontade de abraçar; aquele cara que você literalmente aprende a gostar - porque é quase impossível gostar de primeira rs... Mucião era aquela figura larger than life, expressão para a qual não encontro tradução à altura.
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Infelizmente, quando ele entrou na RN não tínhamos a estrutura e suporte que ele precisava para atuar do Rio à distância. Além disso, durante esse curto período conosco ele descobriu o câncer que o acompanhou até seus últimos dias... Decidimos de comum acordo que seria melhor para ele, pessoal e profissionalmente, estar associado a um escritório no próprio Rio, e fizemos a transição ao fim de 2019.
De lá para cá, ele batalhou através de cirurgias e quimioterapias sem que o câncer jamais deixasse de acompanhá-lo. E seguiu tentando exercer a profissão de assessor até onde o corpo aguentou. Quando a doença se tornou algo apenas para controlar, e não mais para vencer, ele se desligou da prática e tentou matar mais alguns dos itens que tinha na sua bucket list: conseguiu visitar os parques nacionais americanos que tanto queria – Yosemite e Yellowstone – mas a viagem para Israel que vinha na sequência infelizmente não pôde acontecer.
Sempre que eu ligava pra saber como ele estava, além de me atualizar da doença ele sempre fazia questão de agradecer, com os olhos marejados, a oportunidade que tínhamos lhe dado, e o fato de termos ensinado a ele como prestar assessoria do “jeito certo”, sem malabarismo com os clientes. Eu provocava daqui e dali e ele sempre prometia que estava fazendo a coisa “direitinho”, e que isso tinha aberto muitas portas pra ele.
Mucio era também 2m de coração mole e de boas intenções, ainda que nenhum de nós seja perfeito na eterna tentativa de sermos nossa melhor versão.
Se tem algo em que ele era bom, era em vestir e carregar toda a imperfeição dele por aí sem nada a esconder de ninguém. Ele era a expressão mais genuína de si mesmo, e talvez fosse isso que atraísse todo mundo a gravitar por perto dele, santo batendo ou não.
Ele era dessas pessoas que deixa um vazio por aqui mesmo sem ter sido parte ativa do nosso dia a dia.
Essa foi a faceta do cara que conhecemos, e tenho certeza que existem muitas outras mais. Essa que conhecemos merecia essa homenagem.
Mucio nos deixou no começo dessa semana, aos 63 anos. Hoje faria 64.
Feliz aniversário Mucião! Sentiremos saudades!
Especialista em válvulas industriais.
2 aBelas palavras e homenagem! Não o conhecia, mas, pelo texto, pude perceber o carinho e admiração mútuo entre vocês!