O exercício da solitude em tempos de crise
O atual isolamento social adotado no combate à pandemia do novo coronavírus é um fator importante que nos auxilia a mudar hábitos e interpretar a relação do ser humano consigo.
Temos uma oportunidade ímpar de adotar – ou retomar – o processo de autoconhecimento e o exercício da tolerância. Há pessoas que talvez estejam melhorando no isolamento. E há pessoas que isoladas terão os melhores dias da sua vida, mas não dirão isso, porque é feio dizer, mas é um momento interessante fazer exatamente o 'torna-te quem tu és'"
Em seu livro "O Dilema do Porco-Espinho", o historiador Leandro Karnal reflete sobre os efeitos da solidão na saúde física e mental das pessoas e como podemos transformá-la em um fator positivo. Leandro Karnal se inspirou em uma curiosa história de solidão contada pelo filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860), que em julho de 1804, quando tinha 16 anos, participou de uma expedição de montanhismo. Ao chegar ao topo do Monte Schneekoppe, na fronteira entre a Polônia e a República Tcheca, avistou porcos-espinhos tentando se aquecer do frio. Para se manterem quentinhos, os simpáticos roedores procuravam aconchego uns nos outros. Mas, assim que se aproximavam demais, feriam-se com seus pelos pontiagudos e, após um grunhido de dor, saíam de perto uns dos outros.
Esta imagem nunca mais saiu da cabeça de Schopenhauer, tanto que em 1851, chegou a descrevê-la no seu último livro “Parerga e Paralipomena”. Tudo leva a crer que somos uma espécie de porco-espinho, quando solitários, somos livres, porém passamos frio. A dois ou em grupo, as diferenças causam dores. Portanto, é salutar achar uma distância segura, que traga o calor e evite o ataque.
Cabe aqui especular se a resposta para o dilema de Schopenhauer não estaria no mundo virtual. Atualmente é muito mais fácil estar sozinho e sentir-se acompanhado, devendo, no entanto, fazer disso uma oportunidade de crescimento, utilizando a internet como alavanca de transformação. A cada crise podemos sair um pouco fortalecidos, como osso fraturado se torna um pouco mais sólido depois de quebrado, como cada doença nos torna mais resistentes a ela, ou será apenas uma chatice permanecer isolado em casa.
É importante lembrar que a solidão não é sinônimo de estar sozinho e que companhia não se funde com a ideia de estar acompanhado. Solidão também não é negativa ou positiva em si. Neste sentido, de todos os antídotos contra a solidão, a leitura é um dos mais criativos. De fato, a Literatura é a história da solidão, afinal o ato de ler é, em si, solitário, mas também uma chave de autoconhecimento que nos permite criar o outro em nós mesmos.
Nas palavras de guru indiano Osho (1931-1990), líder do movimento Rajneesh, “Solidão é quando você está sentindo falta do outro. Solitude é quando você está encontrando a si mesmo”. Assim, para que a solidão seja positiva, há uma condição essencial: ainda que isolado das pessoas, manter-se em contato consigo, exercitando a transformação da solidão em solitude. Isto é, isolamento e reflexão resultante da oportunidade que surge em estar consigo. Na dose certa, a solitude torna-se um lado bom da solidão, produtiva e essencial.