O canário na mina automotiva

O canário na mina automotiva

Paulo Guedes e o Congresso deveriam escutar atentamente e entender o recado por trás do barulho que o CEO da GM Mercosul está fazendo

Por Mark Essle, sócio responsável pela prática automotiva e de transportes da consultoria americana de gestão A.T. Kearney

Para se proteger dos efeitos da formação de gases nas minas subterrâneas, os antigos mineiros europeus levavam canários para dentro da mina. Ao menor sinal de gases tóxicos, em tempo dos mineiros se salvarem de explosões, os canários paravam de cantar. Em um paralelo com a realidade da indústria automobilística, o Congresso e o Ministro da Economia, Paulo Guedes, deveriam ouvir atentamente às recentes declarações de representantes do setor.

De fato, até pouco tempo atrás, esse "barulho" poderia ser entendido como mais um pedido de socorro de um industrial em busca de favores especiais. Mas quem conhece a indústria sabe que a realidade é outra. Então do que mesmo está falando o dirigente da GM Mercosul? Qual é realmente o tamanho do problema?

Olhando para dentro de casa, as plantas das montadoras no Brasil são competitivas com o mundo quando o que se compara é a produtividade (horas por veículo). Porém, o produto final não consegue ser exportado para além do Mercosul – ou competir localmente com um importado sem a barreira de 35% de imposto de importação. Isso quer dizer que o problema está na soma de encargos e na ineficiências da cadeia como um todo:

  1. Começa nos preços de matérias-primas e componentes, sobre os quais incide imposto de importação de até 14%, que elevam por tabela os preços locais 
  2. Some-se a isso os elevados custos de logística inbound e outbound (10% a 20%) acima do mercado internacional
  3. Mais os encargos sobre o custo de mão-de-obra, sua rigidez, as fraudes e a litigância que representam entre 10% e 15% de pênalti versus outros países
  4. Um custo de capital altíssimo (15% a18%) ao ano, comparado com um índice entre 3% e 5% praticado no mundo.
  5. Para terminar, temos ainda o conteúdo de impostos de 30% a 36% no valor de venda do veículo,

O que somado e ponderado pelo peso de cada componente acima no custo do veículo, tem impacto de mais de 40% de diferença no preço do veículo equivalente.

Assim, estarrecidas, estão dezenas de empresas multinacionais (montadoras e autopeças), que, mesmo depois de programas duríssimos de redução de todo tipo de custo durante a crise, ainda seguem sem previsão de lucros – e ainda mais distantes de um retorno adequado sobre o capital aplicado.

Em discurso fechado aos fornecedores, o CEO da GM formulou o que todos no setor já sabem, mas não tem coragem de dizer: o boom de investimentos dos últimos 8 anos foi uma irracionalidade coletiva que não está se sustentando. Os resultados financeiros divulgados por várias das montadoras presentes no Brasil mostram prejuízos de centenas de milhões de dólares. Suas matrizes enviaram, somente em 2018, US$15 bilhões, e não há lucratividade em vista para a grande maioria. Para onde mais podemos correr?

No Autoshow Internacional de Detroit, em janeiro último, o humor de muitos CEOs de grandes montadoras e autopeças era muito ruim quando se falava de Brasil, do aumento das vendas, do novo presidente etc. Lá também (bem como no CES, realizado no mesmo mês, em Las Vegas) estava exposta a mega transformação que se desenha no horizonte de 5 anos para a indústria automobilística: urbanização, uberização, carros elétricos e veículos autônomos vão mudar completamente o jogo do setor. Neste novo cenário, o indivíduo urbano não é mais proprietário de veículos e sim assinante de um serviço. Estamos diante da formação daquela onda gigante amedrontadora do filme “Perfect storm” e é similar em dimensão à transformação da indústria da música que assistimos nos últimos 15 anos. Os investimentos necessários para fazer esta mudança do carro a motor de combustão para um serviço autônomo elétrico são centenas de bilhões de reais que o negócio atual precisa gerar para pagar esta conta.

O Brasil é uma “localização” importante da indústria automobilística mundial. Como sociedade brasileira co-investimos nesta tese de investimento há décadas e de fato temos muita vocação para sermos competitivos e exportar carros para o mundo, um produto de alto valor agregado para o qual temos fartos recursos (aço, alumínio, borracha, resinas, energia, engenharia, etc).

A pergunta é: o que vamos fazer agora? Estamos numa encruzilhada. Ou reinventamos o setor fazendo-o competitivo mundialmente ou veremos a gradual agonia e morte de um dos maiores parques industriais de nosso País, que emprega (bem) mais de 500.000 famílias brasileiras. É um trabalho a ser feito a muitas mãos: montadoras, fornecedores, concessionários, Executivo, Legislativo, investidores e trabalhadores. Em 10 anos podemos ter nos tornado, do ponto de vista automotivo, uma Coreia do Sul ou uma Rússia/Austrália. Qual destino queremos para o Brasil?

Carlos Carraro

Técnico de Orçamentos - Vendas e Representações - Consultoria à Suprimentos

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Segundo pessoas que trabalham lá hoje a fábrica de São Caetano possui 6000 mil funcionários. Metade do que tinha a alguns anos e cerca de 1500 são haitianos e não recebem mais do que 2 mil reais.  Fonte: Anônima.

Anderson Bezerra de Lima

Consultor de Negócios | Sebrae-SP

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O Brasil precisa mudar o seu foco em termos de cadeia produtiva, a cadeia automobilística apesar de gerar milhares de empregos, já começa a dar sinais de não ser mais tão interessante para o Brasil, pois não emprega mais em massa e já não paga mais salários tão atrativos como foi no passado e pior vive extorquindo o estado por meio de incentivos fiscais. O país precisa inovar e buscar desenvolver cadeias atrativas e que atendam a nossa necessidade de geração de renda e riqueza, pois essa cadeia vai "sugar" o país e vai embora para Ásia e quem sabe África, que é um processo que já foi iniciado, nesse caso Ásia, depois que elas forem embora não adianta ficar tentando achar o culpado.

Joyce Ohswald

Dealership Network Development Sr. Supervisor | Hyundai Motor Brasil

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Elardino Godinho Jr. sobre nossas conversas!

Professor Jonas Guedes

Mentor na Formação Avançada em Alta Performance na Advocacia Previdenciária Militar

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Não é a primeira vez que a General Motors vem com este discurso e toda vez que teve incentivos fiscais quem lucrou foi somente a montadora pois o valor nunca foi repassado aos consumidores. O mesmo acontece com os combustíveis nas refinarias, etc, etc. Pegue as malas e vai para outro país emergente e nós sobreviveremos sem a gigante do setor automotivo.

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