O lado negativo do value based care. Uma lição para o Brasil.

O lado negativo do value based care. Uma lição para o Brasil.

Num primeiro momento, a mudança do fee for service para o value based care(cuidado baseado em valor) parece ser uma solução progressiva, inteligente e lógica para um sistema de saúde brasileiro sobrecarregado com o tratamento de muitos pacientes, com pouco tempo na prestação de assistência e custo elevados.

No entanto, as primeiras impressões podem enganar.Numa análise um pouco mais profunda revela o quão superficiais podem ser os benefícios do cuidado obrigatório baseado em valores e por que o valor real para médicos e pacientes pode ser encontrado no modelo muito mais simples de medicina.

Valor está nos olhos de quem vê!

A intenção original do atendimento baseado em valor era sólida: cumprir o triplo objetivo da assistência médica (melhorar a experiência do paciente, melhorar a saúde da população, reduzir os custos) recompensando os médicos com pagamentos de incentivo pela qualidade do atendimento versus quantidade de serviços. No entanto, a natureza dos modelos de cuidados baseados em valores que estão sendo explorados e estabelecidos para atender a esses objetivos parece ser mais uma questão de valor para a seguradora, o empregador e o hospital. O médico e o paciente, que por direito deveriam estar à frente, podem estar no final dessa linha.

É importante considerar também que o termo "valor" tem diferentes significados para todos os envolvidos no fornecimento, financiamento e recebimento de assistência médica. Cada stakeholder naturalmente vê isso através de suas próprias lentes. Como a American Medical Group Association sugere, os pacientes vêem o valor como um cuidado compassivo que diminui o sofrimento e está disponível em sua conveniência com as menores despesas extras possíveis. Os empregadores buscam uma força de trabalho mais saudável e produtiva a custos acessíveis. Os pagadores podem considerar a saúde geral da população ao menor custo possível como o determinante do valor.

A ideia de concordar com uma proposta de valor comum para a saúde torna-se quase impossível de alcançar, dados os diversos objetivos - qualidade, serviço, custo, resultados, acesso - de seus principais stakeholders.

Mesmo a questão de quem tem a responsabilidade primária de melhorar a saúde de um paciente carece de consenso. Como mostrado na pesquisa Value in Health Care recente: os médicos atribuíram a si próprios responsabilidade (75%), os pacientes atribuíram responsabilidades igualmente a si próprios (45%) e médicos (44%), enquanto os empregadores dividiram a responsabilidade com os pacientes (39% e 25%), sistema de saúde (23%), seguradoras (4%) e eles próprios (9%). O valor, parece, está muito nos olhos de quem vê.

As diferentes perspectivas, levam a resultados conflitantes na hora de pagar por resultado.

No entanto, o impulso para o cuidado baseado em valor continuou, encontrando resultados decididamente mistos. Um estudo recente da Healthcare Financial Management Association mostrou que os modelos de pagamento baseados em valor não tiveram impacto no custo ou na redução do resultado clínico em seus primeiros anos. No entanto, uma pesquisa da KPMG encontrou quase metade dos executivos e gerentes de saúde otimistas quanto à promessa de contratos de reembolso baseados em valor para melhorar a lucratividade de suas organizações. Novamente, caímos no caso de referência.

Um relatório de 2018 do Future of Healthcare mostrou que os médicos se sentiam exatamente o oposto. Metade dos médicos pesquisados afirmou que os cuidados e reembolsos baseados em valores terão um impacto negativo no atendimento geral ao paciente e 61% acham que isso também afetará negativamente sua prática.

Alguns de seus principais sentimentos sobre o cuidado baseado em valores eram preocupações de que ele iria:

1)Adicionar outro estressor às taxas de reembolso de sinistros já em queda, no Brasil estagnados;

2)Exigir mais gastos com serviços ou parcerias com fornecedores para manter altas as métricas de qualidade, encarecendo o sistema, sem aumentar o valor do serviço prestado ao paciente(ou seja, para que a equação financeira - custo- mantenha-se igual para o paciente, alguém precisa balancear, isto é cair seus valores, advinha quem?);

3)Adicionar aos requisitos de documentação e coleta de dados, resultando em custos adicionais e uma sobrecarga nos recursos(no Brasil com sistemas de TI sem interoperabilidade e ainda cheio de bugs);

4)Aumentos dos serviços administrativos em detrimento do ofertado aos cuidados, principal causa de burnout levantada pela APA .

Essas são preocupações válidas, como qualquer um que olha para trás, para a longa e problemática história dos programas de acrônimos da MIPS para a MACRA, sabe disso. Todos supostamente eram a bala de prata que consertaria nosso sistema de saúde quebrado americano.

O atendimento baseado em valor, apesar de todo o seu entusiasmo inicial, está agora atolado, precisando de melhores políticas, gerenciamento, incentivos, ferramentas e tecnologias para se movimentar novamente, de acordo com um relatório da Healthcare Financial Management Association. Enquanto isso, a necessidade de medir mais, não menos, os dados é um verdadeiro obstáculo para os médicos já completamente desiludidos com o impacto dos registros médicos eletrônicos em sua prática médica.

Alguns estão procurando por inovadores como Amazon e Apple, que esperam perturbar o sistema de saúde de maneira positiva. Mas há uma profunda desconexão em esperar uma reforma real daqueles que não estão na linha de frente dos cuidados de saúde, infelizmente.

Portanto ao se falar em value based care no Brasil, olhar os erros e problemas históricos e atuais, não é uma opção, mas uma obrigação.


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