O Manual Bolsonarista para Afugentar Investidores
Disclaimer: O artigo abaixo contém opiniões do autor acerca da condução política e econômica do governo. O texto não tem a intenção de ser uma argumentação puramente técnica, apesar de conter elementos técnicos.
Estamos apenas um trimestre distantes do final da primeira metade do mandato de Bolsonaro e é natural que façamos um balanço do que foi positivo e do que foi negativo até então. Empresas do setor privado fazem o mesmo exercício, pois na construção dos cenários futuros é importante também levar-se em conta o passado recente, as diretrizes tomadas, os caminhos escolhidos, erros, acertos e, principalmente, intenções. No mercado financeiro, mais ainda, pois os agentes vivem de expectativas e da tentativa de embutir nos preços presentes dos ativos os eventos futuros, e é literalmente assim que se ganha dinheiro. Mas essa tarefa de tentar “ler” o que se passa na cabeça do governo (e de Bolsonaro, como o líder que dá o direcionamento às ações do Executivo), tornou-se tarefa ainda mais complexa.
Bolsonaro foi errático e imprevisível durante os 21 meses de governo transcorridos até aqui. Começou com pé esquerdo quando logo nas primeiras semanas do ano formou-se notícia ao redor do esquema das candidaturas “laranjas” do PSL, até então o partido que elegera Bolsonaro. Logo na sequência, alguns comentários muito infelizes sobre controle de preços e interferência nas empresas estatais. Depois os escândalos envolvendo a família e os agregados (o “caso Queiroz”, cujo indiciamento contra Flávio Bolsonaro caminha na Justiça). Depois a tentativa frustrada de nomear o filho Eduardo Bolsonaro como embaixador do Brasil nos Estados Unidos (“já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer nos EUA”). Depois a troca de ministros na pasta da Educação, passando por Ricardo Vélez (“universidade para todos não existe”; “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”; “voltar a valorizar a educação moral e cívica” e “1964 não foi golpe”), Abraham Weintraub (xingador de ministros do STF entre outras tantas malcriadezes, que teve que sair fugido do Brasil para os EUA aproveitando-se de seu passaporte diplomático) e até Carlos Alberto Decotelli (o ministro que foi nomeado mas não tomou posse depois da descoberta de que seu currículo era mais falso do que uma nota de 3 reais). Na Cultura, Roberto Alvim foi demitido após copiar em um pronunciamento uma vergonhosa citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, tornando sua permanência na pasta missão impossível. Depois a fatídica reunião ministerial de 22 de Abril, quando ficou claro que Bolsonaro não tem a menor noção da responsabilidade do cargo que ocupa, preocupado apenas em agradar amigos, atacar inimigos e tocar sua agenda pessoal focada na reeleição. A lista é infinita e a tarefa de buscar na memória tantos erros e situações vergonhosas não é uma atividade que me agrade. Aos poucos, descobrimos que Bolsonaro nem sequer sabe o que significa “liberalismo”, bandeira que o ajudou na eleição. Paulo Guedes, até então o “Posto Ipiranga” dos assuntos econômicos, agora lhe atrapalha ao defender o teto dos gastos e a austeridade fiscal, dificultando assim seus objetivos eleitoreiros. Nessa miscelânea de bizarrices, Bolsonaro gastou o limitado capital político de que dispunha para conter as crises que ele mesmo criou. Agora, três assuntos preocupam o mercado e têm causado uma fuga maciça de capitais e uma crescente desconfiança por parte dos investidores.
O primeiro deles é a resposta do governo frente à pandemia do COVID-19. O Brasil ocupa as primeiras posições no ranking de contaminados e mortos pelo novo coronavírus. Bolsonaro “zombou” da doença e dos que se protegiam dela. Tentou culpar governadores pelo declínio econômico resultante das necessárias políticas de isolamento social. Defendeu o uso irrestrito da cloroquina, ausente de qualquer embasamento científico para tal, e acabou solitário nessa tarefa, já que até Donald Trump dispensou o medicamento em seu tratamento contra a doença. Confundiu a população com mensagens trocadas e maus exemplos. Gastou muito e gastou muito mal. Por incrível que pareça, o governo federal não foi capaz de aplicar todos os recursos que o Congresso Nacional aprovou para o combate à pandemia. Na falsa retórica entre salvar vidas e salvar a economia, não salvou nenhuma delas. Agora, com países europeus (principalmente Reino Unido, Itália e Espanha) e Estados Unidos muito perto de uma segunda onda de contágio pela COVID-19 capaz de novamente forçar o fechamento total ou parcial das economias, o mercado começa a se questionar se esse também não será o destino do Brasil, o que nos manteria na crise por mais tempo ainda, implodindo nosso mercado de trabalho e ameaçando nosso futuro com mais uma década de desempenho econômico pífio.
