Novo normal, ou o normal de novo?
No mês passado a Folha de São Paulo publicou uma série de fotos do “novo normal” após reaberturas ao redor do mundo: em Londres, barbeiros cortavam cabelos dos seus clientes dentro de uma redoma; em Wuhan, uma estudante limpava uma divisória plástica na sala de aula de sua escola; na Inglaterra, um bar colocou bolhas de plástico para os clientes na área externa. As imagens são impressionantes, mas podem não gerar identificação por aqui.
Analisar cenários requer sensibilidade e cuidado: mais importante que entender o lugar de fala é cultivar o lugar de escuta. Muito tem se falado sobre o chamado “novo normal” e, sem dúvida, nos países onde foram implementadas normas sanitárias mais rígidas, essas modificações podem ser visíveis. Mas isso também acontece no Brasil? E de que Brasil nós estamos falando? Afinal, já diziam os versos de Aldir Blanc: “O Brazil não conhece o Brasil” – e isso também se aplica ao wriodejâneiwro.
Nasci e cresci no Rio de Janeiro, mas como pesquisadora de comportamento (e alguém que conhece bem a realidade do subúrbio), costumo brincar que essa ideia idílica do Rio é culpa do Manoel Carlos!rs A verdade é que cabem muitos Rios no rildy e outros tantos no errejota.
Um vídeo que circulou em junho deste ano, mostrava o shopping Leblon durante a sua reabertura: marcações no chão na entrada e nas escadas rolantes (para delimitar o distanciamento das pessoas), câmera com leitura de calor, álcool gel na porta, número de pessoas no interior do shopping naquele momento, além de uma equipe aparentemente super equipada com EPIs para receber os clientes.
Por outro lado, mais ou menos nessa época, lembro de uma reportagem que mostrava o calçadão de Caxias completamente lotado (com pessoas sem máscara), enquanto a jornalista comentava em tom irônico que a vacina já havia chegado por lá. No entanto, analisar comportamento é algo muito mais complexo do que parece e para certas análises as marcações de classe são insuficientes: não nos esqueçamos da matéria exibida no Fantástico, mostrando os bares completamente lotados com os clientes sem máscara, no mesmo Leblon do shopping altamente organizado.
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A ideia de normalidade é construída a partir da rotina e da repetição dos nossos hábitos cotidianos, formatando assim um padrão de comportamento. Logo, tudo que seja diferente do que já estamos habituados a fazer gera estranhamento. A pandemia fez com que alguns novos hábitos precisassem ser inseridos na nossa rotina: o uso de máscara e álcool gel são as coisas mais evidentes, no entanto, há outras coisas que mudaram também. Reuniões de família ficaram suspensas, aniversários foram comemorados por videochamadas, vovós viram seus netos pela primeira vez através de uma janela de vidro. Mas, novamente, há sempre que se tomar cuidado na análise: quando se fala de trabalho, por exemplo, decretar que a cultura do home office é o “novo normal” significa desconsiderar que vivemos muitas vezes numa bolha. Da mesma forma, antes de usarmos como contraexemplo ao comportamento das pessoas nos bares da zona sul, pessoas bebendo em bares na periferia, precisamos lembrar que essas mesmas pessoas estão sendo obrigadas a embarcarem em trens, ônibus e BRT completamente lotados diariamente. Então essa ideia do #StayHome para essas pessoas não faz muito sentido: elas estão permanentemente fora do “home” e, na verdade, não trabalham no “office”.
A pandemia escancara e potencializa o abismo social do Brasil e, sem dúvida, isso se torna mais ou menos evidente dependendo do recorte. No entanto, recentemente o que se percebe de maneira geral (mesmo entre os mais privilegiados e conscientes) é um afrouxamento do isolamento. Segundo matéria publicada no EL PAÍS, psicólogos e psiquiatras dizem que esse movimento se tornará cada vez mais comum. É a chamada “fadiga da quarentena” – segundo eles, “nosso sistema faz esforços para nos adaptar a situações novas e indesejadas, de privação. Mas, quando somos obrigados a fazer isso por muito tempo, esse mecanismo entra em falência e não conseguimos mais racionalizar”, é o que explica Ricardo Sebastiani, especialista em psicologia clínica e saúde pública. A ausência da vacina, a incerteza de quanto tempo a pandemia vai durar, juntamente com as consequências psicológicas do isolamento acabam provocando uma espécie de “desespero emocional”. Circunstância essa que durante esse período certamente já foi experimentada por nós, ou por alguém muito próximo da gente.
Outra coisa a se considerar nessa mudança de comportamento é a comunicação. Enquanto em países que tiveram mais sucesso durante a quarentena (e nos seus processos de reabertura) havia uma comunicação mais clara, objetiva e coerente, no Brasil experimentamos muitas vezes um conflito de narrativas entre mídia, autoridades governamentais e sanitárias, que só serviu para nos deixar ainda mais perdidos e prostrados. Esse conflito afeta diretamente o dimensionamento real do cenário, gerando cansaço, perda de credibilidade e de-sensibilização. Estamos esgotados: seja pelas notícias, ou pela desinformação. Seja pelo isolamento, ou pelo descaso de muitos com as medidas protetivas. Seja pela falta de contato, ou pela cobrança dele.
Vivemos uma situação sem precedentes e há uma certa ansiedade em mapear e nomear as mudanças comportamentais que estamos assistindo. Mas antes de afirmarmos que essas transformações são definitivas, deixo aqui uma provocação: imaginando um cenário onde haja uma vacina eficaz, será que todos esses novos hábitos e mudanças continuarão fazendo parte do nosso dia a dia? Em um cenário onde as pessoas estejam imunizadas, o “novo normal” permanecerá, ou será tudo normal de novo?
Débora Veviani – doutoranda em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
Content & Innovation Coordinator at TroianoBranding
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4 aÓtima análise, Déborah! Profunda e clara.