O FUTURO DO TRABALHO, Sérgio de Oliveira Birchal

"Escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida". Confúcio.

Conclusão

  Esse capítulo se iniciou afirmando que a discussão acadêmica acerca do futuro trabalho pode ser dividida entre (1) os autores que acreditam que a crescente mecanização e automação do trabalho é uma benção para a humanidade, livrando-a do trabalho insalubre, perigoso e alienante, e (2) os autores que defendem que ela pode ser uma maldição, provocando o desemprego em massa, a desqualificação do trabalho humano, a pobreza, a desigualdade e a desordem social.

Ao longo do capítulo foi possível notar, também, que muitos autores deram uma grande importância ao surgimento de uma nova mentalidade e de novos valores independentemente do futuro do trabalho. Eles são entendidos como condição necessária para as pessoas se habituarem a uma vida com menos tempo dedicado ao trabalho e mais ao lazer ou a um novo futuro do trabalho mais competitivo e com uma maior e crescente interação homem/máquina. No primeiro caso, as pessoas deveriam desenvolver o gosto por atividades mais altruístas e criativas e dar menos importância ao dinheiro e aos bens materiais. No segundo, as pessoas deveriam desenvolver continuamente a capacidade de adquirir novas habilidades e se preparar para uma vida sem emprego para todos, para a vida inteira. A automação, fruto da microeletrônica, da informática, da inteligência artificial e dos robôs, ameaçaria a ocupação (e a própria existência) daqueles que não têm a mentalidade e as qualificações necessárias para esta nova realidade. As soluções propostas vão da revolução social e a emergência da sociedade do lazer à criação de políticas sociais de ajuda àqueles que não teriam como sobreviver de outra forma.

Neste ponto, é importante ressaltar que os dados disponíveis desde os anos 90 sobre o mercado e as condições de trabalho na virada do século XX para o XXI não apontam para uma jornada de trabalho menor ou menos intensa. Muito pelo contrário. A evidência disponível desde o início da década de 1990 é a de que a “revolução do lazer” ainda não aconteceu (se é que ela um dia acontecerá). Na verdade, os milhões de desempregados e subempregados, vítimas das mudanças radicais no mundo do trabalho, possuem uma quantidade ilimitada, mas indesejável, de tempo para lazer e pouco dinheiro para aproveitá-lo. Para a maioria daqueles que estão empregados, o número de horas trabalhadas por semana, na verdade, aumentou. Apesar de ser verdadeiro que a semana de trabalho nos setores industriais nos países desenvolvidos e emergentes tenha diminuído para 40 horas semanais no início da década de 1990, é também verdade que o emprego na indústria diminuiu e mais e mais pessoas trabalham no setor de serviços, onde a semana de trabalho cresceu de uma média de 40 para 48 horas. O advento da "gig economy" e as suas precárias condições de trabalho é um exemplo de como as relações de trabalho para uma grande maioria de trabalhadores se deteriorou.

Além disso, a tecnologia moderna aumentou em vez de diminuir a intensidade do trabalho. O grande número de novas tecnologias de comunicação, tais como os smart phones, a internet, os computadores pessoais, os tablets, as redes sociais, entre outros, aumentou a urgência para que as pessoas respondam de maneira mais imediata e tomem decisões mais rapidamente. A tecnologia também se tornou mais intrusa, de forma que os trabalhadores podem ser contatados à noite, nos finais de semana ou em qualquer lugar.

Portanto, a evidência disponível a partir dos anos 90 nos países desenvolvidos e emergentes demonstra que até então a automação da vida moderna aumenta o desemprego, a produtividade e a intensidade do trabalho, ao invés de produzir a tão esperada e decantada “revolução do lazer”. Parece que o resultado é o meio do caminho entre a “promessa” e a “ameaça” defendidas pelos autores analisados.

