O futuro do mercado de filmes no Brasil

O futuro do mercado de filmes no Brasil

Quem me segue aqui no LinkedIn viu que, nas últimas semanas, lançamos um projeto ambicioso, do qual faço parte: o Filmmelier. O site tem como objetivo facilitar a vida de quem gosta de filmes, indicando bons longas-metragens e onde eles estão disponíveis no streaming/video on demand, incluindo plataformas como Netflix, NOW, iTunes e YouTube.

Resolvi vir aqui contar mais detalhes dessa iniciativa para aqueles envolvidos no mercado, fãs do cinema ou empreendedores, que podem usar alguns dos princípios em seus próprios negócios. É algo que, acreditamos, pode ajudar bastante no futuro do mercado de filmes.

Porém, para entender o Filmmelier, é preciso antes voltar um pouco no tempo.

Tudo começou na primeira metade dos anos 1980. O VHS era algo novo, mas já existiam algumas unidades importadas aqui no Brasil. Em pouco tempo, esse mercado floresceu e surgiram os “vídeo clubes”, com troca e aluguel de fitas. De certa forma, esses clubes foram a semente das locadoras de fitas. Com o tempo, o preço dos VCRs foram caindo e, no começo dos anos 1990, praticamente todas as famílias tinham um videocassete em casa.

O período entre o final dos anos 80 e o começo dos anos 90 foi a era de ouro das locadoras

Aquele foi o auge das locadoras. Cada bairro tinha ao menos uma delas, com milhares de fitas disponíveis para alugar. Obviamente existiam diversas cópias dos blockbusters do verão mais recente, mas também era possível encontrar produções mais antigas, independentes e para diversos públicos. No geral, essas locadoras tinham um acervo mais ou menos definido a partir do gosto de seus frequentadores, além de um balconista cinéfilo (muitas vezes era o próprio dono) que sabia dar aquela dica ótima de fita para alugar. “Hoje quero ver um filme de ‘porradaria’, o que você tem aí?” era uma pergunta comum naqueles tempos. Até por causa disso, algumas lojas se especializaram em produções mais raras e para públicos específicos, como a 2001.

Como esquecer, por exemplo, a primeira vez que vi Batman, de Tim Burton e com Michael Keaton, justamente em uma fita alugada? Ou, alguns anos depois, quando encontrei uma “fita dupla” do grande clássico Grand Prix num canto empoeirado de uma locadora perto de casa?

Todo mundo tem, na memória, histórias assim.

Foto do tradicional Cine Pizza, no bairro do Sumaré, em São Paulo, que 
abandonou os DVDs em 2015 e fechou as portas em 2016
Crédito: UOL 

A força das locadoras, combinada com a chegada da TV a cabo e outras questões comerciais, fez com que muita gente achasse que os tradicionais cinemas fossem acabar. Como vocês sabem, não foi assim – mas os exibidores passaram por um momento bem ruim, sendo obrigados a se reinventar ou até mesmo fecharem as portas.

As coisas começaram a mudar a partir da segunda metade dos anos 1990. O DVD trouxe uma qualidade de vídeo impecável em relação ao VHS, além de novas funções e a possibilidade de extras. O público, de forma geral, até que não demorou a aderir ao formato, mas as locadoras passaram a enfrentar dois grandes problemas: renovar o acervo e a pirataria, que se tornou amplamente mais fácil e acessível com os DVDs.

Também foi nessa época que surgiu o colecionismo dos discos, afinal um DVD tem uma durabilidade muito maior que a fita. Foi um nicho de mercado que apareceu ali, para não dizer que tudo foi ruim.

No entanto, a era de ouro havia passado. Aos poucos, as locadoras foram fechando ou mudando o ramo de negócio. Até mesmo baluartes como a 2001, 100% Vídeo e a Blockbuster não souberam se reinventar, principalmente após a internet facilitar ainda mais o download de longas-metragens. O Blu-ray, que surgiu como uma tentativa de solução, foi apenas um paliativo, que hoje basicamente se resume ao varejo para colecionadores. Parecia que a pirataria, seja via camelôs e torrents, havia vencido. O mercado de home entertainment entrou em retração, com empresas saindo do País ou procurando fusões para reduzir custos.

