O mundo paralelo, e a construção da identidade da área de RH

Eu não sei a “idade” da área de RH, mas de maneira empírica, pode-se afirmar que o RH no formato que vemos hoje, indo além das atividades de gestão de folha de pagamento, e contratação de pessoas, é uma área relativamente jovem, comum encontrar decisões jurídicas, campanhas de marketing, livros contábeis, projetos de engenharia, etc. muito mais antigos do que projetos ligados a marca empregadora, people analýtics, cultura organizacional, modelos de avaliação de performance, pesquisas de clima organizacional, etc.

Talvez pela fato de ser uma área jovem, quando comparada as demais, faz com que a identidade da área ainda esteja se consolidando, dito isso, temos aqui um desafio, a construção dessa identidade para a área, não que nossa área não tenha identidade, mas quando comparada a outras, a nossa parece menos pronta, uma das evidências dessa necessidade é que faz décadas que ouvimos falar do tal “RH Estratégico”, tema desgastado e ainda presente, vamos pensar nas demais áreas, é incomum ouvir “TI Estratégico”, “Financeiro Estratégico”, etc.  Quando repetimos excessivamente que necessitamos de um RH Estratégico, podemos estar diante de um dilema, ou já somos estratégicos e não sabemos, porque afinal de contas, uma área ligada à estratégia da empresa, já torna-se estratégica quase que automaticamente, ou, e aqui preocupa, não temos clareza de qual é a estratégia da empresa que atuamos, daí construir o tal RH estratégico é quase impossível.

Ainda na linha da construção dessa identidade para a área, parece que temos uma necessidade intensa de reafirmação do nosso papel enquanto área, e aqui o nosso ego, em alguma medida, pode estar acima do limite, evidência desse ponto, é o número excessivo de eventos e premiações que ocorrem em Recursos Humanos, provavelmente para cada 100 prêmios de Melhor RH, deve ter 1 para Melhor Jurídico, Melhor Compliance, Melhor Operações, etc. no que tange aos eventos, há muito conteúdo de qualidade, entretanto, a quantidade de eventos de pessoas de RH falando para pessoas de RH é interminável, e no final das contas somos “pregadores, pregando para convertidos”, e aqui em tom de ironia, se não quisermos encontrar profissionais de RH, basta frequentar eventos das demais áreas, são raras as nossas aparições em eventos relacionados a áreas de negócio.

Quando cito no título, o “mundo paralelo”, é que frequentemente temos dificuldade em conectar a agenda de RH com a agenda do negócio, essa tarefa não é simples, resultados de negócio são predominantemente objetivos, e parte da nossa agenda é subjetiva, um ponto para reflexão são as campanhas com meses representados por cores, fevereiro laranja, março azul, abril verde, etc. essas campanhas trazem temas relevantes, porém, é necessário gabaritar? quais temas devemos priorizar? em quais deles temos histórias consistentes pra contar? falar de todos esses temas, ao menos em parte,  conversa com as estratégias da empresa? 

A agenda de RH, deve transcender temas específicos de negócio, isso é fundamental, afinal de contas, cuidamos de pessoas, porém, fazer isso em boa parte do tempo, desconecta com a agenda de negócio, e isso pode criar uma percepção que atuamos em mundo paralelo, a empresa vai para um lado, e o RH para outro, demonstrando uma clara preocupação com os problemas do mundo, o que é louvável, porém ignorando temas relevantes do cotidiano de negócio, da mesma forma que dar um mimo em uma data comemorativa pode contribuir para um clima mais agradável, trazer clientes para palestrar e falar porque eles optam por nossa empresa em detrimento de outros concorrentes na semana do cliente que ocorre em setembro, pode ser uma boa pauta na agenda (aliás não precisa ser especificamente em setembro), ou, trazer profissionais do direito para falar aspectos legais que geram impacto no negócio, especialistas em cenários econômicos, para falar de quais tendências da economia podem gerar benefícios ou riscos para o negócio, são alguns dos vários exemplos que conectam agenda de RH com negócio, podemos não ser especialistas nesses temas, porém assumimos um papel de curadoria de uma agenda de negócios.

Desenvolvimento de lideranças, tema primordial nas organizações, é algo em que nós de RH caímos em contradição frequentemente, somos uma das áreas que mais critica lideranças “os líderes não estão preparados” é uma frase que repetimos o tempo todo, fica a pergunta então: Quando eles estarão preparados? Como o RH de fato, pode influenciar de maneira consistente nessa agenda de desenvolvimento de lideranças.  Obviamente o desenvolvimento da liderança, começa com o próprio líder, sendo responsável por buscar boas práticas para o seu aprimoramento, entretanto, em RH propomos treinamentos, competências de lideranças, modelos de avaliação, e se a liderança vai mal, temos a tendência de terceirizar a culpa quase completamente, e nesse caso, seguramente a responsabilidade não é só de RH, mas somos no mínimo co-responsáveis.

Por fim, é notória a evolução das áreas de RH, há gente muito talentosa na área, cuidamos de agendas e temas delicados que muitas vezes ficam longe dos olhos da maioria, não podemos perder a sensibilidade de criar uma agenda que contemple cuidado com pessoas, porém precisamos nos atentar, há um bom espaço para evolução, desenhando nossa estratégia e indicadores conectados verdadeiramente ao negócio, assumindo nossa responsabilidade por projetos que são puramente aspiracionais, porém trazem pouco ou nenhum resultado, e principalmente sair da nossa bolha, conversar com pessoas de outros times, e buscar conteúdos com especialistas de outras  áreas.