O ocaso do Agile Man
Josenildo da Silva, conhecido como Jô, começou a trabalhar em 2001. O bug do milênio havia falhado. Os sistemas estavam ativos. Iniciou suas atividades em TI em uma empresa jovem no centro do país. Na época uma micro-empresa. A segunda coisa que recebeu, após um compêndio das normas da empresa, foi um documento em inglês denominado: O Manifesto Ágil.
Quase nenhum empresa trabalhava de modo ágil na época. Poucas conheciam os princípios, as cerimônias e os valores da aplicabilidade ágil na engenharia de software. As empresas atuavam sob o domínio do CMMI ou da guarda das certificações ISO. Isso quando tinham processos de trabalho definidos e estabelecidos. A maioria não tinha. O país pouco dominava os segredos do foco e disciplina na construção da qualidade em código de software.
Jô, recém formado em Sistemas de Informação, era um felizardo. Iniciara sua jornada em uma empresa inovadora. Disposta a jogar luz sobre os espaços de sombra. Disposta a fazer diferente para entregar mais valor aos seus clientes e aos seus poucos sócios. Jô dividia seu tempo em várias fatias: satisfazer o cliente através de entregas rápidas, atenção continua à excelência técnica, manutenção da simplicidade e da busca pelo valor, e entregar softwares prontos regularmente, em algumas semanas ou meses, com foco sempre na redução do tempo. Ou seja, além de agilidade na ponta dos dedos, ele tinha no sangue os princípios do Agile.
Jô trabalhou duro. Entregou muito software através de diversos Frameworks do Agile. Aprendeu, dominou e ensinou. Colaborou com vários projetos e várias empresas. Estudo e trabalhou no exterior. Foi reconhecido através de vários prêmios. Ministrou palestras brilhantes. Sentiu-se parte de algo. Ganhou maturidade e foi feliz.
Porém, o fato é que o tempo não para. Ele escorre entre os dedos. No próximo ano Jô completa um par de décadas como profissional do Agile. Sente-se ultrapassado. Uma espécie de dinossauro do Agile. Um profissional, que na visão dele, está em declínio, em extinção.
Jô não se julgava idealista, porém como Master Agile Coach detentor dos principais certificados desse ecossistema além de uma ótima visão de negócios, ele também entendia que o rumo atual do mercado de TI com Agile não estava entregando o valor pregado pelo método, e para ele isso era o pior.
Jô sobreviveu aos anos para assistir à metamorfose do Agile. Desiludido, presenciou empresas, ou lideres, distorcerem os princípios do Agile em troca de mecanismos de poder. Vislumbrou situações onde o Agile foi utilizado, por exemplo, para aumentar o quadro de profissionais das empresas em detrimento dos Serviços Gerenciados que deveriam, claramente, ser prestados por fornecedores especializados. Assim como empresas e/ou lideres que se apoiaram no método para retornarem ao passado efetuando contratações desnecessárias no modelo bodyshop. Ou ainda, empresas que se diziam Agile e que, na verdade, estavam longe de executar as boas práticas ágeis. Estavam destruindo o mindset Agile utilizando o que ele chamava de “cascagile” para disfarçar seus processos estruturados em modelo Cascata (Waterfall) em Agile.
Entretanto, a vida seguia. Era uma segunda-feira fresca de outono e Jô estava trabalhando de casa em home office. Lá fora o país estava em sua oitava semana de quarentena devido à proliferação de um vírus, um agente patológico, que entre outras coisas, não permitia que se estendesse a mão ao próximo.
Ele tinha muitas dúvidas e poucas certezas. Por quase vinte anos fez bem o que foi formado para fazer. E agora? Qual seria seu próximo passo? Ele acompanhava bem o crescimento do SAFe no mercado, assim como conhecia bem outros frameworks, mas a aplicabilidade distorcida e equivocada de tudo isso o convencia de que precisava dar o próximo passo em busca de algo realmente inovador e verdadeiro.
Ficaria ele em TI? Onde ficaria ele? Squads de dúvidas ecoavam na sua cabeça. Foi então que Jô chorou. Chorou com as mãos cobrindo o rosto. Jurou não olhar mais para trás. Refez-se. Suspirou profundamente como quem busca um alento na alma. Percebeu que devia seguir em busca de novos desafios.
Jô googlou algo na Internet para distrair a mente e encontrou o blog do jornalista e escritor Juremir Machado da Silva, parou em um parágrafo que dizia: “o trabalho, como se sabe, ou só não sabem os preguiçosos, é estruturante. Além de garantir, ou quase, os meios de subsistência, organiza a vida das pessoas com horários, obrigações, metas, uniformes, ideologias, festas de firma e outras modalidades de administração da mente vadia dos indivíduos. O trabalho não é apenas a venda de uma força produtiva, mas também um sistema de hierarquia social e de controle da energia coletiva...”
Ele sorriu para o texto. Jô sabia que desistir não era alternativa. Sabia que deveria buscar novas oportunidades mesmo que fora do Agile Way. Escutou na Bloomberg que já era seguro sair as ruas. A quarentena, como uma tempestade, havia passado. Olhou pela janela e o sol se fazia presente. Vestiu sapatênis, bermuda e uma camiseta branca que trazia no peito a frase: “Agile is not the same as developing quickly.”
Apanhou o Mac e dois livros. Jogou a mochila sobre os ombros. Saiu para a vida. Não sabia o que queria. Sabia o que não queria.