O ELO PERDIDO ENTRE A GOVERNANÇA CORPORATIVA E OS PROJETOS: RISCOS E OPORTUNIDADES NAS ORGANIZAÇÕES

O ELO PERDIDO ENTRE A GOVERNANÇA CORPORATIVA E OS PROJETOS: RISCOS E OPORTUNIDADES NAS ORGANIZAÇÕES

Por:

Paulo Sergio Scoleze Ferrer, Coordenador dos Programas de MBA de Avaliação Econômica & Gestão Estratégica de Projetos; Projetos de Infraestrutura; e MBA de Governança Corporativa, Governança de Riscos & Compliance; na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE.

Graziela Darla Araújo Galvão, Profa. dos Programas de MBA de Avaliação Econômica & Gestão Estratégica de Projetos; Projetos de Infraestrutura; e MBA de Governança Corporativa, Governança de Riscos & Compliance; na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE.

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Não mais se questiona a relevância das boas práticas de governança corporativa. Suportada pelos pilares da transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa, pode-se resumir a governança como uma função supervisora que visa a maximização do lucro da organização e, portanto, a proteção dos interesses dos investidores e de outros que possam ser afetados pelos respingos, “marolinhas” ou tsunamis causados por um eventual fracasso corporativo.

Por esta perspectiva de maximização dos resultados, a governança corporativa visa balizar as decisões no âmbito organizacional, de forma a criar ou proteger valor. Mediante as oportunidades que se apresentam, espera-se que o agente com a prerrogativa da decisão o faça de forma alinhada à estratégia corporativa, portanto, agregando valor ao negócio. E ao se deparar com os riscos e incertezas do negócio, espera-se que este agente permaneça atento e fiel às políticas organizacionais, protegendo o valor da organização.

Em um primeiro olhar, a ideia da governança corporativa pode até não parecer tão inédita, à medida que a busca por resultados positivos é o que se espera de qualquer organização com fins lucrativos. A “novidade”, aqui, passa pelo reconhecimento da amplitude da necessidade de controle, ao se ponderar que as decisões podem eventualmente implicar em consequências com um alcance muito além das fronteiras corporativas, elevando o senso de responsabilidade que a organização deve avocar, para dimensões afora da proteção dos seus acionistas. A ideia da organização como uma “caixa preta”, há muito não atende aos anseios e necessidades da sociedade, como concluíram Jensen e Meckling ainda nos anos 70, dois dos maiores expoentes dos estudos de base da governança corporativa, especificamente da Teoria de Agência.

De fato, as consequências à sociedade podem emergir das mais variadas formas, tal qual duramente percebido pelo município de Três Lagoas (MS), que de um dia para o outro ao final de 2014, assistiu a Petrobrás, sem recursos, ser obrigada a abandonar o Projeto UFN3, já profundamente enraizado à economia local, na esteira de destruição do maior escândalo de corrupção da história brasileira. Ou ainda como uma infeliz decisão na plataforma Deepwater Horizon da BP no Golfo do México, em 2010, provocou o maior desastre ambiental da história. Pode-se incluir na lista o emblemático caso de falência da multibilionária Enron em 2001, arrastando consigo a credibilidade e viabilidade operacional da Arthur Andersen, em um caso tão inacreditável e dramático, que viria a se tornar o principal motivador do Ato Sarbanes-Oxley (SOX) nos EUA; ou ainda o colapso do Lehman Brothers em 2008, deflagrando a maior crise financeira mundial, desde 1929. Todos estes casos resguardam dois relevantes aspectos em comum: em primeiro lugar, os danos colaterais foram bem mais sérios do que propriamente aqueles sentidos pelas organizações que os causaram e, em segundo, todas estas empresas tinham estruturas de governança corporativa em vigor.

Ainda que a contextualização e proposta da governança corporativa possa ser resumida com certa simplicidade, a prática, todavia, esconde proporções muito mais enredadas. A OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne 34 países membros (sem que o Brasil esteja entre estes), alerta ao fato de não ser razoável se supor um sistema de governança corporativa que seja infalível. Os elementos não tangíveis da estrutura organizacional, tais quais os relacionados à cultura e complexidade da natureza humana, tornam utópica a ideia de um controle totalmente compreensivo e efetivo. Isso explica-se à medida que nos aprofundamos na teoria do processo decisório, a qual revela que nem todos os seus componentes podem ser devidamente abarcados pelos mecanismos protetivos da governança.

