O Garanhão e a Mula Sem Cabeça (Conto)

O Garanhão e a Mula Sem Cabeça (Conto)

A Mula Sem Cabeça e o Garanhão

Por César Alves

 

"Moça que se deita com padre vira mula sem cabeça".

Aprendera, desde cedo, com a mãe.

Menina educada e de boa família. Respeito aos mais velhos, dedicação aos estudos e ensinamentos cristãos era lei. A rigidez do núcleo familiar, no entanto, acabava ai.

Era uma criança feliz. Cumpria com as responsabilidades escolares, ia à missa com os pais e até cantava no coral infantil da igreja, mas, durante o tempo livre, estava sempre brincando de criar brincadeiras e criando mundos imaginários, como a brincar na sua cabecinha de menina.

Defeito mesmo, a menina não tinha. Ou, se é que isso que ela tinha era lá um defeito, era sua curiosidade de menina.

"Perguntadeira que só ela...".

Dizia a mãe.

E, com uma expressão de saudade boa e um sorriso saudosista, completava:

"Puxou a avó".

Pensando em sua mãe, que a menina não chegou a conhecer com vida.

Nos fins de semana a casa vivia cheia. Era o ponto de encontro de seus tios, tias, primos, primas nas reuniões familiares.

Em tais ocasiões, costumava deitar-se no colo do pai e fingir pegar no sono, antes de os adultos mandarem as crianças pra cama.

Sabia que o pai gostava de embalá-la nos braços enquanto ela dormia e ela gostava mais ainda.

Mas não era só este o motivo de seu sono de mentirinha. Era mesmo uma estratégia para ouvir o que era dito, enquanto as crianças dormiam. Ela fingia dormir, mas com as antenas ligadas na conversa dos adultos.

A mãe, quando percebia, passava-lhe o ralho:

“Coisa feia, menina!”

E, imediatamente, mandava a menina pra cama. Mas a menina era ligeira e, ser flagrada, era algo que raramente acontecia. E, quando era o caso, fazia cara de manha, esfregava os olhos, como quem acabou de acordar e não entende o motivo da bronca, e ia escovar os dentes, dissimuladamente.

Foi assim que, certa vez, ouviu o pai contar aos tios a história de um moço que se deitara com uma freira.

De olhos fechados, dando aquelas respiradas profundas de gente que dorme, para despistar, vez ou outra, com os ouvidos bem atentos que era para não perder nada da conversa, ficou confusa com o comentário de um dos tios. Segundo ele, devido ao feito de se deitar com uma freira, esposa do divino, em castidade carnal devota ao sacramento, o moço era um cabra macho admirável, digno de respeito.

“Verdadeiro garanhão!”

Completou. Com que concordaram todos, com meneios de cabeças e risadas bêbadas

“Garanhão sem cabeça ou coisa parecida...”.

Pensou a menina.

Naquela noite, adormeceu com um lembrete, feito quem escreve um bilhetinho e afixa na porta da memória, para que não se esqueça: O de, no dia seguinte, logo cedo, perguntar à mãe:

"No caso do moço que se deitou com a freira, o bicho tinha ou não cabeça?”

 

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