O inferno são os outros (Sartre).
Você já parou para pensar em como somos rigorosos e implacáveis no julgamento do outro, porém temos uma ética frouxa e generosa de nós mesmos? Já observou como rotulamos o colega, o parente, o amigo, e o excluímos do diálogo se não concordarmos com ele porque as nossas ideias são sempre as melhores? Em frases simples como "brasileiro não sabe votar", nós estamos tratando brasileiros como os outros, como se não fôssemos também. E quando dizemos "políticos são corruptos" mais uma vez estamos nos tirando desse conjunto, quando muitas vezes praticamos, no dia a dia, pequenos atos de corrupção.
Eu pergunto: você nunca deu dinheiro a um garçom em uma festa para ser melhor servido? Você nunca estacionou em vaga de idoso ou de deficientes para se beneficiar desse espaço que não é seu? Você nunca telefonou para uma empresa para indicar alguém a um cargo durante um processo seletivo tradicional, onde todos estão disputando a mesma prova e a mesma entrevista? Todos esses são casos de corrupção. São antiéticos, mas a sua ética lhe permite. Você abre concessões para si mesmo, mas quando é o outro...
Tem uma definição que gosto muito: "Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados." Se fosse nosso, seria uma tacada de mestre, uma negociação muito bem feita.
Esses comportamentos da sociedade atual tem muito a ver com a era digital. Vivemos hoje "o show do EU: a intimidade como espetáculo", que já rendeu um livro escrito por Paula Sibilia. E por que? Porque em tempos de redes sociais nos tornamos ainda mais egocêntricos, individualistas e narcisistas, sendo todos esses elementos antagônicos a uma vida ética, onde haja cidadania e respeito ao próximo. Quanto mais olhamos para nós mesmos, os nossos likes, as nossas fotos, a nossa vida, menos olhamos para o outro, para a sociedade e para os que precisam. É duro dizer isso mas a grande maioria dos perfis das redes sociais tentam se mostrar o centro do universo. Os mais importantes, bonitos, inteligentes e bem sucedidos que os outros. E isso nos torna menos éticos.
A construção (ou reconstrução) da ética passa por uma transformação de nós mesmos. Como disse Ghandi: "seja a mudança que você quer ver no outro". Os políticos são apenas espelhos de nós mesmos, resultados dos votos que demos em troca do asfalto na nossa rua, ou de um cargo político a nós prometido. Damos aos políticos o maior exemplo de corrupção quando aceitamos benefícios em troca do voto - e muitos fazemos isso. Depois reclamamos que eles estão roubando lá na Câmara, na Assembleia, no Senado ou onde for.
A virtude não é algo natural. A virtude moral é aprendida e aplicada pelo hábito. Nós não nascemos e crescemos éticos. Nós aprendemos a ser com esforço e disciplina. E isso passa pelo controle das emoções e dos instintos, para tomarmos a decisão correta em cada situação. Apesar de difícil, manter uma vida ética é mais leve. Fazer o que é certo dá descanso, exatamente o que perdemos quando tomamos a decisão de andar por caminhos tortuosos. A Bíblia tem uma passagem que deixa muito clara essa questão: "Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram. (Mateus 7;13-14)