O eterno retorno

O eterno retorno

O longo ciclo positivo de ações que se iniciou nos Estados Unidos em meados de 1988, logo após o grande crash de outubro de 1987, levou o S&P500 a quintuplicar entre o início do período e os 20 anos que se encerram em 2008, ano em que repetiu o pico do ano 2000 (primeiro pico de 1500 seguido pelo crash das dot.com). Coincidentemente, o ciclo de alta que se iniciou em março de 2009 e completou 10 anos este ano, também levou o principal índice do mercado americano a mais do que quadruplicar no período. Mais curto que o ciclo das dot.com e do boom imobiliário (produtor de duas bolhas), este ciclo levou os valuations das empresas a patamares superiores aos dos dois períodos anteriores, em uma época que conta com taxa de juro real bem mais baixa e com um crescimento econômico menor.

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O Brasil viveu em 2007 um ciclo muito parecido com o que estamos vivendo em 2019. Naquela época, também passamos por um longo período de corte de juros, iniciado em 2005, e que levou a Selic de 18.5%a.a. para 11.25%a.a.. Atualmente, apesar de vivermos uma circunstância econômica bem pior, a taxa caiu de 14.25%a.a. em 2015 para 4,5% a.a.. Lembramos que a inflação em 2007 foi de 4.45%a.a., portanto no centro da meta, e em 2019 está cerca de 1% menor, implicando um juro real bem mais baixo. Porém, o crescimento econômico naquele distante ano foi de 5% acelerando para 6% em 2008 em comparação aos atuais 1,12% e os 2,25% esperados para 2020. A diferença de 4% no crescimento do PIB explica em grande parte a diferença de 5% no juro real.  

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A festa na Bolsa que se produziu em 2007 foi mais sólida do que em 2019, uma vez que estava ancorada em crescimento robusto, redução de desemprego para um dígito e situação externa bastante favorável, com a China indo de vento em popa e o preço das commodities explodindo. Assim, o índice Bovespa subiu 50% naquele ano o que se compara a uma alta de 28,1% neste ano até a data em que este relatório foi escrito.

A tendência continuou em 2008, com um ganho adicional de 20% alcançando o pico de 73000 pts, atingido em maio, após o país receber o investment grade e as commodities atingirem seu valor máximo. O Banco Central teve que voltar a subir os juros, de 11.25%a.a. para 12.25%a.a., pois a inflação acelerou (fechou 2008 em quase 6%), movimento que foi revertido pela grande crise de setembro daquele ano que fez com que o índice Bovespa perdesse quase metade do seu valor.

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O que nos aguarda em 2020 tem boas probabilidades de repetir 2008...

Em primeiro lugar, a situação externa tem grande chance, apesar dos esforços dos Bancos Centrais, de mostrar exaustão do ciclo de alta. Se acaba em bang ou crash é difícil definir, mas há uma mistura de características de 2000 (crash de tecnologia) e 2008 (bolhas em todos ativos, endividamento recorde, valuations esticados em tech e non-tech, crise do repo market, limites de liquidez dos BCs atingidas, vix baixo, acomodação dos players) que pode conduzir a uma forte correção nos Estados Unidos e outros lugares, inclusive a uma desaceleração importante na China.

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Em segundo lugar, o grosso do trabalho do BC brasileiro já foi feito e a combinação de recuperação cíclica, Real fraco, margens apertadas pode surpreender do lado inflacionário, levando a uma reversão inesperada na curva de juros, como em 2008. Isso terá um efeito imediato sobre ativos financeiros que, quando acoplado a uma situação externa mais complicada, pode levar a um recuo importante de expectativas.

Em terceiro lugar, a política que ao menos permitiu a reforma da previdência em 2019 pode jogar contra em 2020, com a falta de articulação política do governo, eleições municipais e certo desgaste do espírito reformista com a economia dando sinais de melhora. A famosa janela de oportunidade vai ser bem mais estreita. Isso não impede privatizações e concessões pontuais, além de uma reforma tributária diluída. 

Isso nos faz considerar a probabilidade não desprezível de um cenário nebuloso para 2020. Não é nosso objetivo nos estender sobre as complicações internas da China, as complexas eleições americanas, a falta de coordenação da Europa ou o avanço global do populismo. O foco deste artigo é a comparação entre 2008 e 2020 podendo haver similaridades independente da dimensão da crise. 

O fato é que o otimismo que se mostra em relação a 2020 pode não ser tão forte como esperado por alguns analistas, que estimam Bolsa acima de 150 mil pontos. De certo, o crescimento econômico do último trimestre, que levou à revisão dos crescimentos do PIB para 2019 e 2020 corrobora uma melhora marginal nas expectativas.

Mas uma crise mais forte no exterior, o efeito inflacionário do câmbio e do aumento da atividade e o fim do corte nas taxas de juros no Brasil e Estados Unidos, acompanhado ou não de crise política com as eleições municipais e a eleição americana, coloca, pelo menos em nossa visão, uma dúvida sobre a continuidade da alta e torna mais importante stock picking vs aposta direcional.

Roberto Nemr

Catarina Pedrosa



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