Sobre Mágicas e Projetos - desafios nas organizações

INTRODUÇÃO

Enterros são momentos tristes. Talvez por isso fosse estranho ver a alegria e o entusiasmo das pessoas na cidade californiana de Santa Ana, naquele dia quente de 1915. A multidão agitada aguardava para ver Harry Houdini em seu novo truque, "Enterrado Vivo".

Nascido na Hungria, com o nome de Ehrich Weisz, Houdini tornou-se o maior mágico de todos os tempos. Filho de Mayer Samuel Weisz, um rabino Judeu, Ehri - como era chamado - veio para Appleton no estado americano de Wiscosin. Antes de torna-se mágico, foi fotógrafo, perfurador de poços, trapezista e contorcionista. Assumiu o nome Harry Houdini em homenagem ao mágico francês Jean Eugène Robert-Houdin (Harry, de Ehri). Em Santa Ana - CA, Houdini tentou pela primeira vez o truque de ser enterrado vivo.

Imagine o pavor da cena: Harry foi maniatado com algemas, preso a uma camisa de força e enterrado em uma "sepultura" de quase dois metros de profundidade. O público acompanhava cada pá de terra colocada sobre o caixão de vidro. Pá sobre pá até que a areia cobriu totalmente o homem vivo e amarrado... Hábil como poucos homens da Terra, Harry livrou-se rapidamente de suas algemas e camisa de força, mas ficou exausto enquanto lutava para escavar a terra em busca de sobrevivência. Gritou por socorro, mas não podia ser ouvido... Duas toneladas de areia o impediam. Os olhos da multidão aguçavam-se entre o túmulo improvisado e o relógio a repetir preciso: cada segundo que passa, fere; o derradeiro mata.

A torrente de suor na face dos expectadores denunciava o misto de emoções entre a empolgação do feito e a ameaça de um desastre. Quando a mão de Houdini finalmente quebrou a superfície, o público delirou! Mas ele teve de ser puxado por seus assistentes: estava inconsciente, quase morto. Derrotado por uns poucos segundos, o relógio adiou a sua vitória. Harry escreveria em seu diário que a fuga foi "muito perigosa" e, recordando o momento antes de seu desmaio, disse: "o peso da terra estava me matando". Reconheceu o erro de planejamento, não imaginara que duas toneladas de terra o esmagassem com mais furor do que já havia suportado.

A mágica tem seus riscos, e traz suas experiências. Em 1915, Houdini realizou seu show de ser "Enterrado Vivo" pelo menos duas vezes: a primeira no Majestic Theatre, em Boston, e a segunda em Worcester. Ambas durante o mês de setembro de 1926. Grandes feitos!

Mas devido a uma complicação de apendicite, estourada por uma série de socos em seu abdômen, autorizados por ele mesmo, Houdini morreu em outubro de 1926. Seu corpo foi supostamente enterrado no mesmo caixão que usou para sua famosa fuga do enterramento vivo. Após isso, não se tem notícia de que seu corpo tenha conseguido uma nova fuga. A mágica tem seus limites.

A NATUREZA DAS MÁGICAS E DOS PROJETOS

Mágicas e projetos são muito distintos, entes de naturezas diferentes.

Uma mágica é um feito que todos sabem ser um truque, mas que todos desejam veementemente acreditar que seja real. Vemos uma ilusão e nos ufanamos de sermos tão habilmente enganados. O sucesso da mágica é mostrar-se como real, criar no público a ilusão de ter sido autêntica.

Um projeto é um empreendimento inédito que torna real um escopo definido em um tempo e custo controlados. É uma realização que parece mágica, que torna real o que muitos julgam ser impossível.

 Mágicas e projetos reclamam planejamento e esforço. E ambos possuem limites. Em todo caso, é fácil diferenciar: o projeto faz entregas, a mágica as simula.

PROJETOS, PRODUTOS E VALORES

Devido a sua natureza, projetos são esforços organizacionais de mudança. Pretendendo introduzir novidades em produtos, serviços ou processos, projetos são criadores de valor. E são consumidores deles. Um projeto de sucesso significa que os valores empregados (custo e esforço) são compensados pelo valor obtido (escopo). E tais relações somente se consagram quando são reais! Um projeto que diz ter entregue um valor que não existe ou que majora por prestidigitação de indicadores os resultados obtidos, ainda que pareça um sucesso, não é projeto: é mágica.

Projetos aumentam o valor organizacional. Mágicas apenas impressionam.

A MÁGICA ORGANIZACIONAL

É preciso compreender que algumas organizações desejam mágicas em lugar de projetos. Pedir um escopo com prazos e custos irrealizáveis é engendrar uma mágica organizacional: veremos o resultado, mas não passará de uma ilusão. A mágica pode ter lugar na organização, ela impressiona, mas só isso: é possível fazer um avião aparecer no pátio em alguns segundos, mas não é garantido que se possa voar nele...

É necessário estar atento ao que se está fazendo. Um projeto pode ser ousado, mas deve continuar sendo real. Uma mágica é a impressão do impossível, não sua execução. Devemos distinguir muito argutamente o que é um projeto do que é uma mágica. É muito comum que as organizações precisem de projetos, mas muitos gestores convertem tal necessidade em uma mágica: desejam apenas impressionar.

Durante muito tempo, em nossas equipes de trabalho, orientamos as realizações classificando-as como mágicas ou como projetos. Mágicas impressionam, tornam o público satisfeito, mas seu produto não pode ser utilizado para fins práticos. Dão apenas aparências de entrega, não entregas efetivas.

Quando um superior hierárquico nos pede o impossível, perguntamos com sincero interesse na resposta: "Trata-se de projeto ou de mágica?"

Mágicas entregam satisfação como valor. Projetos entregam valor como satisfação. Têm lógicas diferentes. Têm contratos diferentes. Têm prazos e custos diferentes.

Pense nisso em sua próxima entrega. Se você é um gestor tenha cuidado de não estar conduzindo sua equipe para entregar mágicas, ao invés de projeto. O tempo e o custo de realizações verdadeiras respeitam as leis da física e da economia. As mágicas parecem prometer mais. E entregam menos. Lembre-se de que até Harry Houdini, o maior de todos os mágicos, um dia desmaiou durante a realização de seu maior truque, e está enterrado no instrumento que utilizou. A mensagem da realidade é clara: até a mágica tem seus limites!...

Marcus Perusso

Agilista | A-CSM, A-CSPO, KMP Professional, CLF, POCC

6 a

Com certeza André. Mágica é querer aparecer e não entregar aquilo que é simples, mas que com o tempo será o essencial. Boa reflexão!

Muito bom, André! O pior é quando uma organização vive de mágicas, adotando sempre os mesmos truques com nomes diferentes. ..

Pablo Carvalho

Criando Negócios e Produtos do Futuro

7 a

Ótimo!

Mackenzie Melo

Senior Engineer at McKenzie Engineering Co. Inc.

7 a

O projeto de uma boa mágica é que o ilusionista não morra durante sua execução e que quem a recebe acredite nela. A mágica de um bom projeto é executá-lo de modo que quem o recebe imagine que foi tão fácil fazê-lo que parece ter caído dos céus. Muito boa reflexão!

Atila Pessoa Costa

Consultor de Negócios | Arquiteto Corporativo | Educador | Agilista | Especialista em Gerenciamento de Projetos de Engenharia de Software

7 a

estamos numa era de grandes incertezas. quem aprender a ser melhor incerto terá mais acertos do que os que se acham certos.

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