Novembro de 2019 e o presente distópico
Novembro de 2019: estamos no mês em que se passa a história de Blade Runner, filme de Ridley Scott de 1982 alçado ao panteão dos clássicos. Revi o filme em julho, por ocasião da morte do ator holandês Rutger Hauer que protagoniza o vilão replicante Roy Batty e uma das cenas mais antológicas do cinema mundial de todos os tempos. Após ser perseguido ao longo de boa parte da obra e ser o último replicante ainda vivo pela implacável caçada do policial Rick Deckard, interpretado por Harrison Ford, o qual acaba de salvar, solta uma pomba branca. Fala algumas palavras sobre suas memórias que remetem aos limites e possibilidades sobre a existência e a humanidade, mesmo sendo um replicante.
O futuro distópico de Blade Runner chegou. É presente, não é cenográfico. É real com a presença crescente de assistentes de voz na nossa vida e das tecnologias de vídeo chamadas. Se não temos hoje robôs tão inteligentes e à nossa imagem ou carros voadores como o filme mostra, a chuva incessante da ficção nos faz lembrar do que já foi um maior equilíbrio com relação ao clima e aos recursos naturais. Na trama de Scott eles simplesmente não existem mais. Detectores de mentira que são usados para achar os androides são ainda polêmicos, mas bastante usados em alguns países a partir de instrumentos que monitoram a íris de criminosos.
O cenário inóspito da Los Angeles de Ridley Scott leva seus moradores a migrarem dali pois há problemas de moradia. Nos dias atuais, o fluxo migratório é uma das questões mais complexas, crescentes e desafiantes que colocam em lados opostos nações ricas e desenvolvidas e povos que nasceram em países que passam por conflitos.
Novembro de 2019: no mês em que se completam 30 anos da queda do Muro de Berlim, a Alemanha deu início na semana passada às comemorações da efeméride com as iniciativas mais contidas destas três décadas, diante de um ambiente sombrio marcado por um clima semelhante ao da Guerra Fria e uma intensificação dos movimentos nacionalistas pelo mundo.
Longe das esperanças despertadas com o fim da Cortina de Ferro, o prefeito de Berlim, Michael Müller, foi ponderado: “É preciso que todos se comprometam juntos pela liberdade, liberdade de imprensa, liberdade de opinião, liberdade de culto”. Seu discurso foi na Alexanderplatz, na segunda 4, perto das longas avenidas onde ocorreram as gigantescas manifestações que levaram à queda do muro, em 9 de novembro e 1989.
Há dez anos, líderes de todo o mundo, incluindo as quatro forças aliadas da Segunda Guerra Mundial, se reuniram no portão de Bradenburgo, em Berlim, epicentro da divisão da cidade e do continente, para derrubar um muro falso, erguido para a ocasião. A mensagem era clara: os muros e divisões são coisas do passado. Há cinco anos, balões luminosos foram lançados ao longo do caminho da antiga muralha para simbolizar o fim das divisões.
Hoje, no entanto, o ambiente político na Alemanha é tenso e mais polarizado do que nunca devido à ascensão da extrema direita que se opõe à imigração e à chanceler Angela Merkel.
As reflexões sobre o que significou a queda do Muro de Berlim voltam não como algo que ficou no passado. Voltam com novos elementos reascendendo divergências, novos muros, novas divisões entre direita e esquerda em diversos países mundo afora, inclusive aqui no Brasil.
Novembro de 2019: São Paulo recebeu na semana passada dois grandes pensadores da atualidade: o historiador israelense Yuval Hahari e o biólogo evolucionário Jared Diamond em um evento promovido pelo jornal Valor Econômico em parceria com o Santander. Ambos em sua primeira visita ao Brasil, cada um a seu modo, discorreram sobre nacionalismo, a importância do aprendizado contínuo e o impacto da tecnologia na vida humana.
Para Harari, autor de best-sellers como “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, “Homo Deus” e “21 Lições para o Século 21”, nacionalismo e globalismo não são necessariamente posições opostas. “Nacionalismo não é sobre odiar estrangeiros, nacionalismo é sobre amar seus compatriotas. E atualmente este tipo de amor está em falta globalmente”.
Ele elenca três grandes ameaças ao mundo atualmente: guerra nuclear, colapso climático e disrupção tecnológica. “Esses fatores colocam em risco a sobrevivência e a prosperidade de todas as nações e não podem ser tratadas de forma isolada. Nem levantando bandeiras ou construindo muros”.
Jared Diamond, por sua vez, enxerga quatro grandes ameaças ao mundo contemporâneo (duas delas por sinal idênticas ao de seu companheiro de palco): risco de guerra nuclear, emergência climática, esgotamento dos recursos naturais e desigualdade entre países, e dentro deles. Do alto de seus 82 anos, o também geógrafo e historiador, autor dos livros “Armas, Germes e Aço”, com o qual ganhou o Prêmio Pulitzer em 1997 e o mais recente “Reviravolta: Como Indivíduos e Nações Bem-Sucedidas se Recuperam das Crises”, não perde a esperança de que o cenário sombrio seja revertido por sociedades mais conscientes, empresas mais sustentáveis e governos mais comprometidos em reconhecer crises nacionais.
Ao longo de sua carreira viveu ou conheceu de perto sete países: Estados Unidos, Alemanha, Finlândia, Austrália, Chile, Japão e Indonésia. Embora tenha ficado no Brasil apenas 14 horas e conheça pouco o país foi categórico: “O Brasil corre o risco de um suicídio econômico se não gerenciar direito suas florestas”.
Novembro de 2019: a distopia está diante dos nossos olhos em escala interplanetária. Nasci no meio da Guerra Fria ouvindo sempre que a guerra nuclear era uma grande ameaça. Após a Queda do Muro de Berlim, a esperança de um novo mundo, sem divisões fez boa parte da humanidade acreditar que estávamos seguindo por um caminho mais inclusivo, tolerante e promissor. As grandes questões da humanidade são pendulares e talvez agora estejamos num movimento de refluxo de expectativas, perspectivas e visões de mundo.
Para tentar furar algumas bolhas dessas várias camadas que tornam o ar rarefeito, finalizo esse texto com as palavras finais da apresentação de Jared Diamond. Segundo ele, estamos diante de uma corrida entre dois cavalos. O primeiro é o da destruição, que vai muito rápido. O segundo é o da esperança baseada na sustentabilidade ecológica. “Não estarei vivo em 2050, mas meus netos, sim” ao afirmar ter esperança que ganhe o cavalo que está do lado certo desse páreo.
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5 aSempre maravilhoso e importante contar com sua lucidez e com sua visão cheia de metáforas e realidades Regina. Grande texto.