O professor mochileiro e o passeio pela aprendizagem significativa
No turismo, existe aquela famosa diferença entre o turista e o mochileiro. O turista planeja tudo certinho antes de viajar, vai nos lugares “pra turista”, leva malas e malas de roupas e acessórios, cumpre um roteiro bem definido. Já o mochileiro leva o fundamental, entra na cultura local, não tem roteiro definido, abraça a cultura real dos locais que visita.
Dizem que para o turista a melhor parte da viagem é a volta, o retorno para seu mundo particular. Já o mochileiro vive sempre pensando em viajar, viajar…
Metaforicamente, posso dizer que exercer a docência é para mim uma espécie de caminhada, e que nesse caso eu seria um professor mochileiro. Leciono desde 2007, e desde 2009 venho trabalhando com metodologias ativas. Vou aprendendo a cada passo, a cada esquina que preciso decidir os rumos de um projeto, de uma avaliação. Movido por uma certa dose de inconformismo com os modelos pedagógicos que ainda insistem em práticas excessivamente conteudistas, sondei e descobri outras formas de viagem, digo, aprendizagem. Cansei dos mesmos roteiros manjados pra turistas.
Posso dizer que nesses oito anos de caminhada venho guardando em minha mochila alguns recursos didáticos ligados às metodologias ativas. Abandonei as pesadas malas de conteúdo, para levar recursos e metodologias que são realmente úteis. Preciso abrir agora minha mochila e apresentar a vocês algumas coisas que aprendi com as metodologias ativas. Pode ser útil tanto para alunos quanto para professores.
Essas ferramentas estão muito longe de serem “verdades”. Não me apoio cegamente em nenhuma delas, mas admito que me ajudam a nortear meus passeios de aprendizagem ativa, bem como me auxiliam na leitura e percepção de meus alunos. Vamos a elas.
Saber para onde se vai, onde se quer chegar e como ir é fundamental. Mas não caminho sozinho nunca. Portanto, é preciso urgentemente incluir o aluno nos processos de planejamento de aula. Demorei um bom tempo para perceber que a autonomia do aluno, que eu tanto almejava, começa no primeiro dia de aula. Ali, criamos um pacto, no qual as responsabilidades e compromissos são assumidos, em grande parte, porque se tratou de uma decisão deles e não de uma imposição do professor. A educação é uma viagem que não pode ser forçada, imposta. Se assim for, você estará “disciplinando” pessoas infelizes, que não queriam estar ali.
Já acostumados a serem forçados, enfrento resistência cultural por parte de alguns alunos. Afinal, eles foram programados durante todo o ensino fundamental e médio a se comportar como alunos que só querem passar de ano, que só fazem os trabalhos porque são mandados, que colam na prova por se acharem espertos. São como turistas tradicionais, presos a um guia turístico e a um roteiro sem muito significado para eles. Tirá-los desse teatro e apresentá-los ao mundo de responsabilidades e de autonomia é um de meus desafios. A maioria, felizmente, quando se percebe agindo diferente, podendo exercer mudanças por meio da autonomia que lhe é dada, sente-se mais disposta a vir às aulas.
Alguns professores não conseguem trabalhar de forma sistêmica, só analítica. Assim, esse professor só sabe preparar aulas analíticas sem a participação dos alunos, que se tornam meros ouvintes passivos. Como o professor vai sair do pedestal de “dono” do conhecimento e dividir com os alunos a autoria de seu planejamento de aula? Eis aí um belo desafio de superação de resistências culturais. Eis aí uma das grandes chaves da aprendizagem significativa. Esse pressuposto é o meu canivete suíço. Uma ferramenta fundamental de minha mochila. Resolve muitas coisas antes mesmo de começarmos a caminhada.
Venho percebendo também que o espaço de sala de aula é um tanto quanto restritivo. Portanto, convido o aluno a realizar atividades fora do espaço e do tempo clássicos de aula. Minha experiência mostra que quando os alunos (principalmente os de administração) vão às empresas, quando organizam eventos, projetos sociais, planos de negócios, todo esse contato externo com o mercado e com outros profissionais é altamente encorajador para eles, que conseguem fazer pontes de significações entre o que aprendem em sala de aula e o que acontece no mundo lá fora. É preciso que eles caminhem por si só, que descubram esses caminhos, mesmo que se percam inicialmente. É a diferença entre saber usar uma bússola ou ficar preso a um único percurso em um mapa.
É preciso organizar os alunos em equipes colaborativas e interdependentes. Viajar sozinho é legal, mas em turma você está melhor amparado. Ainda que em determinados momentos possa haver competição, a colaboração e dependência entre equipes aumentam as tensões entre as diferentes partes. Isso me levou a outro pressuposto, que é o…
Estímulo à liderar e ser liderado. Quando há funções, regras e metas claras para os grupos, é estabelecida uma relação de liderança. Os alunos precisam superar a barreira do coleguismo, passando a exigir e serem exigidos, cobrados. Não somente pelo professor, mas entre eles! Nesses momentos é comum existirem atritos, desgastes, conflitos comuns em qualquer organização. Ou seja, mundo real – quem vai resolver, quem vai propor soluções? Os alunos percebem que seu trabalho está encadeado com os demais, e que o compromisso acordado no início das aulas é bem mais sério do que uma prova, ou um trabalho individual.
