O potencial funcional e comercial de inoculantes micorrízicos
As plantas estabelecem diversos tipos de associações simbióticas durante todo o seu ciclo de vida. Entre essas associações, destacam-se as associações micorrízicas, formadas por vários grupos de fungos do solo e as raízes das plantas. A associação micorrízica mais comum na natureza é a micorriza arbuscular (MA) formada entre os fungos micorrízicos arbusculares (FMAs) e 72% das espécies de plantas. Esses fungos são componentes das comunidades microbianas do solo e são encontrados tanto em ecossistemas naturais (florestas, campos) como em sistema agrícolas (plantações de milho, soja, sistemas agroflorestais). Os FMAs são simbiontes obrigatórios, ou seja, eles precisam estar associados a uma planta para poderem crescer e formar as estruturas de reprodução.
Como então que uma espécie de FMA coloniza uma planta e uma MA é estabelecida? Vamos considerar que uma semente germine e começa formar raízes no solo. Essas raízes emitem sinais moleculares que ativam as estruturas dos FMAs que estão no solo. Essas estruturas, que podemos nos referir a elas como propágulos, são os esporos, as hifas dos FMAs no solo e o micélio presente dentro de pedaços de raízes finas. Os sinais moleculares dessa raiz jovem da planta induzem a germinação dos esporos e do crescimento das hifas do FMAs no solo em direção a sua superfície. Uma vez na superfície, o fungo penetra a epiderme da raiz e cresce em direção ao córtex. No córtex, os FMAs formam o micélio interno, as vesículas e os arbúsculos, esses últimos o local de troca de nutrientes entre a planta e o fungo. Após a colonização na raiz atingir um certo nível, as hifas dos FMAs crescem pra fora da raiz, formando o micélio extraradicular, uma rede micelial que explora o solo para captura de nutrientes, principalmente o fósforo. Neste caso, o fósforo é transportado do micélio extraradicular para as raízes das plantas e fornecido para a planta. Em troca, a planta fornece os açúcares necessários para o fungo crescer e se reproduzir.
Uma característica incrível e que chama a atenção é que a simbiose MA pode ser considerada multifuncional, ou seja, ela desempenha diferentes funções que beneficiam a planta e o solo como um todo. O principal papel atribuído a MA é sem dúvida o aumento na absorção de nutrientes minerais como o fósforo (P) e o nitrogênio (N), refletindo geralmente no aumento da biomassa vegetal, conteúdo de nutrientes e produtividade. Por exemplo, estudos de inoculação com plântulas de café demonstraram aumento na produtividade de 1300 Kg por hectare após 6 anos das plantas a campo, o que correspondeu a um aumento no lucro da colheita de US$ 5.000. Experimentos com milho demonstraram que a MA pode suprir até 80% das necessidade de P da planta e 25% das demandas de nitrogênio. A inoculação com FMAs em espécies arbóreas pioneiras, frequentemente usadas na recuperação de áreas degradadas, podem aumentar a produção de biomassa entre 60-90% comparado com plantas não-inoculadas. Esses dados, quando considerados em conjunto, mostram o alto potencial que a inoculação com FMAs tem para aumentar biomassa e produtividade vegetal e ao mesmo tempo diminuir a dependência por insumos químicos nos sistemas agrícolas e florestais.
Além do benefício nutricional, o qual é importante e desejável principalmente para plantas de interesse agrícola, os FMAs podem prover benefícios não nutricionais para as plantas hospedeiras e contribuir para a saúde do solo. Os FMAs podem aumentar a resistência das plantas a estresses bióticos como patógenos do solo e herbívoros ou abióticos, como seca, salinização ou presença de metais pesados. Além disso, os FMAs secretam a “glomalina”, uma proteína que aumenta a estabilidade dos agregados do solo e a retenção de água no solo e modificam o metabolismo e fisiologia da planta hospedeira, podendo assim interferir na qualidade das plantas para a saúde humana. A rede micelial externa produzida pelos FMAs também influencia as comunidades microbianas no solo e que possuem papel importante no aumento da produtividade vegetal. Assim, os FMAs e a simbiose MA despertam interesse visto sua importância para uma agricultura sustentável e menor dependente de fertilizantes químicos.
Devido a esses numerosos benefícios da MA, o desenvolvimento de inoculantes comerciais a base de micorriza tem crescido marcadamente no mundo todo. O aumento da população global com a correspondente demanda por alimentos e a preocupação crescente pela preservação do meio ambiente tem aumentado a necessidade do uso de biofertilizantes. Os biofertilizantes, especialmente aqueles a base de micorriza, estão se tornando parte integrante de sistemas agrícolas sustentáveis e são componentes chaves na agricultura orgânica por manterem a saúde e fertilidade do solo por longo tempo. Existem pelo menos 70 inoculantes a base de micorriza produzidos em países como EUA, Canadá, Chile, França, Israel, Itália, México, Holanda e Espanha. Esses produtos contém espécies de FMAs geralmente pertencentes a família Glomeraceae e um terço dos produtos contém o fungo Rhizophagus irregularis. No Brasil, os inoculantes a base de micorriza são comercializados a pouco tempo e ainda temos poucos produtos disponíveis, cenário esse que deve mudar nos próximos anos com a diversificação dos produtos oferecidas por diferentes empresas. Deve-se lembrar que o Brasil possui um histórico de 45 anos de pesquisa com micorrizas em sistemas agrícolas e florestais, em ecossistemas naturais e em áreas de recuperação ambiental, o qual deve ser usufruído neste momento em que inoculantes a base de micorrizas tornam-se uma realidade no mercado brasileiro. O sucesso no uso de um inoculante a base de micorriza vai depender, com certeza, da interação que deve acontecer entre as empresas que comercializam o inoculante, as Universidades e Instituições de pesquisa e os agricultores e viveiristas que utilizarão o produto.
Nessa interação com a Universidade, chamo a atenção para o papel das coleções biológicas de FMAs no Brasil. A Coleção Internacional de Cultura de Glomeromycota - CICG (www.furb.br/cicg) é a segunda maior coleção viva de FMAs no mundo, contando com 180 isolados fúngicos, pertencentes a 45 espécies. O papel da CICG vai além de multiplicar e preservar isolados de FMAs provenientes principalmente de ecossistemas brasileiros. Neste novo mercado de inoculantes a base de micorriza do Brasil, a CICG pode servir de repositório confidencial durante a tramitação do produto no MAPA, pode avaliar a pureza do inoculante micorrízico bem como confirmar a identidade taxonômica da(s) espécie(s) presente no inóculo. Além disso, testes do inoculante quanto a velocidade de colonização micorrízica e do potencial de inóculo micorrízico podem ser realizados. Mantendo diferentes isolados de FMAs provenientes de sistemas agrícolas e naturais de todas as regiões brasileiras, a CICG possui germoplasma para ser prospectados e utilizados como componentes de futuros inoculantes comerciais a base de micorriza.
Sidney L. Stürmer
Professor da Universidade Regional de Blumenau
Curador da CICG
Muito bom É o conhecimento de base sólida que construímos, agora alimentando novas tecnologias que viabilizam o uso desses fungos na agricultura. Cabe destacar também as inúmeras possibilidades de manejo dos fungos micorrizicos nativos do solo. As micorrizas são importantes componentes da saúde do solo e da agricultura regenerativa.