Tal qual preconizado pela Teoria de Agência, ao decidir, o ser humano é influenciado por diversos fatores, entre cognitivos e motivacionais, que tendem a conduzi-lo à escolha que lhe seja mais conveniente, em detrimento da que mais interessa à organização, mesmo que de forma não dolosa. Diversos estudos científicos apontam para estes “ruídos” originados em questões culturais, funcionais, psicológicas ou motivacionais, delineando um emaranhado de vieses que impactam na forma como o indivíduo enxerga e interpreta a realidade, e como isso se reflete nas suas decisões e ações no ambiente corporativo.

Ocorre que, por vezes, estes vieses comportamentais tracejam roteiros mais sombrios, não necessariamente pautados por valores éticos. Nos anos 50, Donald Cressey, famoso criminologista americano, divulgou um trabalho que viria a mudar os rumos do estudo da fraude corporativa. Ao pesquisar sobre práticas ilícitas descobertas em empresas, concluiu que a fraude era cometida pelo indivíduo “comum”, com muitos anos de empresa e sem que nada o desabonasse até aquele momento. Em estudo similar conduzido pelo Estado de Utah, nos EUA, constatou-se que apenas 10% das pessoas seriam totalmente incorruptíveis, 80% poderiam cometer algum ato ilícito, caso as condições se apresentassem (desde delitos de menor relevância, como se apossar de pequenos objetos de escritório) e os 10% restantes, incluiriam as pessoas que buscariam premeditada e deliberadamente aquelas posições nas quais pudessem por em prática o ato fraudulento: este último, seria o funcionário predador. Os números certamente assustam e causam enorme desconforto a qualquer leitor.

Um dos grandes problemas acerca destes desvios comportamentais é que nem sempre são tão fáceis de serem identificados, à medida que buscam abrigo no arcabouço da subjetividade do julgamento humano. A escolha de um fornecedor, por exemplo, pode envolver aspectos não tão objetivos, capazes de justificar uma decisão que fora motivada conscientemente por interesses pessoais. Em resposta a essas ameaças, as organizações desenvolvem os sistemas de controles internos para minimizar as chances de desalinhamento dos comportamentos aos preceitos da boa governança, como a implementação de um sistema de avaliação de fornecedores, com variáveis padronizadas e comparáveis. Ao criar balizas aos diversos processos, a organização torna mais difícil, ainda que possível, os desvios de conduta. Mas como avaliar quando as atividades não são rotineiras?

O PMI (Project Management Institute) define projeto como um empreendimento para criar um produto, serviço ou resultado único, com início e fim pré-estabelecidos. Ou seja, diferem de forma diagonalmente oposta aos processos, à medida que não compreendem o caráter cíclico, similar ou rotineiro. Muito pelo contrário, os projetos dizem respeito à criação do inédito (algo que ainda não foi feito antes, pelo menos não nas exatas condições dos anteriores) e, consequentemente, imbuídos de maior carga de riscos e incertezas. Em uma simples inferência, se o controle do ambiente conhecido e rotineiro dos processos já é tido como um considerável desafio para as organizações, como controlar o ambiente dinâmico, incerto e de mudanças típico dos projetos? E, mesmo que seja possível, o quanto vale a pena “engessar” os procedimentos em projetos, considerando-se que a criatividade e flexibilidade podem ser altamente benéficos ao seu propósito, justamente de lidar com o novo?

A solução para estes dilema encontra esperança em uma linha de pesquisa específica sobre a governança de projetos, uma função de supervisão que busca o alinhamento à governança corporativa, porém em acordo com a natureza dos projetos. Apesar de alguns avanços promissores, estes estudos ainda são considerados insipientes até pela própria academia, parecendo ainda concentrarem-se na prestação de contas dos resultados auferidos ao final de atividades ou do próprio projeto, em detrimento do efetivo acompanhamento de como este resultado se constrói. O problema é que esta abordagem post factum não atenderia ao caráter de proteção de valor inserido na proposta de maximização de resultados, portanto, da própria governança.

