O futuro está na nuvem?
Quando falamos em transformação digital, muitas vezes “nuvem” aparece com um caminho a ser percorrido, um objetivo a ser alcançado. Para algumas empresas e para alguns mercados, de fato cloud pode ter um peso significativo no processo de transformação.
Durante a pandemia, a transferência das operações de milhares de empresas para a casa dos funcionários levou a uma procura acelerada por serviços dessa natureza, já que o deslocamento da força de trabalho para longe do sistema interno de trabalho tornou necessária a adoção de um modelo flexível e escalável.
Assim, adotar a cloud se tornou uma prioridade para muitas empresas. A AWS, sistema de nuvem da Amazon, cresceu para mais de US$3 bilhões de dólares no primeiro quadrimestre deste ano. Em semanas foram feitas transições de modelo que se esperava que poderiam levar pelo menos um ano nas empresas. Atualmente, diz um relatório da Asia-Pacific, a nuvem toma 5% do orçamento de TI das empresas, uma porcentagem que espera que se dobre até 2023.
A nuvem desponta como o futuro do acesso e do processamento das informações das empresas. É um modelo cada vez mais seguro e flexível.
Mas será mesmo que o futuro de todos está na nuvem? Será a cloud o paradigma do “novo normal” no mercado? Às vezes, parece que alguns de nós já vimos esse filme antes. E talvez fosse bom levar algumas questões em conta antes de brincar de futurismo.
Era uma vez, nos anos 1980
Em muito, a nuvem lembra algo que aconteceu no mundo da computação comercial durante os anos 1980, quando o mainframe se tornou a palavra de toque das empresas. Naquela década, por causa do mainframe, o mercado passou a adotar o modelo de computação distribuída. Com suas vantagens como tolerância a falhas em computadores individuais e intercomunicação entre sistemas, a computação distribuída parecia a solução de todos os problemas de comunicação interna no mercado.
Não muito diferente de como tratamos a nuvem, hoje. Acontece que, no caso do mainframe, o avanço da computação pessoal e, especialmente, a popularização da internet tornaram esse tipo de computação obsoleto, em grande parte.
Será que poderemos assistir a um fenômeno parecido?
O que se diz das vantagens da nuvem é bem conhecido, mas creio que seja importante repassar. Primeiro, há a questão do custo. No instante em que fazemos o outsourcing do nosso sistema de servidores, instantaneamente matamos custos com energia, licenciamento e espaço físico, por exemplo. Além disso, passamos a contar com uma equipe especializada no fornecimento de um serviço (a equipe que opera a nuvem), permitindo que as empresas reforcem o foco e recursos para o negócio, e que, em tese, os serviços contratados sejam modernizados tempestivamente.
Tudo isso parece resolver todos os problemas que mais preocupam CIOs no contexto da Indústria 4.0, inspirando — ao menos em tese — segurança (já que um problema interno no sistema de computadores da empresa não significa um problema nos servidores); flexibilidade no acesso de dados (colaboradores podem acessar dados, arquivos e informações a partir de qualquer gadget, em qualquer lugar, desde que haja conexão de internet); escalabilidade no caso de demandas variáveis; e economia de espaço físico, licenciamento e de investimento de capital em servidores (já que o armazenamento de dados e o processamento são terceirizados).
Essas qualidades podem ser resumidas nessas três palavras: segurança, modernização e flexibilidade. Mas será que isso é uma realidade?
Segurança na nuvem
Uma visão realista da segurança entende que a proteção oferecida pela nuvem é muito resiliente, mas não é indestrutível. Um exemplo significativo foi a tentativa de ataque à iCloud da Apple. Durante o hacking, fotos pessoais de 26 celebridades foram roubadas, graças a uma falha de segurança no sistema de proteção de senhas da Apple.
É verdade, como disseram os analistas, que as fotos foram roubadas das contas pessoais dessas celebridades, e não da própria iCloud. Só que, como diz Vedran Bozicevic, da GlobalDots, o acesso a senhas é uma das grandes portas de entrada a uma nuvem — e mesmo que os dados dentro da cloud não possam ser baixados, eles podem ser visualizados. Além disso, não é preciso que o acesso à conta seja feito por hackers: dezenas de milhares de requisições de senhas são enviados à Google e à Microsoft todos os anos por agências governamentais.
Ademais, as outras medidas preventivas contra o acesso indevido à informação, como criptografia, autenticação de usuário, monitoramento de uso, entre outros, são difíceis de burlar apenas porque exigem muitas horas de trabalho e esforço, e não por alguma dificuldade orgânica ao sistema. Uma vez que a Google teve 5 milhões de senhas vazadas, e seu sistema é um dos principais do mundo, o que impede que a segurança aparentemente invencível da cloud não seja burlada também?
