O feminino e o corpo
“ Caminhar em equilíbrio, em harmonia e de um modo sagrado requer permanecer no corpo, aceitando seus desconfortos, suas deteriorações, seus desalinhamentos e florescimentos, respeitando-os.” Paula Gunn Allen
Desenvolvendo um conjunto de significados partilhados que regulam as relações grupais, o ser humano se destaca da natureza e inventa um mundo cultural. A emergência da cultura está diretamente relacionada com o surgimento da capacidade simbólica. Como seres dotados da capacidade de abstração, temos uma dimensão mental, responsável pela nossa auto-consciência e auto-percepção.
Contudo, como seres biológicos, temos um corpo físico, que nos remete à nossa condição material. Este corpo está conectado com um campo energético-emocional que processa nossas experiências e que nos possibilita entrar em contato não apenas com nossos semelhantes, mas com todos os seres do universo.
Valorizando o pensar acima do sentir, enfatizando a mente definida como masculina em oposição ao corpo definido como feminino, nossa civilização apolínea instaurou uma dicotomia que desqualifica a mulher como pessoa humana.
A ênfase no mental trouxe uma desconexão com o campo energético-emocional acessível através das funções sensíveis do corpo físico, funções estas classificadas de irracionais pelas teorias psicológicas, trazendo como conseqüência nossa dissociação dos demais reinos vivos do planeta.
Assim, a linearidade do pensar cartesiano nos interdita o acesso ao viver que é sempre cíclico, circularidade que é exemplificada no ciclo da lua que nos fala da mudança, no ciclo do sol que nos proporciona as estações, no ciclo da vida que nos ensina aceitação. A vida é uma grande roda que gira lenta e eternamente, assim como o fazem nossa respiração e circulação sanguínea.
Para recuperar nossa plena habilidade senso-perceptiva, precisamos resgatar nossa relação com o corpo sensível. Isto requer dissolver as camadas protetoras de valores e crenças que distorcem nossa visão da realidade, depositadas sobre nossos órgãos da percepção pela dificuldade de lidar com situações ameaçadoras. Como na história das ‘roupas do rei’, é recuperar a capacidade de perceber que o ‘rei está nu’. Este rei que, de fato, é a nossa própria instância mental – o famigerado ego freudiano.
Recuperar nossa sensibilidade perceptiva é trazer à tona ‘a rainha vestida de céu e de estrelas’ que foi relegada aos mundos profundos pelo processo histórico racional. É valorizar e honrar nossa percepção acima das máscaras que construímos ao longo dos últimos milênios de história. Assim poderemos recuperar não apenas nossa relação conosco e com nossos semelhantes, mas com todos os demais seres e dimensões do universo.