O outro ponto de preocupação diz respeito à resposta do governo federal frente à crise ambiental que assola biomas tais como Pantanal e Amazônia, vitais não somente para a saúde e economia dos brasileiros, mas de todo o mundo. É inegável que, no mínimo, o governo negligenciou o risco de aumento nas queimadas após um período prolongado de secas e temperaturas altas, e desmontou instituições de enorme reputação e importância para o monitoramento da nossa saúde ambiental, em especial o INPE, que vinha fazendo um trabalho de altíssimo nível, com profissionais de ponta e muito uso de tecnologia e dados. Além das queimadas, o desmatamento foi em 2020 bastante mais alto que em anos anteriores e a causa raiz do problema é a grande confusão sobre a questão agrária no Brasil, grilagem de terras públicas e ocupação ilegal de terras indígenas. A tentativa de “passar a boiada” sugerida pelo ministro Ricardo Salles saiu pela culatra e agora temos todo o mundo olhando com lupa as ações (e também a falta delas) do governo federal frente à crise ambiental que se instalou no país. Em um novo cenário de investimentos onde critérios ESG (Environmental, Social & Governance) passam a ser cada vez mais privilegiados, fundos soberanos e grandes fundos institucionais já não toleram empresas e/ou governos que fazem pouco caso desses critérios, preferindo direcionar recursos para países e empresas que estejam de fato comprometidas com a construção de um futuro melhor. Essa falta de zelo pela questão ambiental ameaça ainda acordos de comércio de altíssima relevância para o Brasil, especialmente o acordo entre os países do bloco Mercosul e a União Européia, que promete voltar atrás na intenção de estreitar laços comerciais com o Brasil caso o governo Bolsonaro não dê sinais claros de que tem a intenção e também um plano concreto para reverter a catástrofe atual. O Brasil, por anos “queridinho” nas grandes rodadas de investimentos (juros altos e a promessa de um futuro que nunca chegou), virou a “ovelha negra” da vez, perdendo investimentos vultuosos que agora são direcionados para economias alinhadas aos anseios de um mundo mais verde, mais inclusivo e mais bem governado.
Por fim, outro elemento que tem preocupado e afugentado os investidores é a questão da saúde das nossas contas públicas e do real compromisso do governo federal com o teto dos gastos do orçamento. A pandemia agravou severamente uma situação que já não era das melhores mas que poderia ser menos preocupante caso o governo sinalizasse um direcionamento mais austero na condução da política fiscal. Os desejos eleitoreiros de Bolsonaro não cabem dentro do orçamento e é clara a divisão e a disputa entre o grupo desenvolvimentista (com o ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho na liderança), que prega uma maior participação do Estado na economia, e o grupo fiscalista (com Paulo Guedes e a equipe econômica), que têm investido toda a energia disponível para conter os gastos e implementar as reformas de que o país tanto precisa. Nessa disputa, o fiel da balança será Bolsonaro, e esse é o tormento do mercado, pois da cabeça do mandatário podem sair surpresas negativas que privilegiem puramente seu objetivo da reeleição. E a pauta das reformas, literalmente parada e sem expectativa de movimento pela proximidade com as eleições municipais, igualmente preocupa a todos, pois evidencia que uma melhoria econômica mais contundente ficaria relegada a 2021.
A resultante de tantas incertezas é uma maior aversão do capital, especialmente o estrangeiro, ao investimento no Brasil. Segundo dados divulgados recentemente pelo Banco Central, de Janeiro a Agosto de 2019 houve US$ 97 bilhões em entradas, contra US$ 79 bilhões nos primeiros oito meses deste ano, ou seja, queda de 19%. Já o saldo líquido de Janeiro a Agosto de 2020 foi de US$ 27 bilhões, contra R$ 46 bilhões no mesmo período do ano passado, representando uma redução de 41%. A taxa de câmbio também é outra evidência dessa saída de recursos do país. Mesmo em um cenário que favoreceria a valorização do real (diante da nova política monetária americana que deve manter juros muito baixos por muito tempo ainda), a moeda brasileira é a que tem a maior desvalorização em relação ao dólar em 2020. A moeda americana acumula uma alta de 40% comparada à brasileira no ano, maior queda em uma lista de 30 países, segundo dados da Reuters. Outro dado que reforça essa tendência é a nossa curva de juros. Nos últimos dias, o Tesouro Nacional já tem enfrentando muitas dificuldades para fazer a rolagem dos títulos públicos com vencimento mais curto, sinal de que os investidores já começam a cobrar um prêmio maior para apostar no Brasil. Na ponta longa, os títulos DI com vencimento em Janeiro de 2027 já estão pagando juros de mais de 7,60% ao ano. E a combinação de tudo isso nós já conhecemos muito bem: câmbio alto – inflação alta – juro alto – investimento baixo – crescimento baixo – emprego baixo. A reversão dessa espiral negativa é possível e viável, mas passa pela construção de um plano econômico de médio e longo prazo amplo e profundo, por uma maior sinergia entre Executivo e Legislativo na condução e na aprovação das reformas e, principalmente, pela consistência entre discurso e a prática, sem abandonar conquistas importantes que fizemos na nossa disciplina fiscal como o teto dos gastos no orçamento público.
Sérvulo Dias é economista pela FEA/USP, administrador de empresas, empreendedor e palestrante.
Head de Tecnologia na Aluz Aceleradora Comercial
9 mServulo, valeu por ter compartilhado ... 🙂
Aumento a performance da sua empresa através dos dados.
1 a👏👏 Boa Servulo!
👏👏👏
Sócio proprietário na Maziero e Morais Advogados Associados
1 a👏👏👏
Founder & CEO @UmbrellaTalent e Consultora Sr na rede @Prime Futuração Empresarial | Recrutamento e Seleção de Alta Performance | RPO | Gestão Inteligente de Benefícios
1 a👏👏☂️☂️