Esticando a flexibilidade
O segundo tópico é o da famosa flexibilidade da cloud. Existem dois significados quando falamos sobre isso: a flexibilidade não está apenas na possibilidade de usar a nuvem em diferentes lugares, mas também no que se chama de escalonabilidade. Isto é, a possibilidade de ajustar custos e espaço às necessidades do momento.
A realidade é que em matéria de custos, a nuvem é menos flexível do que se imagina — ao menos de um ponto de vista de custo. É fato que ter 100TB a mais em espaço na nuvem custa menos do que 100TB a mais num servidor próprio. Porém, cortar 100TB desnecessários na nuvem economiza menos dinheiro do que cortar 100TB desnecessários em servidores. Portanto, a flexibilidade da nuvem é inteiramente relativa, economicamente falando.
Outra coisa que é importante de se notar é que a flexibilidade não está inteiramente ligada ao uso da nuvem gerida por outras empresas; afinal, é perfeitamente possível, desde que se tenha capital suficiente, fazer “nuvens privadas”, que o analista Bob Lewis chama de fogs. Esse é um exemplo de uso de capital para aumentar flexibilidade usando a tecnologia da nuvem, porém interna à empresa.
Vale entender ainda que as aplicações devem ser preparadas para escalar, para menos e para mais, reduzindo consumo quando ociosas, entrando em “stand by”, e agregando mais espaço e processamento quando a demanda aumenta, para poder aproveitar toda flexibilidade da nuvem.
Subindo às nuvens
Contudo, o que falei acima refere-se àqueles que já investiram nas nuvens. Mas e quem ainda hesita em fazer a mudança? Para esses, existem alguns fatores que podem eventualmente se transformar em desvantagens.
Primeiro, há a questão dos custos variáveis. Processos como transferência para fora do servidor e entrada no servidor podem gerar custos adicionais ao custo do serviço de nuvem em si; além disso, empresas que usam capex para cobrir os investimentos de tecnologia da informação podem se surpreender com o custo variável que as três principais empresas do ramo (Azure, AWS e Google Cloud) cobram mensalmente. Para empresas que valorizam previsibilidade, isso pode ser um grande problema.
O que eu penso é que o debate acerca do papel das nuvens ainda exige mais maturidade. Para muitos, a nuvem é a solução de todos os males: Nuvem sempre e a todo momento. Sem dúvidas, a nuvem é uma boa solução — dependendo do problema. A questão é que devemos deixar o encantamento de lado e passar para uma análise realista do tema.
Não tenho dúvidas que a cloud será uma tecnologia muito útil com o passar do tempo — mas creio que um debate maduro exige que passemos a pensar que tipo de problema a cloud resolve. Porque há problemas que mesmo tecnologias “obsoletas”, como o próprio mainframe, resolvem. Aliás, recentemente temos até mesmo visto um reaquecimento dessa tecnologia.
Portanto, vamos passar a discutir de uma maneira mais realista. Ou seja, vamos parar de andar com a cabeça nas nuvens!
Gerente de TI | Gerente de Sistemas | Executivo de TI | MBA
4 aNo final da década de 90, li uma matéria em que compararam a indústria aeronáutica com a tecnologia da informação, e o resultado foi que, se as áreas evoluíssem na igualdade da TI, um Boeing 747 custaria menos de US$10 na época . Hoje temos dados em nuvem e uma capacidade enorme de trabalho na palma da mão em um simples smartphone, porém , sinto que a transmissão de dados ainda está longe do que precisamos para o everywhere. Se olharmos a história , o processamento evolui, o armazenamento evolui, mas a transmissão não acompanha. Essa é uma preocupação pé no chão na minha visão .
Analytics Architect • Cloud computing • Google Cloud Architect and Data Engineer
4 aArtigo muito bom. É a uberização da infraestrutura/serviços de TI. Da mesma forma que táxis ainda são necessários (por exemplo, pelo custo independente da demanda ou ir até o ponto de táxi e embarcar imediatamente), clouds e data centers on-premises atenderão necessidades específicas, já que existem lugares onde é mais fácil chegar de jipe do que com um F-1.
Excelente reflexão Rodrigo. A sabedoria associada ao pensamento moderno ampliam as possibilidades de sermos mais assertivos nas decisões corporativas. Alguns modelos podem estar fora de um contexto e ainda assim serem entendidos como balas de prata se mal estudadas.