O DIA QUE DESPEDI UM CLIENTE

O DIA QUE DESPEDI UM CLIENTE

Um dos maiores medos do empreendedor é perder clientes. E comigo não é diferente.

Só que por volta de 2015, quando a minha empresa estava prestes a completar cinco anos, eu decidi… despedir um cliente. 

Pois é, não foi inteligente, nem estratégico, muito menos planejado. Foi, no entanto, sincero. Te conto.

— Você tem cinco minutos, Lucas? — do outro lado do telefone, o cliente falou de forma gentil.

Com meu filho pequeno no colo, avisei sem muita empolgação:

— Claro, como te ajudo?

— Sobre o e-mail que você mandou, queria entender o que aconteceu. Ter a oportunidade da gente tirar isso a limpo, sabe?

Eu sabia bem o que tinha acontecido: semanas antes, uma sucessão de cobranças tinham me tirado a paciência a ponto de simplesmente escrever um e-mail: “Acredito que chegou a hora de seguirmos em direções diferentes”. Como blefe propositalmente nunca fez parte da minha suíte de habilidades, essa mensagem era uma carta de término de alguém (inocente e até ingênuo) magoado.

— Eu não sei se o problema sou eu ou você, mas não importa agora — a voz dele ainda continuava num tom brando, diferente da última vez que havíamos conversado.

— Sabe — comecei a responder após um longo suspiro — eu acho que parcerias tem ciclos, e talvez o nosso tenha se encerrado.

— Nós gostamos tanto de trabalhar com vocês, — o cliente rebateu de forma imediata e sincera — tenho certeza que vamos conseguir encontrar uma solução juntos.

E, de fato, encontramos. A jornada dessa reconciliação é pouco usual porque geralmente entende-se que é a empresa provedora de serviços que precisa do cliente. Mas quem está em qualquer um dos lados da mesa deve saber que isso não é necessariamente verdade —principalmente se o que está em jogo não é o ego. Uma parceria é tão benéfica para quem contrata quanto para quem é contratado quando ambos desejam seguir pelo mesmo caminho e construir.

Na semana anterior a esse telefonema, tinha ido me encontrar com a minha madrinha de mercado, uma pessoa com décadas de experiência e responsável por ter me indicado para os primeiros clientes da minha empresa —  inclusive esse que acabara de finalizar a relação.

Talvez não por acaso essa pessoa compartilha o mesmo nome da minha mãe e de uma flor conhecida por ser linda e espinhosa. Uma definição rasa, mas eficiente para descrever um pouco da sua forte personalidade e imenso coração.

Contei que estava cansado da falta de compreensão e cobranças, no meu ver, descabidas desse cliente. Era como se tivesse prestando contas a alguém a quem devia explicações. 

— Lucas, você ficou maluco?! — ela rebateu imediatamente após eu contar minha decisão. Para minha sorte, o que faltava de estatura sobrava de coragem e sinceridade. Você vai esfriar essa cabeça e conversar com ele, e isso não é uma opção. 

Não foi um conselho, foi uma ordem. Melhor: uma bronca. E das merecidas. Coincidentemente, ou não, recebi o telefone do cliente alguns dias depois. Talvez não tenha sido o único a tomar uma dura.

Hoje, tenho claro a complexidade e necessidade de expormos nossos interesses além das posições durante as negociações. E essa consciência certamente teria me ajudado a direcionar o problema separando minha insegurança da situação, encontrando uma forma racional que atendesse também às minhas necessidades emocionais.

— Acho que podemos sim encontrar uma solução, juntos. — finalmente tomei coragem de colocar essas palavras para fora no telefone.

— Me diz o que podemos fazer para melhorar essa relação, o que podemos ajustar — do outro lado a vontade em construir era muito maior que a vaidade de um profissional já com enorme experiência corporativa. 

Sentamos, dividimos as insatisfações, atuamos racionalmente sem deixar de expor onde nossas emoções estavam. Alinhamos expectativas, reforçamos combinados e resgatamos o relacionamento.

Quase dez anos depois desse fatídico telefonema, celebro o décimo primeiro ano seguido de contrato com esse cliente e sua empresa. 

Mais do que uma parceria de negócios de inúmeros casos de sucesso, o que construímos foi uma relação de confiança. E a experiência com esse cliente, do qual hoje cultivo imensa admiração e gratidão, me ajudou a formar o caráter de negócios que garantiu tantas outras parcerias tão duradouras quanto. 

Parcerias como o cliente que, quando começamos a trabalhar, toda a equipe dele e minha cabiam numa mesa de bar. Ou daquela que há mais de uma década apresenta clientes que permanecem anos junto com a gente. Ou da cliente da qual tivemos a sorte de encontrar em três empresas diferentes, reforçando uma relação de extrema confiança. Ou daquela que conhecemos em meio a uma crise e criamos laços passando juntos por momentos difíceis. Ou aquele que namoramos por anos e, com a real expectativa de fazer algo transformador, esperamos a hora certa para colocar o anel. São muitas as histórias  — e pessoas  — que me trazem felicidade em estar nesse mercado há tantos anos.

Claro que, no meio do caminho, outros clientes que eu também tinha imenso carinho decidiram encerrar seus ciclos. Alguns de forma sincera, outros receosos em expor os reais motivos por alguma insegurança — eu entendo, também já o fiz. 

Perder um cliente sem dúvidas é um desafio para mim e para qualquer empreendedor. Mas com o tempo, aprendi a ressignificar a ansiedade da incerteza a partir da confiança. Assim como uma amizade ou relacionamento, é importante entender que às vezes não temos para dar o que o outro lado gostaria de receber. Ainda que acordos sejam celebrados entre empresas, negociações são feitas por pessoas — e por isso confio tanto nos valores.

No mês em que a empresa que fundei completa 13 anos, não tenho a menor dúvida que o ativo mais poderoso que posso oferecer é minha credibilidade. Ela é pautada nos meus valores, que são inegociáveis, e na experiência acumulada de quem, após o telefonema de reconciliação, aprendeu que cultivar relacionamentos verdadeiros vale mais do que qualquer contrato.

Luciano Andrade

Senior Consultant @ Enlight Inteligência | Marketing Strategy Development

1 m

Lucas Patricio 🎮 outro relato muito sincero e construtivo. Fico muito orgulhoso em ver como você cresceu como profissional desde que nos conhecemos lá em idos de 2008... E como sempre, um texto impecável, que sempre foi seu forte. Abraços!

Claudio Prandoni

PR Account Manager na Theogames | Video Games Specialist para Brasil e América Latina

2 m

Seus relatos são sempre divertidos e engenhosos e a sinceridade desse aqui dá ainda mais força para a lição - inclusive, justamente no Dia dos Professores! Parabéns e obrigado por dividir, Luck, são sempre histórias muito ricas!

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