Para não dizer que as locadoras acabaram totalmente, podemos dizer que elas se resumem mais ao interior do Brasil, em cidades com menor acesso à pirataria, internet de pior qualidade e poucos cinemas. 

100% Video, Blockbuster, 2001 e tantas outras locadoras fecharam. O fim?

Nossa história poderia acabar aqui. No entanto, o impacto da pirataria é muito grande para a indústria como um todo. Veja: um filme dificilmente dá lucro com a bilheteria da tela grande. Se todo mundo ficar dentro do orçamento inicial e o público for ótimo, é possível retornar uma parte do dinheiro dos investidores e pagar os custos da distribuidora. Só que aquele cara que está no projeto desde o começo – principalmente em produções menores e mais independentes – fica sem nada, afinal ele é o último a receber a participação nos lucros.

A ideia, então, é que os resto da cadeia produtiva de um filme receba a sua parte do bolo a partir da chamada “janela” seguinte, que é o home entertainment. Ou seja, há alguns anos, a janela do DVD e do Blu-ray. Novamente considerando um grande sucesso: vende-se diversas “peças” no varejo e para locadoras, rendendo o resto do pagamento dos investidores e uma graninha para quem efetivamente produziu o longa-metragem. Quando a produção for para a TV paga, aberta, vira cult, etc., são dividendos que continuarão chegando pelos anos seguintes.

Isso tudo considerando uma boa bilheteria. Quando acontece o famoso “flop”, com baixos públicos no cinema, o peso nas janelas seguintes é ainda maior, sendo responsável por cobrir parte do prejuízo da distribuidora e dos investidores - que, hoje, podem vir de lugares como a China.

No cenário da pirataria, a solução é tirar a importância da segunda janela, pulando para a terceira - que pode ser a TV paga. Só que a conta não fecha, já que se perde uma das fontes de receita e a própria pirataria fragiliza as janelas seguintes, que vão pagar menos. No final, o resultado é óbvio: prejuízo ou, na melhor das hipóteses, um filme que não dá lucro o suficiente.

Se temos cineastas independentes que não conseguem fazer a roda da fortuna girar, eles podem produzir menos filmes, com orçamento menor ou até pararem totalmente de lançar longas-metragens. Sim, eu sei, o Brasil é apenas uma parte deste grande oceano do cinema, mas as coisas que acontecem aqui se repetem em outros mercados e, cada vez mais, o mundo todo tem a sua importância para quem produz filmes.

Algumas coisas começaram a mudar esse cenário apocalíptico. A primeira delas foi quando uma empresa de Los Gatos, Califórnia, até então especializada em enviar DVDs e BDs pelo correio, lançou em fevereiro de 2007 um serviço de streaming por assinatura, chegando ao Brasil em 2011. Era a Netflix.

A nova sede da Netflix em Los Gatos, Califórnia

Pela primeira vez alguém mostrava que era possível, em grande escala, fornecer filmes e séries pelas internet. O melhor: sem ter que salvar nada no computador do usuário, ou aguardando longas horas para o download. Em pouco tempo os americanos também passaram a oferecer um algoritmo, sugerindo aquilo que se enquadraria dentro do gosto do usuário.

O crescimento exponencial de assinantes da plataforma revelou que as pessoas estão, sim, dispostas a pagar para assistir um filme, desde que o serviço seja bom, prático e cômodo.

Netflix, sozinho, não resolve todos os problemas do mercado, mas indica um caminho importante

Obviamente, Netflix tem suas limitações e objetivos comerciais. A plataforma não quer ter tudo, nem é o caminho mais interessante para ser a “segunda janela” de produtores independentes ou até mesmo dos grandes estúdios, falando em termos financeiros. E é aí que surge espaço para outros players nesse mercado de video on demand.

O maior deles, em nível global, é o iTunes, da Apple. O oferecimento de filmes no serviço, que originalmente era apenas de música, começou um pouco antes da Netflix, no final de 2006. No entanto, a adoção pelo mercado – inclusive aqui no Brasil – foi (e ainda é) lenta. A grande vantagem é que a plataforma lançada por Steve Jobs permite aluguel ou compra por filme, como era com o DVD, além de um modelo de negócio que remunera melhor a produtora e o distribuidor. Dessa forma, o iTunes acabou se colocando como uma segunda janela viável nesse mundo “pós-DVD”.

