O Câncer médico: Burnout da prática médica brasileira!

O Câncer médico: Burnout da prática médica brasileira!

Nós, profissionais de saúde, somos intensamente treinados a seguir uma linha de abordagem de problemas que obedece, de forma geral, as seguintes etapas:

Perguntas ==> Busca de padrões ==> Ordenação dos padrões ==> Verificação da sequência lógica dos padrões ==> Comparação com nossa base de dados(conhecimento) ==> "Matching" ==> Diagnóstico

Bem, agora siga os sintomas abaixo:

1)Físicos: sentindo-se cansado e esgotado o tempo todo, cansaço que parece não responder com descanso adequado, frequentes dores(cabeça, costas, corpo etc), mudanças de apetite e padrão de sono.

2)Emocionais: sensação de falha; dúvida da auto capacidade; sentimento de congelamento, fragilidade ou derrota; falta de motivação; aumento de cinismo, negatividade; redução da sensação de capacidade e/ou competência; atividades que você sentia prazer, agora, não sente mais.

3)Comportamentais: desculpas e não realização de responsabilidades; isolamento social; procrastinação; uso de remédios, álcool ou drogas para fuga; cinismo e impaciência com seus pacientes e membros de sua equipe de trabalho; jogar sua frustação nos outros; tratar familiares e amigos de maneira rude e seca; faltar ou chegar no trabalho tarde e sair mais cedo.

Você se identificou com 1 ou mais sintomas em cada um das dimensões acima? Se sim, você deve estar sofrendo de Síndrome de Burnout! Hoje, a maioria das pessoas que falam sobre o burnout relacionado ao trabalho, tem alertado como esta síndrome esta se tornando uma epidemia. Aqui nos EUA, já participei de encontros profissionais, seminários e simpósios, e posso dizer, o consenso é que o burnou é real, está piorando e algo precisa rapidamente ser feito.

O consenso é que o burnou é real, está piorando e algo precisa rapidamente ser feito.

Infelizmente, aqui nos EUA, o único foco para reduzir ou eliminar o burnout do local de trabalho é, na maioria das vezes, o trabalho com o funcionário. Existem boas iniciativas, que trabalham o bem-estar e resiliência, endossando e ensinando a redução do estresse, o gerenciamento de tempo, meditação, atenção plena, gratidão e até ioga. Embora essas estratégias sejam benéficas na redução temporária dos sintomas de burnout, eles não abordam os principais fatores causais. Mesmo que um funcionário seja capaz de reduzir com sucesso os sintomas de burnout, inseri-lo de volta em um ambiente de trabalho tóxico, com toda certeza, o deixará doente novamente.

Bem, entendo o contexto, vamos para a realidade da saúde brasileira. Tomemos os agentes provedores de saúde: médicos, enfermeiros, técnicos, maqueiros, porteiros, atendentes etc. Quantas iniciativas você conhece que estejam, sequer, trabalhando este conceito(burnout no trabalho), seja de forma preventiva ou reativa? Resposta difícil? Vá além. Participo de vários grupos de medicina do país formados por sua maioria por médicos, e qual é uma das principais reclamaçõesdestes fóruns? Que o lugar em que trabalham, além de serem precários e altamente estressantes, tem tornardo-se cada vez mais um ambiente de agentes inescrupulosos interessados apenas em noticiar o ruim! São políticos, jornalistas e até mesmo pacientes. Bem se está tudo tão grave assim, volto a perguntar onde estão as ações de suporte aos provedores de saúde?

Vamos pegar um exemplo desta inversão de responsabilidade. Quando vemos médicos ou enfermeiros exaustos e dormindo, num momento total de esgotamento físico e de fragilidade, qual é a principal visão que é passada pelas mídias? Que essas "máquinas" não deveriam parar de atender, pois existe alguém com algum problema que precisa ser resolvido! No sistema de saúde brasileiro, sempre haverá alguém, e atualmente os provedores são as principais pessoas doentes! Sempre digo que é fácil julgar alguém que desconhecemos suas lutas, físicas, psicológicas e emocionais. E nem quem é profissional de saúde que sofreu e sofre pelo outro também é capaz de julgar os colegas, que porventura possam não ter seguidos certas normas de conduta. Na verdade, nunca saberemos a história de vida do outro.

