O mundo em preto e branco
Não sou sociólogo, mas me senti motivado a compartilhar conclusões de uma conversa que tive recentemente (e à distância) com um amigo, após um jogo de tênis. Por que o mundo está tão polarizado, no que tange a crenças e opiniões? Quais fatores estão fazendo com que as pessoas se comportem dessa maneira? Aqui seguem as conclusões.
Primeiramente, em uma era digital, o volume de informações supera, e muito, a capacidade de absorção. Por um lado, isso tudo permite que tenhamos dados em tempo real, mesmo com qualidade duvidosa. Para lidar com essa dinâmica, a reação natural é filtrar o que vamos ler em função de nossas preferências. Consequentemente, o pouco nível de aprofundamento que temos sobre os temas, está nos direcionando ao ponto e não ao contraponto, limitando a capacidade de enxergar o outro lado.
Em segundo lugar, grande parte da comunicação hoje é pública e por escrito. Uma pesquisa recente, realizada na empresa de educação em que eu trabalhava, indicou que jovens preferem 10 vezes trocar fraldas, a ter que falar com alguém ao telefone. Nesse contexto, essa conclusão direcionava nossos call centers a procederem com a comunicação privilegiando Whatsapp. Mas o fato é: como mudar de ideia, depois que publicamos nossa opinião por escrito e ela torna-se "pública" para um monte de gente? Meu amigo ressaltou que Charles Munger e Warren Buffet evitam escrever suas teses de investimento, para que não “se casem” com elas. Os sócios da Berkshire Hathaway creem que escrever seus pensamentos pode resultar numa rigidez mental, e impedi-los de mudar de ideia ou buscar caminhos alternativos.
Em terceiro lugar, a comunicação digital e a falta de conexão emocional que ela gera com outros seres humanos, promove a liberdade para que posições sejam muito mais agressivas. Como exemplo, basta acessar os comentários deixados abaixo de artigos publicados na web: é comum o uso de palavrões, expressões negativas, vindas de participantes que colocam suas rasas convicções de forma a exterminar qualquer chance de diálogo construtivo. Discussões se transformam em competições para ver quem consegue machucar mais o outro. Com essa penalização de forma e conteúdo, as diferenças só aumentam. Pessoalmente, tento compensar a tristeza com a qual lido com tudo isso, com a saudosa memória de outro colega que lia planos de governo dos partidos políticos adversários antes de ler o do seu próprio partido, para desenvolver a crítica do seu ponto de vista.
Some-se a todos os fatores acima a democratização de acesso à voz, a insegurança psicológica cada vez maior, um maior acesso a notícias ou mesmo incapacidade dos indivíduos de simplificar o entendimento do ser humano e seus comportamentos. A solução comum acaba sendo a adoção rótulos e posições nos levando direto a uma vivência tal qual uma novela da Globo: o mocinho e o vilão, o bem e o mal, o certo e o errado, o político perfeito e o pilantra.
O mundo em preto e branco afasta as pessoas, impede que observemos as falhas dos nossos ídolos e faz com que virtudes do outro lado sejam suprimidas, escurecendo o motivo para as diferenças. Queremos convencer, não ser convencidos de nada. Opiniões polarizadas acabam em ódio, revolta ou até violência. A falta do espaço para uma conversa construtiva, amplia as chances de que sejamos massa de manobra de interesses daqueles mais poderosos ou articulados.
Talvez esses sejam efeitos colaterais da digitalização, a serem naturalmente corrigidos nos próximos anos. Talvez as coisas não melhorem. Difícil prever. Sei que preferia viver em um lugar menos binário, com mais cores.
CEO/Presidente | Mentora de Líderes e Coach Executiva Sênior | Consultora de RH Estratégico | Treinamento e Desenvolvimento de Liderança | Docente de MBA/EMBA | Palestrante | Autora: "Líder Ágil, Liderança VUCA" (Amazon)
4 aMais um excelente artigo, Carlos Degas Filgueiras - parabéns! Adorei as reflexões. Sabe, eu também “preferia viver em um lugar menos binário, com mais cores”... Paciência... É o que temos, neste momento tão VUCA, vulnerável e conflituoso da história da humanidade. E tudo isso nos convida a exercitar ainda mais a empatia, a compaixão, a tolerância, a convivência e o verdadeiro amor ao próximo. Amor como verbo e como escolha - e não apenas como sentimento. Um grande abraço!
First Officer / LOSA Observer / Ground Instructor at Azul Linhas Aéreas Brasileiras / ICAO ATPL
4 aUma das maiores crise que vivemos hoje é a crise da informação. Nunca tivemos tanto acesso a tanta coisa, porém de maneira rasa e superficial. A quantidade de informações parece ser mais importante que a qualidade das mesmas. Ótima percepção, Degas!
Manchester MBA | CFO, Board & Startup Advisor | GV Angels | Finance, Healthcare & MSP Ecosystems
4 aDegas, mais um texto espetacular. Muito bem pontuado, além do fato de que os povos latinos geralmente constroem, ao longo da história, a necessidade de criar mitos/heróis e anti-heróis. Parabéns.
Educação Integral • Desenvolvimento de produtos de tecnologia • Gestão de negócios inovadores
4 aGrande, Degas! Excelente, meu caro. Me parece que, na base de tudo o que você tão bem apontou, está o fato de que não fomos formados para lidar com toda essa complexidade social que criamos. Somos frutos de um sistema educacional que busca a padronização e encara o conhecimento como um objeto a ser transmitido, assimilado e repetido. Não surpreende que anulemos a empatia, a criatividade e a capacidade de dar sentido à essa informação que transborda.
Sócio da RGC Invest. Especialista em Investimentos com mais de 15 anos de atuação. Larga experiência acadêmica e atualmente professor do Ibmec nas disciplinas de Estratégia, Negociação e Mercado de Capitais
4 aBela reflexão. A nova dinâmica social superficial e volátil alimentando a polarização!