Outros formatos foram surgindo dentro dessa categoria, chamada de tVOD, ou, resumindo, o video on demand transacional. Uma delas, bastante popular no Brasil, é o NOW, disponível para assinantes das operadoras NET e Claro TV. Ligado diretamente à televisão, sem muito trabalho, é possível alugar filmes dentro de uma rede privada, com grande velocidade e sem consumir banda de internet.

Com variações, o Google Play (incluindo o YouTube) entrou nesse mercado, assim como outras. Com o advento das smart TVs, além de acessórios como o Chromecast e a AppleTV, assistir esses filmes do sofá da sala se tornou algo extremamente simples.

Chegamos ao cenário atual, no qual existem diversas plataformas e filmes. As produções, de acordo com o interesse comercial de cada empresa, são lançadas em janelas diferentes, com períodos, plataformas e preços diferentes. Antes, era só ir à locadora e ver todos os filmes dentro de uma seção, olhar na prateleira de lançamentos ou perguntar para o balconista. E agora, como se achar entre inúmeras opções? Será que eu posso, sei lá, ficar dependente apenas das sugestões do algoritmo da Netflix, por exemplo?

É aqui que entra o Filmmelier. Queremos ser para o público de hoje o que o balconista cinéfilo era para o pessoal dos anos 1980 e 1990, uma figura que não existe mais e se faz ainda mais necessária nesse oceano de opções que é a internet. Nossa meta não é ter todos os filmes no site, mas aqueles bons filmes que queremos indicar. Vão entrar lançamentos, catálogos; produções do streaming por assinatura e do transacional; produções americanas e as independentes europeias; vencedores de festivais e do Oscar; filmes para ver a dois ou sozinho, longas para conhecer mais sobre a história; etc.

Afinal, tem muito filme interessante para assistir, coisas que você nem imagina que existem.

O nosso objetivo também é ter impacto na outra ponta dessa cadeia. Ao facilitar que filmes sejam encontrados nas plataformas de streaming, torcemos para que haja um aumento nas vendas. Com mais dinheiro em caixa, estimulamos produtores e distribuidoras a apostarem mais no video on demand e em produções segmentadas. Assim, esperamos, todo mundo ganha.

E esse é só o começo. Já temos uma longa lista de novidades para serem introduzidas de forma gradual. 

Conheça o Filmmelier.com e visite a nossa página do “sobre nós” para saber outros detalhes da iniciativa e como funciona cada uma das plataformas de VOD. Também nos siga no Facebook, Twitter, Instagram e LinkedIn.

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como posso. entrar nesse negócio? e quanto é o investimento?

Cesar Moraes

Engenheiro Mecânico | Coordenador de Vendas

7 a

Que ótimo artigo, fez sem dúvidas relembrar aquele tempo em que ir a locadora era um programa de fim de semana. Comprar um salgado, alugar dois filmes e chegar em casa ansioso para acabar a novela das 8 para poder assistir o tão esperado filme. Fora encontrar os amigos, ver os lançamentos que custavam 50 centavos a mais, e ver os jogos de Super Nes, que levavam uma eternidade para serem finalizados. Parabéns, e que algo bom volte realmente a acontecer nesse mercado.

André Luiz de Lima Paith

Comprador no Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais - CESCAGE

7 a

quanto saudosismo gostoso ao ler este artigo...."ir a locadora" não era apenas escolher o filme e ir para casa assistir. Eram vários fatores que faziam este momento ser tão aguardado: - encontrar vizinhos; - trocar figurinhas sobre filmes; - a garotada aproveitava para locar cartuchos de video game, algo que muitas locadoras de filmes também alugavam; - locar filmes na sexta para devolver na segunda (sem contar o intercambio entre vizinhos para "trocar" os já assistidos e assistir 6 filmes pagando apenas 3); - fazer amizade com os funcionários da locadora para eles guardarem os lançamentos (sim, existia fila de espera para alguns lançamentos!) e até mesmo para ganhar aquele cartaz do filme. obs - apenas não esqueça de rebobinar antes de devolver para não pagar multa.

Marília Gibran

Head de B2B e Trade Marketing no Grupo OLX

7 a
Luiz Cezar Holtz Biglia

Principal Managing Partner at Fireworks Representação Comercial Ltda.

7 a

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