O folgado inteligente e o burro esforçado
Na escola tinha aquele sujeito irritante que tirava boas notas sem se matar de estudar. E o outro que ralava sábado e domingo enquanto o folgado curtia a piscina. Mais tarde percebi que esse tipo, o folgado que se dá bem, está em todo lugar. Percebi também que eles despertam antagonismos e fazem aflorar uma espécie de senso de justiça genial por onde passam. Afinal, não pode ser justo que alguém tenha mais paparicos e ganhe mais trabalhando menos. O sujeito chega atrasado e não é punido, invade as salas sem pedir licença e nem se dá ao trabalho de inventar a morte de alguém para sair mais cedo na sexta-feira. É um folgado. Sob todos os aspectos é um folgado. Mas o folgado sobre o qual estamos falando tem uma outra característica: ele entrega. Entrega tanto que se faz imprescindível e, mais do que tolerável, acaba sendo querido. Em vez de folgado, começa a ser visto como crativo, irreverente, diferente…
O problema é que não fomos educados para lidar com essas criaturas. Nos contaram uma lorota, a de que as chances são iguais para todos e que tudo é possível com trabalho duro e da dedicação. Acontece que no mundo real a genialidade é distribuída de forma aleatória e poucos, pouquíssimos, são os premiados. Gente inteligente de verdade é capaz de fazer 1.000 gols, e outras coisas que vão muito além da média das capacidades humanas. E parece que muitos nascem assim. Mozart e Pelé eram gênios desde criancinhas. Não tem competição com eles. De modo geral, são os que ganham mais e mandam mais. Para eles, as montanhas parecem menos inclinadas.
Então alguém vai dizer que esse papo de gente privilegiada é bobagem porque as pessoas, inteligentes ou não, só realizam seu potencial com muito trabalho duro. Diz a lenda que o Pelé chegava antes para o treino e ia embora depois, mesmo sendo gênio. Isso pode ser um consolo, mas o fato é que a maior parte das pessoas pode se dedicar a horas e horas de treinamento e jamais vai se qualificar nem mesmo para beque do Bragantino. É a história daquele seu amigo que estuda inglês há dez anos e ainda se enrola com a conjugação dos verbos no passado. O outro passa seis meses nos Estados Unidos e volta fluente.
Eu acho que a dor é menor quando se admite que na mesa ao lado pode ter alguém que nasceu privilegiado. Mas calma, o jogo não acabou. Melhor do que chorar as pitangas é ir à luta. Tem muita gente inteligente, que de tão inteligente acaba morrendo de tédio no meio do caminho. Está provado pela ciência.
O problema é quando aparece pela frente o inteligente esforçado.