O PRINCIPIO DA INCERTEZA
Os processos de nomeação de gestores para a coisa pública, tem vindo a evoluir no sentido de uma cada vez maior politização, sendo que não tem em conta o facto dos partidos estarem cada vez mais desfalcados de pessoas e conhecimento da realidade, pelo fosso que se tem cavado entre leitos e eleitores. Digo leitos e não eleitos, porque a sensação que tenho em relação à escolha de pessoas para esses órgãos, é que depende mais da forma como lidam com a cama onde se deitam do que em função do conhecimento e muito menos da competência, das personalidades que são sistematicamente convidadas para os órgãos de gestão.
Uma organização de saúde, em particular um hospital, é um sistema de tão grande complexidade que a nomeação de gestores deveria passar pela definição de um perfil mínimo onde encontrássemos competências(o que faz, porque faz, como faz, onde faz, para quem faz, com quem faz- o que se vê) na área dos sistemas e não apenas a prova das cotas pagas ao partido ou partidos, que suportam um determinado governo.
Por exemplo, qualquer pessoa minimamente letrada na área da gestão sabe que só conseguirá qualquer coisa, se envolver os seus colaboradores. Como é possível nomear pessoas sem que os colaboradores de uma organização hospitalar sejam minimamente tidos em conta? Como podem esperar que os colaboradores apoiem pessoas estranhas à sua organização, cultura, e história? Como podem nomear pessoas para um órgão colegial, administração, que não se conhecem entre si e ao aceitarem é um ato isolado logo egoísta? Como podem esperar que uma organização mude, apenas porque se altera o decreto que a designa? Como podem esperar confiança/segurança dos clientes se mudam o nome constantemente? Como podem esperar resultados diferentes se o processo da tomada de decisão assenta nos mesmos processos e pessoas? Como podem esperar otimização de custos se os colaboradores não reconhecerem competência aos gestores?
Estas perplexidades seriam coisas de valor mínimo se não custassem ao bolso dos contribuintes fortunas colossais. Por exemplo, alguém já se interrogou sobre o motivo que leva todas as organizações a apresentarem o relatório e contas, todos os anos, em formato diferente? Ou seja, as rubricas de um ano mudam, para o outro? No mínimo para esconderem a sua gestão. A razão é que a gestão da coisa pública (res-publica) não é assumida como a gestão do dinheiro alheio, mas como o dinheiro de ninguém e esta cultura de usar o que é do Estado como não sendo de alguém, leva a que as entidades públicas sejam um vazadouro de dinheiro em quantidades astronômicas, sem que se responsabilize nada nem ninguém.
A responsabilização dos gestores e governantes, tem de ser uma realidade numa sociedade minimamente desenvolvida, onde a participação dos cidadãos deve ser tida como um ato normal e não de intromissão no templo sagrado da vigarice e da aldrabice em nome de um bem maior.
Aqui há uns anos um governo decidiu fazer uma coisa engraçada: pagar principescamente, no fundo, o que o funcionário pedisse desde que fosse médico. O que resultou? Uma divisão entre os milionários e os outros. Note-se que isto foi feito num ambiente de estímulo à abertura de hospitais ditos privados (como já vimos em escritos meus anteriores, isso é treta) e teve como consequência que nos outros ficaram aqueles que descontentes com essa decisão da administração, se prontificaram a sair do setor publico para o dito privado. E porquê? Porque a decisão de premiar uns com contratos milionários, blindados, criou um clima de favorecimento sem sentido no seio da organização. Pergunta-se, porque é que a uso de dinheiro público não é publicitado? Porque é que as decisões dos responsáveis não são objeto de apreciação pelos cidadãos? Porque é que os representantes da comunidade, que são lugares inerentes a escolher de entre os eleitos para os municípios, não têm poder de auditoria e de veto sobre decisões que comprometem o futuro das organizações públicas e muitas vezes prejudicam a saúde das populações?
No século XXI sabemos que a transparência e accountability são condições base para um serviço público de qualidade. Existindo um número elevado de profissionais internos ao Sistema de Saúde, com formação, competências e prática em gestão estratégica, porque é que se continua a recorrer a pessoas estranhas ao bem público? A política deveria ser a defesa do bem comum, mas é cada vez mais a defesa dos bens de uns quantos em prejuízo da grande maioria da população e assim não será possível alguma vez aspirarmos a um sociedade mais justa e menos excluidora.