O brasileiro narcísico

Conta a lenda grega que, antes de Narciso nascer, seus pais, o deus Cefiso e da ninfa Liríope consultaram o oráculo Tirésias para saber qual seria o destino do menino. A resposta foi que ele teria vida longa, desde que nunca visse seu próprio rosto. Nascido de fato muito belo, todos se apaixonavam por ele, o que só contribuía com seu orgulho e arrogância. Desprezava tanto o amor recebido que se apaixonou por seu próprio reflexo na água. Foi quando se viu no espelho d’água que Narciso definhou, ao se deparar com seu próprio eu.

Depois de um período sabático, tendo rodado vários países europeus, é curioso ver o quanto as pessoas amam o Brasil, sonham em conhecer esse país incrível que é o nosso. Vestir a camisa da Seleção Brasileira de Futebol é correr para o abraço, mesmo na Alemanha.

E então a gente volta e se vê no espelho. Aqueles preconceitos velados, aquele desprezo pelos diferentes, a piada com o negro, com a mulher, com o gay, com o time de futebol, o recibo antigo que entrou na da declaração de imposto de renda deste ano (vai que passa para restituir um pouquinho mais), ou o serviço sem nota com desconto, o pagamento por fora, a fila furada, a carteirada, a preferência por contratar o homem (ela acabou de casar, vai que engravida), o beber e dirigir, a vingança e não a justiça, o são todos iguais, queremos todos na cadeia (menos o meu candidato que é honesto), não reeleja ninguém (só o meu candidato), a mitada, a lacrada, o compartilhamento de memes e notícias falsas sem saber a origem ou o contexto, a má influenciação digital.

As pesquisas eleitorais mostram nosso reflexo, aquilo que achamos que somos e o que verdadeiramente enxergamos no dia a dia. Desconsiderando o cenário Lula, por razões óbvias, o candidato que lidera as pesquisas apenas verbaliza o que o vizinho, o amigo, o parente, o que colega de trabalho pensam mas têm um certo filtro (alguns deles) em sair repetindo por ai, mas no fundo se veem representados ao ouvir da boca de alguém aquilo que sempre tiveram vontade de falar (mas dá uma vergonha em falar o mesmo em alto e bom som).

Enquanto discutimos a diferença de salário entre a jornalista e seu chefe (não que não seja um importante ponto), passou batida citação trazida à bancada atribuída ao vice do candidato sobre “teremos que impor uma solução”, tendo como resposta do entrevistado “foi uma alerta que ele deu”. Diria que impor, alerta e democracia não cabem na mesma frase.

Brasil é Narciso, é belo, Bolsonaro é o seu espelho e seu próprio fim.