É muito provável que as recentes transformações no mundo do trabalho continuarão a gerar um importante desemprego tecnológico e uma maior precarização das relações trabalhistas, especialmente para os menos capacitados. No entanto, é pouco provável que as novas tecnologias irão tornar o trabalho humano dispensável. Por maior que seja a evolução das máquinas, seria preciso que a humanidade tivesse um conhecimento muito maior do cérebro humano e do seu funcionamento. Apesar dos inúmeros avanços no conhecimento sobre o nosso cérebro, este conhecimento ainda é muito limitado. Dado que sabemos muito pouco a esse respeito, é impossível que a tecnologia consiga imitar e suplantar as capacidades mentais do ser humano, por mais sofisticadas que essas novas tecnologias possam ser. A criatividade, a curiosidade, a inventividade, a sensibilidade e a improvisação são, entre outras, capacidades cognitivas que escapam ao domínio das mais avançadas tecnologias disponíveis ou em desenvolvimento.

A enorme literatura acerca do futuro do trabalho é evidência inequívoca do interesse que o tema desperta entre os acadêmicos, desde Karl Marx. No entanto, a discussão não se restringe mais apenas ao círculo acadêmico. Ela tem crescido e extrapolado os muros das instituições acadêmicas. A conjugação de eventos como a Queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, o rápido desenvolvimento das tecnologias de informação, o surgimento da Web e a crescente Globalização tiveram profundos impactos no mundo do trabalho dos anos de 1990 em diante. As pessoas mais negativamente afetadas constituem um grande contingente e vêm pressionando os governos e as elites governantes por ações mais efetivas. É nesse contexto que agências governamentais, empresas de consultoria, agências multilaterais, "Think Tanks" e fóruns de debates internacionais debruçaram-se definitivamente sobre o tema do futuro do trabalho. Essa participação se torna ainda mais intensa nas primeiras décadas do século XXI, período marcado pela Grande Recessão de 2008, pelo surgimento da Indústria 4.0 e, mais recentemente, pela pandemia da covid-19. 

Em tempos de pandemia, é impossível não fazer alguma reflexão da sua influência sobre o futuro do trabalho. Ao mesmo tempo, porém, é muito arriscado fazer afirmações categóricas acerca de suas consequências de médio e longo prazo. De qualquer forma, é indiscutível que a pandemia da Covid-19 intensificou tendências que já existiam no mundo do trabalho, tais como o home office e a economia de baixo contato, por exemplo. As empresas estão percebendo a diminuição de custos com escritórios e a melhoria de produtividade de muitos trabalhando remotamente. Obviamente, que nesse caso, o que se tem no momento é um arranjo de última hora para enfrentar a pandemia. Além disso, as relações entre funcionários, fornecedores e consumidores têm se caracterizado pelo baixo contato. Porém, enquanto a pandemia se estender no tempo, ela tenderá a acelerar a consolidação desses e outros novos hábitos e costumes do mundo do trabalho.

Finalmente, a discussão sobre o futuro do trabalho tem se ampliado e se diversificado. Ela não se restringe mais à questão do desemprego tecnológico e à ideia da sociedade do lazer. O debate, atualmente, incorpora novos temas, tais como: o trabalho remoto; o retorno do trabalho ao lar e as suas consequências para as relações familiares; a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e em posições de poder; a relação entre ser humano/máquina; as novas formas de gestão de pessoas; a crescente participação de pessoas de diferentes culturas, credos religiosos, orientações sexuais, etnias e idades; as consequências das mudanças demográficas, principalmente, o aumento da expectativa de vida das pessoas (elas estão vivendo mais e, graças aos desenvolvimentos da medicina, estão chegando a idades mais avançadas em melhores condições físicas e mentais, quando comparados com seus pais e avós; assim, a vida “útil” das pessoas irá se expandir, exigindo que preconceitos quanto à idade desapareçam); as questões éticas e morais sobre o significado do trabalho; e as mudanças climáticas e o trabalho, entre outras. Ou seja, a discussão sobre o futuro do trabalho deverá crescer ainda mais no futuro previsível e as evidências históricas deverão confirmar algumas hipóteses, derrubar outras, além de levantar novas discussões.

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