O Plano 20-30 - Uma aplicação prática dos ODS da ONU
Em 1920, um conhecido jornalista e escritor brasileiro (Lima Barreto) escreveu que “o Brasil não tem povo, tem público”, querendo dizer que os brasileiros simplesmente viam como expectadores as decisões políticas acontecerem. Mas em 2013 o povo brasileiro saiu às ruas iniciando um longo período de grandes manifestações populares para reivindicar protagonismo na condução das decisões políticas no país. Ficou cada vez mais evidente que as pessoas tinham que agir, ter atitude, para evitar que os políticos fizessem o que queriam, geralmente em benefício próprio.
Duas décadas depois da chegada do www na internet as informações do mundo inteiro nos ficaram cada vez mais acessíveis. Nesta época, eu e um amigo, ambos engenheiros, estávamos retornando aposentados para nossa pequena cidade de 40 mil habitantes no interior do Estado de Minas Gerais. Trabalhamos intensamente por mais de 40 anos nas maiores cidades do Brasil, mas agora tínhamos tempo e disposição para ações comunitárias voluntárias.
O mundo estava em paz e se preocupava com as grandes inovações tecnológicas. No Brasil a preocupação era com a corrupção sistêmica do governo, que a cada ano batia recordes, e com a incapacidade gerencial dos gestores públicos. Os bons gestores estavam na iniciativa privada, não queriam saber de participar das ações públicas. A descontinuidade de obras e de estratégias governamentais era, e ainda é, regra geral nas mudanças de governo a cada quatro anos. Em uma democracia dinâmica como a do Brasil a definição de estratégias de governo são focadas no mandato político dos governantes. Os mandatários não tem tempo para pensar em estratégias de longo prazo.
Em 2015 tínhamos conhecimento que pelo menos duas cidades brasileiras já tinham tomado providências para para se prepararem com ações de longo prazo para o futuro tecnológico. A participação estruturada em Conselhos de Desenvolvimento unindo a sociedade civil junto com o Governo Municipal, já dava frutos evidentes nas cidades de Maringá – PR e de Sinop – MT. Nos baseamos nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), instituídos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para preparar uma justificativa para implementar em nossa pequena cidade de Santa Rita do Sapucaí – MG um empreendimento similar aos de Maringá e Sinop.
Dois anos depois foi lançado no Estado de Minas Gerais o Movimento Minas 2032 – Pela Transformação Global, com o objetivo de criar uma comunidade de desenvolvimento intersetorial para a construção de reflexões e ações para promover a consolidação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Este movimento instituía prêmios reconhecendo empresas e iniciativas que trabalham para a construção de um mundo melhor, começando pelas suas práticas, missão e propósito. A cidade de Santa Rita do Sapucaí foi uma das premiadas na categoria “Inovação e Produção Tecnológica”.
Nesta época as pessoas tinham vontade de participar nas decisões públicas, mas a participação era desordenada, através das redes sociais, com muitos extremismo e com muitas notícias falsas. Estávamos vivendo novos tempos, novos comportamentos, novos valores e tínhamos à disposição as novas ferramentas tecnológicas. Vimos uma oportunidade para sugerir um modelo de participação popular organizada e estruturada para colaborar com a determinação das prioridades da cidade, mas para isso era necessário impactar os novos mandatários a serem eleitos na próxima eleição municipal e criamos o projeto preliminar do Plano 20-30.
Apresentamos nossa ideia para a diretoria da Associação dos Amigos de Santa Rita do Sapucaí (AASRS), uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos, com mais de 50 anos de ações na cidade. O assunto foi muito bem recebido pela diretoria. Alguns meses depois nós dois que já pertencíamos ao quadro de associados, fomos eleitos presidente e vice-presidente da AASRS, com apoio para levarmos este projeto à frente.
Em janeiro de 2019 assumimos nossos cargos em uma ampla assembleia, com a participação das principais instituições da cidade e demos início ao cronograma proposto da implementação do projeto do Plano 20-30, com 4 etapas e prazos muito bem definidos, com a participação de pessoas da comunidade. Foi apresentado também um plano de ação incluindo os processos de trabalhos a serem adotados, que foram se adaptando à realidade da participação das pessoas.
Na primeira fase mobilizamos cerca de 100 especialistas em 18 temas, que se dividiram em 90 subtemas, para fazermos um diagnóstico detalhado sobre a realidade do mundo e da cidade em cada um destes temas e indicando oportunidades de melhorias para a cidade. Inicialmente identificamos a aplicação de 9 ODS da Agenda 2030 da ONU em nosso projeto mas ao longo do desenvolvimento do Plano 20-30 verificamos que pelo menos mais 4 outros temas foram incluídos.
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Diagnosticamos cerca de 270 Oportunidades de Melhorias de longo prazo, que poderiam ser implementadas ao longo da década.
Na segunda fase convocamos a população para melhorar e ampliar e combinar as ideias debatidas pelos especialistas. Fizemos uma avaliação dos objetivos, do tipo de ação, e das principais responsabilidades das ações para as Oportunidades de Melhorias sugeridas, e concluímos que:
Nesta segunda fase ainda foram definidos os 20 Objetivos Prioritários de Desenvolvimento da cidade, em função das Oportunidades de Melhorias diagnosticadas.
A terceira fase foi a fase política, que ocorreu nos 2 meses que precederam as eleições municipais de 2020. Foram realizados debates entre candidatos a vereador, com perguntas sorteadas sobre as Oportunidades de Melhorias, e entre candidatos a prefeito, com perguntas sobre os Objetivos Prioritários de Desenvolvimento. Estes debates foram transmitidos por rádios da cidade e pelo canal do Plano 20-30 do Youtube.
Na quarta fase foram analisados os 16 Conselhos Municipais definidos no Plano Diretor do município,10 modelos de participação da sociedade civil nas prioridades de desenvolvimento municipal e 5 exemplos reais de sucesso. Elaboramos uma sugestão do modelo e das etapas para a implementação de uma “Agência de desenvolvimento para melhoria do IFB – Índice de Felicidade Bruta” para a cidade. Nossa opção foi a adoção do modelo já aplicado na cidade de São João da Boa Vista - SP com adequações considerando as características de inovação e empreendedorismo de “Cidade Criativa – Cidade Feliz” de Santa Rita do Sapucaí.
Cumprindo o cronograma inicial, em dezembro de 2020 entregamos a documentação do Plano 20-30 ao Prefeito em um volume de mais de 400 páginas com os relatórios das quatro fases do projeto, vários relatórios específicos e anexos explicativos. Registro o falecimento de meu companheiro na idealização deste projeto, Antônio Carlos Moreira Goulart, dias depois deste evento. A próxima etapa seria realizar uma reunião ampla com as instituições da cidade: poder público, academia, empresariado e organizações sociais para apresentação do projeto e avaliação da implantação da Agência de Desenvolvimento.
A pandemia não causou muitos atrasos mas a criação pelo Governo Estadual em janeiro de 2021 do Parque Tecnológico Municipal foi um acontecimento positivo mas inesperado, que provocou mudanças de planos. A Associação dos Amigos de Santa Rita do Sapucaí foi convidada para participar do Conselho Administrativo do Parque Tecnológico Aberto, cujo modelo foi um dos estudados na quarta fase por não abranger vários aspectos sociais.
Em 2022 retornamos a avaliação da viabilidade de implementação da Agência de Desenvolvimento, adequada à nova situação, e percebemos que várias ideias coletadas na fase 1 do projeto do Plano 20-30 foram iniciadas de maneira espontânea.