O caminho da prosperidade?

O plano de Bolsonaro foi feito em power point, não com texto articulado e dados para substanciar propostas

Monica De Bolle*, O Estado de S.Paulo

Em 2015, tivemos A Ponte para o Futuro, o plano de governo elaborado pelo então PMDB antes do impeachment de Dilma Rousseff. O documento até que era bom: falava na necessidade de conter gastos, na reforma da Previdência, nas reformas microeconômicas, pincelava algo sobre a reforma tributária, e até fazia acenos ao mundo com diretrizes para a abertura da economia brasileira. Como sabemos hoje, a ponte caiu no meio do caminho e o futuro resvalou para a desilusão e a raiva.

Há quase 20 anos, tivemos um voto indignado no Brasil que elegeu o PT – era a época do “temos de acabar com tudo isso o que está aí”. E por algum tempo, foi possível imaginar que o Brasil tivesse no “caminho para a prosperidade”. Mas, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. A pedra não foi fruto do acaso, mas moldada pelo PT e pelos demais partidos responsáveis pela inaudita corrupção que destruiu o Brasil e a civilidade dos brasileiros.

Agora, novamente nos oferecem O Caminho da Prosperidade, o plano de governo do candidato que lidera com margem ampla as pesquisas de intenção de voto. Eu li o plano de Bolsonaro, plano elaborado em power point, não em forma de documento com texto articulado e dados para substanciar propostas. Eis que logo na primeira página dei de cara com uma citação bíblica: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, João 8: 32. Trata-se da primeira vez que vejo a Bíblia citada em um plano de governo, o que não deixa de ser desconcertante. Mas, o que esperar de um candidato cujo mote da campanha é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”? Quem tem a primazia, o Brasil ou Deus? Pode parecer picuinha semântica, mas não é. Afinal, estamos escolhendo o governante do País, não o líder de uma seita ou igreja. Achei que tivéssemos nos libertado disso quando Lula foi afastado da política.

Na quarta página do programa, o cabeçalho exclama: Liberdade e Fraternidade! Contudo, de lado ficou a igualdade, que não parece ser bandeira de Bolsonaro. O plano diz que “qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não será admitida”, mas difícil é saber o que isso significa. O power point de Bolsonaro tem 81 páginas em que 11 são dedicadas a temas complexos como saúde e educação – nada há de conteúdo, de propostas. Lá para a metade do monte de páginas chega-se aos temas relativos à Economia. Há uma página dedicada à retomada do crescimento, repleta de clichês. Há uma página dedicada à estabilidade macroeconômica, repleta de clichês. Há uma página dedicada à redução dos ministérios sem esmiuçar como será feita a unificação da Fazenda, do Planejamento, e da indústria e do comércio cujas pautas são bastante complexas. Lembra o esforço inútil de Collor em criar o Ministério da Economia. Há duas páginas, com três parágrafos de aproximadamente cinco linhas, dedicada aos temas eficiência do Estado e controle dos gastos. Duas páginas, quinze linhas. Há uma página sobre juros da dívida e privatizações que contém a seguinte frase: “Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas”. Esse é todo o plano de privatizações de Bolsonaro, cuja frase é um tanto incompreensível.

Há uma página sobre a reforma da Previdência e outra sobre reforma tributária. A reforma tributária é um retalho de contradições. Fala-se em simplificar e unificar tributos, ao mesmo tempo em que se afirma a descentralização e a municipalização dos impostos. Fala-se em imposto de renda negativo “na direção de uma renda mínima universal”, sem explicar como isso será implantado ante as restrições fiscais que o País enfrenta. A parte sobre a Previdência é sofrível – em dois parágrafos menciona-se a migração para um sistema de capitalização, e ponto. Na mesma toada, o plano de Bolsonaro contém uma página sobre a legislação trabalhista, uma página sobre a abertura comercial, e uma página genérica sobre o aumento da produtividade. Esse é todo o “plano econômico” de Bolsonaro, resumido em parágrafos simplórios versando sobre temas extremamente complexos. Pitadas de “liberdade” ali, “liberalismo” acolá, e algumas menções do economista Milton Friedman são as migalhas que fizeram muitos acreditarem na miragem de que Bolsonaro tem, de fato, um caminho bem traçado para a prosperidade.

Se a sonhada ponte ruiu, corremos o imenso risco de que o caminho para substituí-la seja nada mais do que a estradinha de tijolos amarelos que leva ao Mágico de Oz, aquele que não é mágico, tampouco oráculo. Tudo acaba em tons de cinza, na melhor das hipóteses.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Marcio Torloni

  • Sete coisas que você não deve fazer no Windows – ou pode travar o PC

    Sete coisas que você não deve fazer no Windows – ou pode travar o PC

    Dicas para usuário iniciante ajuda a evitar bugs e travamentos no PC. Por Paulo Alves, para o TechTudo Existem algumas…

  • O risco de um novo mergulho da economia

    O risco de um novo mergulho da economia

    Por João Borges - G1 O resultado do PIB do primeiro trimestre confirmou a expectativa que se tinha de que a economia…

  • O capitalismo x O socialismo

    O capitalismo x O socialismo

    Havia um cavalheiro, carregando as coisas que havia comprado em um supermercado, quando um homem se aproximou dele…

  • É necessário manter o rumo no BNDES

    É necessário manter o rumo no BNDES

    EDITORIAL O GLOBO Troca no banco precisa preservar revisões de política, e uma delas é para reduzir o subsídio ao…

  • A caminho do brejo

    A caminho do brejo

    A sociedade dá de ombros, vencida pela inércia Cora Ronai - O GLOBO Um país não vai para o brejo de um momento para o…

  • A devassa do BNDES vai humilhar a quadrilha do Petrolão

    A devassa do BNDES vai humilhar a quadrilha do Petrolão

    Entre 2007 e 2015, o BNDES torrou, no financiamento de obras realizadas pela Odebrecht no Exterior, 8 bilhões e 400…

  • Adeus, 2016

    Adeus, 2016

    Terça-feira, 07/03/2017, às 10:11, por Thais Herédia Faltava apenas o resultado do PIB de 2016 para deixar o ano…

    1 comentário
  • Viva Temer

    Viva Temer

    Michel Temer é um dos presidentes mais impopulares de todos os tempos. Na economia, porém, ele fez tudo direito…

  • O ardil dos parentes

    O ardil dos parentes

    Editorial : Folha de São Paulo Embora pouquíssimos parlamentares tenham disposição para admitir o fato às claras, uma…

  • A corrida dos politicos em busca da impunidade

    A corrida dos politicos em busca da impunidade

    Os acordos de delação da Odebrecht levam políticos a tentar a anistia de crimes eleitorais a qualquer custo, e isso…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos