O idadismo emocional
O recente anúncio do #Continente, com a ambiciosa assinatura “todos recebemos mais quando damos mais,” volta a mostrar como a publicidade portuguesa continua a saber explorar o tema do “idadismo sentimental.”
Temos o cenário, infelizmente, clássico: um senhor de cabelos brancos, sozinho, com um ar de quem já desistiu de ganhar um lugar à mesa dos mais novos e se contenta apenas com a companhia de um cão – claro, um cão idoso também, porque, imagine-se o choque de ver um cãozinho jovem e cheio de energia ao lado deste senhor.
A pergunta que fica no ar é: por que é que a publicidade insiste em retratar a idade avançada como sinónimo de isolamento e dependência?
Será que nunca se considerou a possibilidade de mostrar uma pessoa mais jovem a beneficiar-se da “ajuda dos outros” ou, vá lá, a não estar a viver uma vida tão feliz, mesmo rodeada de amigos e festas?
Mas não: a mensagem é clara e implacável – se tem cabelo branco, é muito provável que esteja sozinho e a caminhar para um Natal de sofá e ração de cão.
Esta repetição de estereótipos não passa despercebida. A publicidade, na sua maioria, em Portugal parece apostar firmemente na ideia de que envelhecer é uma jornada para a solidão (ou para os braços caridosos da comunidade que “dá mais”).
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Uma visão inspiradora, não?
Afinal, o que poderia ser mais cativante do que saber que, ao envelhecermos, nos espera um fiel companheiro canino e uma rotina de contemplação melancólica?
Há algo irónico aqui: enquanto os jovens surgem em anúncios a saltar, a rir, e a alcançar feitos extraordinários, as pessoas mais velhas são gentilmente relegadas para papéis de figurantes, em cenários dramáticos e com o mínimo de interação social.
Claro, o #Continente e outras marcas dirão que estão a tocar “no coração” das audiências, mas será que não há outra maneira de captar emoções sem colocar os mais velhos sempre na posição de “coitados solitários”?
Talvez um dia a maioria dos criativos portugueses descubra o conceito radical de “representação variada” – onde um idoso pode aparecer a viver uma vida plena, feliz e ativa, ou até mesmo… imaginem só, a não precisar de ajuda de ninguém!
Que idade terá quem concebeu o spot?
New Project in Progress PT/UK
1 mMagnífica reflexão Ana Marquilhas... 🙏🫶 A Solidão é uma coisa muito séria e não tem a ver com a idade, com a condição social ou económica. É, sim, um problema social com consequências dramáticas, que tem que ser abordado como tal, e não com "imagens trágico-cómicas" (crédito ao Rui Borges). Os estereótipos são perigosos e alimentam todos os "ismos" que conhecemos. E as Organizações, que tanto apregoam a sua Responsabilidade Social, deveriam resistir à tentação... Fica-lhes mal! Até porque... "de boas intenções está o inferno cheio"!
Concordo plenamente que o estereótipo roça o patético. No entanto, também o inverso de ver idosos a comportar se como se fossem jovens correndo pela praia, saudaveis e felizes, me parece forçado e deslocado da realidade. Importa desenhar um papel e um modelo claro, de contributo útil para a sociedade e para os próprios de contributo, baseado nos skills que esta etapa da vida permitiu construir. Creio que só assim a publicidade deixará de retratar “ os velhos” como os solitários e abandonados da sociedade.
🔝
Entrepreneur & Business Consultant (large experience in Leadership, Retail Operations & Optics)
1 mTotalmente de acordo. Sem duvida que a solidão atinge os mais velhos na nossa sociedade atual, mas esta imagem é um esteriótipo levado ao extremo. Tal como a imagem tragico-cómica que a Comunicação Social passa em 99% dos casos (sobretudo nas TVs), dos Pensionistas residentes em Portugal - 3.0 milhões, 28% da população: - os inevitáveis bancos de jardins, o jogo de cartas, o apoio da bengala! Ou seja, uma imagem exagerada, enviesada, depreciativa e absurda, sobre quase 1/3 da população.
Nao posso estar mais de acordo Ana.