Essas experiências são mais significativas que as tradicionais provas e trabalhos escolares. Portanto, é preciso urgentemente mudar o conceito de notas para o conceito de portifólio. Ao final da graduação, as notas que foram tiradas em cada disciplina não são de fato a coisa mais importante para o futuro profissional, assim como as fotos são recordações legais da viagem, mas o que interessa mesmo são as lembranças e o que se aprendeu na viagem. Nenhuma empresa vai contratar um profissional inexperiente baseado em suas notas. Quatro ou cinco anos de graduação passam voando, e o que conta mesmo é a quantidade de eventos participados, concursos ganhos, projetos desenvolvidos, trabalhos profissionais realizados, enfim, o que o aluno fez com seu estudo, e não somente se ele estudou. Com isto, reafirmo a importância da teoria, mas enfatizo o valor fundamental da prática. Portanto, sugiro como grande desafio para as escolas e universidades a adoção do conceito de portifólio/currículo/network. E se perguntem – o que cada aluno pode fazer para a sociedade antes mesmo de se formar? Como isso poderá mudar profundamente sua relação com o mercado? Que benéficas transformações humanas e profissionais impactarão o aluno?
Outra ferramenta indispensável na mochila de qualquer professor seria a adoção de projetos integradores e de produção de conhecimento junto com as monografias. Tenho cansado de ver alunos assustados com o TCC, com o trabalho de conclusão de curso. Muitos percebem-se incapazes de ler, interpretar, citar, usar a norma acadêmica, entender a metodologia científica. Tratam esse trabalho como algo difícil, importante, quando em verdade não deveria ser nada demais escrever algumas dezenas de páginas. A não ser que o aluno já vislumbre um mestrado, onde já escreve a monografia pensando em ampliá-la, verifico que na maioria dos casos a monografia (ou o relatório de estágio) pouco serve para o aluno. O aprendizado fica pelo “esforço” que foi feito para conseguir escrever à moda acadêmica. Está mais do que na hora de adotar o conceito de portifólio, e ao final do curso, aluno ou equipes serem capazes de realizar algo muito mais grandioso.
Sim, é necessário saber ler e interpretar textos, faz parte de qualquer atividade intelectual. Por isso mesmo recomendo urgentemente a adoção de disciplinas de metodologia da pesquisa logo nos primeiros semestres do ensino superior. Nada contra a metodologia científica, mas para que enfatizar a normatização de um conteúdo que não se sabe pesquisar e produzir? Cada coisa no seu tempo.
Portanto, dentro da perspectiva de uma construção de portifólio, é preciso reavaliar o trabalho final de graduação. Façamos desse trabalho a abertura de empresas, a realização de projetos e eventos, a ajuda à sociedade por meio de projetos sociais, a invenção de recursos e novos métodos, a criação de novas soluções. Aliado a este objetivo, escrever academicamente a respeito dessas atividades fará muito mais sentido, justificando a aprendizagem significativa e a reflexão teórica sobre práticas reais.
Bem, dito tudo isto posso propor uma caminhada diferente para a educação. Por mais que procure planejar ao máximo os objetivos e riscos de um planejamento docente, sei que serei(emos) tolhidos pelo mundo sistêmico. Algum aluno certamente irá me mostrar outras formas de fazer o mesmo caminho, e não desejo me fechar a isso. Essas rotas podem ser paralelas, convergentes, podem encontrar-se em alguns pontos, podem andar juntos o passeio todo.
Com isso quero defender a abordagem sistêmica, e criticar a abordagem excessivamente analítica. Quero que haja colaboração e interdependência real entre os professores também. Afinal, tudo que escrevi aqui serve para alunos e professores, como equipe que são. Lecionar é um processo, uma construção, uma caminhada. Aprender também. Como professor, eu sei de onde partir e sei onde quero chegar. Mas não quero obrigar os alunos a seguir um único trajeto. Seria tolher a sua criatividade e tirar a chance deles aprenderem a caminhar por si só.
Sei que muitos estranharão essa “liberdade excessiva”. Normal. Estou acostumado com o tremendo esforço analítico de boa parte dos professores. Sei que para muitos essa atividade representa a “essência” de ser professor. Mas dizem também que parte do encanto de se passear pelas vielas de Veneza é se perder por elas. Pois bem, há diferentes modos de se chegar a um destino em Veneza. Cada um contém um aprendizado. Nem sempre o menor trajeto é o melhor, porque há muita beleza e história em cada um daqueles caminhos.
Enfim, esses são alguns recursos que levo na minha mochila de ferramentas em minhas caminhadas como professor. A cada semestre aprendo e coleto recursos, mudo algumas ferramentas e me liberto de bagagens desnecessárias. Engraçado, a mochila não fica mais pesada, pelo contrário. Sinto-me mais leve e mais confiante para mostrar para os alunos que eles precisam fazer essa caminhada, que não posso caminhar por eles, mas que iremos juntos descobrir algo novo. Não tenho medo de mudar o percurso no meio do passeio.
O melhor acontece quando os alunos descobrem ou criam seus percursos, e a mim cabe admirar a riqueza de possibilidades que eles descobriram, pois aí percebo que eles desenvolveram outras habilidades e competências além das que eu havia planejado. E assim descubro com eles novas rotas de significação e novos caminhos para a autonomia do aprendizado.
Por Daniel Boppré
Professor na UNESPAR - Universidade Estadual do Paraná
4 aExcelente artigo!