Sabendo disso, preciso perguntar: estamos dando a devida e justa atenção as necessidades dos nossos colegas de saúde? Parece-me que não! Na verdade, tem acontecido o inverso. Cada vez mais eles, principalmente os médicos, são acusados pelo sistema caótico. E quem está matando eles e o interesse de toda uma geração em trabalhar nestes ambientes, SUS ou não(burnout não é doença sóde quem trabalha no SUS, que fique claro!)? Os locais de trabalho! São pronto socorros, UPAS, Hospitais Federais e Estaduais, ambulatórios, plantões, enfim ambientes cada vez mais desorganizados, desestruturados, focados em números e não em qualidade e, o mais grave, inseguros!

No sistema de saúde brasileiro, sempre haverá alguém doente e em necessidade, e atualmente, os provedores de saúde são as principais pessoas doentes!

Ok, Rodrigo, mas como fazer? Antes, eu vou te contar o que não fazer. Abaixo estão as razões pelas quais as iniciativas de burnout dirigidas aos provedores de saúde falham em 90% do tempo:

1)Quando os esforços para eliminar o burnout são focados no indivíduo em vez do ambiente de trabalho. Com isso, tem-se uma mensagem sutil: "Você é o problema. Você está quebrado. Mas vamos lhe dar algumas ferramentas para que você possa corrigir-se."

2)Os funcionários já estão sendo sacrificados ao máximo em termos de carga de trabalho, pressão de tempo e falta de controle. Já estão com excesso de trabalho, não há tempo adicional para se dedicarem a medidas de auto-ajuda, mesmo que o indivíduo tenha energia para fazê-lo. Pior quando eles estão com burnout, pois eles não conseguem sozinhos.

3)Os programas que não abordam as causas subjacentes do burnout não terão sucesso. Uma vez que o profissional de saúde não é responsável por causar os desajustes no trabalho, eles, consequentemente, não estarão em posição de alterá-los ou eliminá-los.

4)O burnout relacionado ao trabalho é muitas vezes mal identificado como uma superabundância de estresse. O estresse e o burnout são significamente diferentes , embora possam coincidir. Eu digo mais, se você tem burnout, eu posso dizer com 100% de certeza que você está estressado, mas você pode estar estressado sem ter burnout. O desgaste causa estresse. O estresse não causa burnout. A abordagem a cada um deve ser, decididamente, diferente. As estratégias de redução do estresse não eliminam o burnout, porque as causas subjacentes ao burnout do trabalho não serão abordadas estritamente com as instruções de gerenciamento de estresse.

5)O bem estar e a resiliência não são apenas qualidades presentes pelos indivíduos. Assim como qualquer outro valor desejável, estes também são qualidades disponíveis para as organizações. As práticas de saúde nunca podem estar "bem" se estiverem oferecendo um ambiente de burnout aos seus provedores de saúde. Enquanto as empresas de saúde concentrarem todos os esforços de redução e eliminação de burnout sobre os indivíduos, é improvável que as taxas de burnout melhorem. Para promover a resiliência e o bem-estar no local de trabalho, este deve mudar dinamicamente. 

No meu trabalho de Executive coach, trabalho ao máximo de forma personalizada e atenta, os fatores desencadeadores, resignificando-os. Além disso, sugiro:

1)Diminuir o volume de atividades;

2)Aumentar a satisfação com tarefas que lhe geram valor e reconhecimento;

3)Afastar-se de pessoas e ambientes onde as reclamações são os únicos feedbacks que você recebe;

4)Diminua o absenteísmo das suas atividades, evitá-los não vão te ajudar a resolver seus problemas;

Acima de tudo, são as organizações de saúde que devem assumir a liderança na mudança de seus ambientes de trabalho de forma dinâmica. Eles prosperariam ao fazê-lo, pois mantendo os melhores talentos e produzindo bens e serviços superiores, num ambiente saudável e seguro, os índices de produtividade como ROI e satisfação dos clientes aumentariam.