Como exemplo, o projeto da aquisição da refinaria de Pasadena parecia reunir argumentos bastante razoáveis do ponto de vista de negócio, sugerindo aderência aos planos de expansão internacional da Petrobrás. Todavia, há indícios significativos de que a forma como fora executado, não teria sido nem de longe a mais adequada. Como resultado, aos acionistas apenas restou descobrir e amargar os prejuízos ao final do projeto. E, à sociedade brasileira, um legado mais traumático e persistente, com perdas em várias frentes, inclusive de credibilidade.

Tal qual justificado na aquisição da refinaria de Pasadena, projetos são reconhecidos pelo valor estratégico para as organizações. O desenvolvimento de novos produtos ou serviços, mudanças organizacionais, criação ou redesenho de processos, fusões e aquisições, ou mesmo o estabelecimento de uma nova estratégia corporativa, são exemplos de projetos que geram diferencial competitivo. Por esta perspectiva, ao se iniciar um projeto espera-se que este não tenha como único objetivo a entrega do objeto dentro do prazo e do orçamento estabelecidos, mas que crie efetivamente o valor estratégico esperado pela organização. Apesar de parecer uma observação bastante óbvia, a realidade parece contar uma história com final bem diferente.

Ao se iniciar o projeto, os objetivos podem ser bastante claros e alinhados à estratégia e, portanto, à governança corporativa. Mas a prática – e com sustentação de algumas pesquisas acadêmicas – sugere que os projetos, também chamados de “organizações temporárias”, tendem a adquirir certa independência da organização permanente (empresa). Paulatina e gradativamente, o projeto parece se afastar dos objetivos corporativos, passando a focar nos seus próprios objetivos e metas, esquecendo-se da amplitude de interesses da organização que o abarca, inclusive daqueles que justificaram a sua viabilidade. Essa miopia torna-se mais relevante quando o cenário externo muda. Se a percepção da mudança não permear a organização o suficiente para que alcance os projetos em tempo hábil, os efeitos podem ser bastante expressivos. Até mesmo catastróficos.

Aaron Shenhar, um dos principais autores em Gestão de Projetos nas duas últimas décadas, descreve o curioso caso da Motorola que, em 2005, iniciou o projeto de seu smartphone Q Phone, de maneira a acompanhar as expectativas do mercado. O projeto teria sido considerado “bem sucedido” em termos de métricas de gestão de projetos, com o aparelho devidamente disponibilizado ao mercado em 2007. Entretanto, a Apple, que já alardeava há algum tempo sobre as características inovadoras do seu Iphone, o lançou no mesmo período e rapidamente se apresentando como a opção mais atraente para o consumidor. Apesar do mercado acenar claramente com as novas tendências, o projeto do Q Phone teria se mantido fiel às premissas iniciais, mas já defasadas dos anseios de um mercado extremamente dinâmico, levando a um produto que apenas fez agravar a situação da Motorola, que assistiu a sua divisão de celulares registrar um prejuízo de US$ 1,2 bilhão em 2008. O Motorola Q Phone foi entregue ao mercado conforme o plano do projeto, mas os resultados para a organização, nunca chegaram.

Um olhar atento nas organizações revela que não faltam exemplos como estes acima, sugerindo um “elo perdido” entre a governança corporativa e o gerenciamento de projetos. Ainda que o mercado disponibilize uma ampla gama de ferramentas e técnicas de gerenciamento de projetos, a integração consistente das práticas com o nível estratégico ainda parece ser um desafio a ser superado. E enquanto os mecanismos de governança não alcançarem eficientemente os projetos, a melhor saída para as organizações ainda é agir paralelamente aos seus sistemas de controles, investindo na formação de uma cultura de ética e trazendo uma perspectiva estratégica para os seus colaboradores, tanto por meio de conscientização, quanto pela formação executiva em gerenciamento de projetos, respectivamente para a proteção contra a ameaça permanente das fraudes corporativas, bem como a geração de valor a partir das oportunidades que surgem.

Graziela Galvão

Coordenado de Curso na FIPE. Pós-doc e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Professora de MBA na Vanzolini. Consultora na Omnicomm. Sustentabilidade; Economia circular; Gestão de Projetos Sustentáveis.

8 a

Excelente artigo! Recomendo.

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