O cristianismo deveria condenar a intolerância religiosa como condena o aborto e a homossexualidade
No último sábado (7), houve um acidente em um terreiro de umbanda perto da minha casa. A dirigente da casa, Denise Pinarelli, morreu queimada no local, enquanto outras quatro pessoas ficaram feridas e foram hospitalizadas.
O caso foi noticiado por alguns portais de notícia aqui da região e nas redes sociais. Ao abrirmos os comentários, amigos e familiares lamentaram a morte e ofereceram condolências, mas uma parte considerável foi apenas insultos à Denise pela sua prática religiosa.
Como umbandista, sequer vou entrar na discussão sobre o ritual que foi conduzido, já que, em situações como essa, não é de bom tom haver qualquer comentário que não seja de solidariedade e respeito.
No entanto, como comunicólogo, não posso deixar passar o show de intolerância religiosa cometido. Sendo assim, a partir daqui me dirijo especificamente para os cristãos brasileiros.
Denise era uma mulher que eu conhecia, irmã e cunhada dos donos da casa que eu frequento. Ela sofreu uma fatalidade durante seu exercício religioso, e cristãos se sentem confortáveis em comemorar e difamar uma pessoa morta pela crença que religiões de matriz africana são demoníacas e merecem ser criminalizadas.
Nesses momentos, aparece gente de todo lugar alegando que “não podemos generalizar”, pois essas pessoas “não são cristãs de verdade”. Ao mesmo tempo, os supostos não-cristãos seguem propagando ódio contra as religiões afro-brasileiras, enquanto os “verdadeiros cristãos” apenas lamentam em silêncio.
Já passou da hora de o cristianismo moderno assumir o filho feio que pariu. Esse discurso do que é ou não cristão de verdade não serve de nada, não enquanto a raiz desse comportamento está dentro dos seus rituais.
Quando essas pessoas zombam da morte de alguém umbandista, não são cristãs de verdade, mas quando elas sobem no altar das suas igrejas e pregam que católicos e evangélicos não podem toleram esses tais ritos demoníacos, são aplaudidas por vocês enquanto louvam a deus.
Eu tive a maior parte da minha vida dentro da igreja católica, e falo com tranquilidade que jamais vi, depois de uma pregação extremista dentro da igreja e de retiros, os organizadores e fieis desmentirem a pregação fanática e nos orientar a ter respeito pela diversidade não-cristã.
E a partir do momento em que grupos progressistas nascem do cristianismo, lutam dentro da sua comunidade para propagar o respeito e a caridade, são massacrados por boa parte do púlpito e acusados de serem falsos cristãos.
Isso ocorre quando o Papa Francisco, líder máximo da Igreja Católica, faz afirmações humanitárias contra a discriminação feita por cristãos. Da mesma forma, o trabalho excepcional do Padre Júlio Lancellotti segue ameaçado dia após dia por não se render ao ódio intrínseco que é ensinado nas igrejas católicas e evangélicas.
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Não foram falsos cristãos que proferiram ódio contra Denise, foram apenas cristãos. Muitos desenvolveram esse pensamento dentro das igrejas, ensinados por padres, pastores e pregadores com o aval da instituição que não se preocupou em coibir essa prática. Não há o que suavizar nem relativizar.
Afinal, se esses criminosos não representam o evangelho, então rapidamente os verdadeiros cristãos se posicionariam contra isso, e os tais seriam repreendidos em suas igrejas, certo?
Sinto em dizer, mas isso não acontece tanto quanto deveria.
Quando a pauta é aborto ou homossexualidade, o cristianismo em peso expressa seus valores pública e politicamente. Mas quando se trata da intolerância cristã, o ativismo dessa classe desaparece.
Inserindo seu pessoal nos espaços democráticos, fundamentalistas cristãos impedem que qualquer política pública contrária à sua crença seja levada em conta, ainda que seja o melhor para a população. E que o Estado Brasileiro seja laico pela Constituição.
Mas quando dizemos que esses fundamentalistas são criados dentro dos seus espaços, estamos generalizando. Ao mesmo tempo, quando algum de nós morre no exercício da fé, automaticamente todos nós somos depravados.
Se você vê essa cultura acontecer dentro da sua igreja e se ausenta, ou incentiva, você é cúmplice dos crimes cometidos em nome do suposto deus cristão. Porque o cristianismo é a religião hegemônica da sociedade ocidental desde a Idade Média, não cabe aqui o discurso de oprimido, não quando a sua religião é a grande opressora.
A cultura cristã faz com que conselheiros tutelares tirem crianças das suas famílias por serem iniciadas no candomblé. Faz com que terreiros de umbanda sejam invadidos e destruídos por causa de uma “Guerra Santa”.
Se crianças não podem frequentar templos de matriz africana pelos supostos riscos que as nossas religiões causam, então podemos impedir que as crianças sejam iniciadas em ritos católicos e evangélicos. Afinal, boa parte dos casos de abuso sexual contra menores de idade acontecem dentro das igrejas e de famílias tradicionais.
Não basta tentar sufocar nossa revolta com palavras vazias, comecem a cobrar e punir os cristãos que cometem tais atrocidades com o aval das suas instituições. Sejam terrivelmente contra a intolerância religiosa da mesma forma que condenam o aborto e a homossexualidade, para que esse comportamento não se crie em seus meios.
Para todos os cristãos que se dedicaram a educar os seus nos comentários da notícia, pedindo respeito: que nosso deus Olorum os proteja e os abençoe. Que os grupos cristãos progressistas encontrem forças e sucesso nessa luta para seguir os ensinamentos de Cristo.
Que Denise seja recebida nos braços de nosso pai Oxalá, e a todos que ofenderam sua memória nas redes sociais, saibam que o seu livrinho mágico não está acima da Constituição.
Um abraço, e a gente se lê por aí.
Redatora || Revisora || Ghostwriter || Preparação de Textos
1 aO problema não é a religião em si é o mai uso feito dela por pessoas inescrupulosas. Lamento muito pela sua perda. Chegara um dia em que havera respeito e o racismo religioso nào existira mais. Ca entre nós as diferentes religioes deveriam ser ensinadas na escola.