O Livro da Mãe
Minha mãe resolveu que queria escrever um livro sobre seu pais. Sob o pretexto de deixar para os seus netos um pouco da história deles desde a vinda da família lá do outro lado do mundo, o Japão, até aqui no Brasil.
A decisão em partir, as dificuldades, as alegrias. Sim, é uma linda história. Mas, pra mim, foi uma delícia relembrar acontecimentos que a memória já tinha encaixotada no arquivo morto.
Com a saudade e a emoção de “reencontrá-los” numa tarde de leitura me ocorreu que escrever é escolher um ponto de vista. É claro que o meu sempre será de um neto e o da minha mãe, que escreveu o livro, de filha. Serão sempre pontos de vistas diferentes porque foram construídos em tempos e lugares diferentes, e no caso dela, sem a barreira da língua. Por isso, os personagens não eram os mesmos que conheci. Eram mais complexos, densos e encantadores, do que a versão resumida que conheci.
Meu avô partiu primeiro e na época não consegui me despedir direito. No caso da minha avó eu escrevi, para não esquecer do que me parecia ser importante dizer a ela – seguem aqui alguns trechos:
“Vó, a barreira da língua japonesa nunca foi uma dificuldade para receber o seu amor e perceber a sua preocupação com a educação de cada um de nós, seus netos. Se para muitos, a senhora foi professora, mãe, sogra, esposa de pastor, pioneira da nossa igreja, para nós, da terceira geração, a senhora foi a nossa vovó querida.
Daquelas que nunca davam um presente bacana no nosso aniversário ou no natal. O que sempre foi legal, foi tudo aquilo que suas mãos produziram: o origami, os convites da Betel e, principalmente, o “gotisô” – que só a senhora sabia fazer – em cada almoço e jantar de família. Ah, como isso era bom!
Crescemos, alguns casaram, e o presente que a senhora deu para cada um de nós, a colcha de crochê, nos enche de emoção até hoje, por saber que se o dinheiro sempre foi pouco, este era o presente, lindo, que as suas mãos talentosas podiam produzir.
Engraçado pensar agora o quanto a senhora falou conosco através de suas mãos. Mãos que produziam coisas tão lindas e que antes de cada refeição viviam unidas, bonitinhas, assim, sinalizando que era hora de orar.
Orações longas, que, principalmente no final da sua vida, sempre vieram acompanhadas de muitas lágrimas, tanto da senhora quanto de muitos que entendiam o que a senhora estava falando.”
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6 aAs histórias de imigrantes japoneses me fascinam. Eu particularmente sinto falta de mais registros e relatos sobre meus avós: o que os motivou a vir para o Brasil, como foram os primeiros dias, o medo e o preconceito, como lidavam com as dificuldades...
Executiva de Streaming e TV | Head de Desenvolvimento e Produção de Conteúdo | Produtora premiada | Atuante em pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (ex-Paramount, Netflix e HBO)
6 aQue bela história, Newton! O livro já está nas livrarias? Adoraria lê-lo!