Portanto, o ambiente de trabalho moderno mudou rapidamente e profundamente em um período relativamente curto de tempo. Nem todas essas mudanças foram boas para aqueles que fornecem os bens e serviços. Isso é mais evidente do que na minha profissão, a prática da medicina, onde cada dia mais o crucificado é aquele que sustenta e suporta a assistência de saúde. Mas saiba, você não está sozinho e terá ajuda que precisar!

Dedico este artigo ao grande homem, que um dia foi meu professor, pegando na minha mão e me ensinando que uma jornada difícil é melhor realizada quando podemos contar com alguém! Obrigado por hoje me ajudá-lo a percorrer a sua! Burnout tem cura! A culpa não é sua!


Leonardo Aragão

Médico e Diretor Geral Casa de Saúde São João de Deus - Samoc

6 a

Boa noite... Como médico, tenho a impressão de que tudo o que é feito pelas organizações é diametralmente oposto a tudo o que foi sugerido. Estas grandes organizações tem, em suas mãos, a capacidade de influenciar positivamente seus ambientes de trabalho, não transferindo para seus funcionários toda a responsabilidade dos desfechos que ali acontecem. É preciso que elas entendam que, ao produzirem um ambiente de trabalho harmonioso, tranquilo, e saudável, estarão promovendo diretamente mudanças extremamente positivas nos rumos de seus negócios. Podendo, inclusive, reduzir taxas de demissões/contratações, absenteísmo (extremamente elevado em algumas áreas da saúde) e, por tudo isto, a incidência de Burnout. Ótima reflexão! Parabéns!

Raquel .

Médica ( M.D.), graduada pela UFF , atualmente atuando como Médica de Família e Comunidade

6 a

Este assunto me toca profundamente, porque vi de muito perto um caso de Burnout evoluir tão tragicamente para uma depressão com 3 tentativas (nada banais) de suicídeo. Cinismo? Concordo, mas acho que ele é ainda pior do que vem até mesmo de profissionais de saúde, porque o que não “ aparece na pele” para desnortear até bons profissionais. Talvez o distanciamento crítico que aprendemos na faculdade , misturado a insegurança que nos é imposta pelas péssimas condições de trabalho promovam uma autodefesa excessiva. Mas se uma coisa aprendi é não dizer “ Olhe ao redor , tem pessoas piores que você”. O sol que brilha para muitos não passa de um céu cinzento com fortes pancadas de chuvas e trovoadas para quem sofre de Burnout. É uma doença e tem cura sim, mas antes de cura vamos aprender a falar de cuidado. Se cuidarmos mais uns dos outros, menos cura precisaremos realizar. O caso que acompanhei? Eu mesma, há 20 anos atrás. Alguém duvida que ( dolorosamente e vagarosamente ) superei? Burnout não é para quem quer e sim para quem pode;para quem teve a coragem de ousar testar seus limites. Menos pena e mais ação. Padecer psiquicamente é fato para a vida de 90% das pessoas, mas não podemos deixar nenhuma vida se perder

Fláubert Farias MD, MSc

Infectologista Pediátrico e Professor na Universidade Santo Amaro

6 a

Ótimo texto! Parabéns!

J. Renato DS

Médico infectologista -Mestre pela FMUSP. Analise para mim é aprender a sentir.

6 a

Rodrigo boa noite. É pertinente o tema o qual você explorou de forma profunda e dados da literatura mundial. O Burnout realmente é mais prevalente do que imaginávamos e veio com maior força no século XXI. Tem tratamento? Não. As pessoas que possuem mais resiliência obviamente conseguem ter um ajuste melhor nas atividades laborais, pois trata-se de um transtorno ligado ao trabalho. É uma doença crônica. As hipóteses diagnósticas que necessitam que o médico deve se atentar, antes de formar o diagnóstico dessa síndrome são: distimia, transtorno depressivo maior, estresse crônico grave e fadiga crônica. Agradeço a você por ter me proporcionado a oportunidade de aprender mais sobre esse transtorna. Abraço.

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