Tecnologias móveis e Educação à Distância: um universo de interações
A Educação à Distância (EaD) encontra no Brasil um terreno fértil e promissor. De fato, somos um país que possui menos preconceitos em relação ao mundo digital, se compararmos com outros países mundo afora. Também é possível explicar o sucesso da EaD no Brasil pela dificuldade de acesso à educação superior formal gratuita, bem como pela acessibilidade que os valores praticados na modalidade à distância oferecem.
Dessa forma, temos acompanhado a evolução de algumas novas profissões e carreiras dentro da EaD, como a figura do professor-autor de livros didáticos, do designer instrucional, designer educacional, desenvolvedores de jogos e audiovisuais educativos, bem como o surgimento de novas empresas de tecnologia educacional voltadas à produção de conteúdos e recursos digitais de aprendizagem.
Na virada do milênio, a EaD surgia no Brasil por meio de videoconferências. Isso exigia uma estrutura dispendiosa, envolvendo estúdios de televisão, links com satélites, infraestrutura de transmissão e recepção, o que configurou o primeiro período da educação à distância. Como era a interação entre alunos e professores nesse período? Seguia ainda os métodos de sala de aula, com a leitura verbal e corporal do professor por parte do aluno, bem como a troca de questionamentos e respostas, por meio de vídeo.
Com a popularização da Internet, o incremento da banda larga, bem como a consolidação de alguns LMS open source, presenciamos o segundo período de expansão da EaD. Sendo mais acessível, mais simples e barata, tivemos um aumento considerável na oferta de cursos EaD, sejam estes de nível superior ou profissionais. A normatização e validação da Educação à Distância, por parte do MEC, ajudou a solidificar sua prática no país. A base da EaD hoje, em 2015, ainda é estruturada em LMS e AVAs. E como se dá a interação entre professores, tutores, alunos e tecnologia?
Inicialmente os recursos disponíveis consistiam em troca de mensagens, e-mails, fóruns, chats, disponibilização de PDFs e apresentações lineares. Prevalecia a mídia texto. Gradativamente vídeos foram inseridos, e os materiais lineares encaminharam-se para um interfaceamento mais visual e “amigável”, com ênfase para o aspecto dialógico, a conversação e o uso de personagens virtuais que tornassem a recepção dos conteúdos mais agradável.
Aos poucos também foram introduzidos jogos e simuladores digitais educativos, estimulando um pouco mais a interatividade e uma aprendizagem menos linear e mais contextualizada. Em 2010 o MEC reforça a necessidade de inserir recursos digitais mais atraentes, com a normalização dos OEDs (Objetos Educacionais Digitais), que deveriam ser ofertados ao ensino médio, complementando livros e sala de aula.
Nesse período também assistimos ao crescimento da computação móvel, por meio de tablets e smartphones. As tecnologias de responsividade (que é a capacidade de uma interface digital se adaptar a diferentes ambientes, sistemas e dispositivos) tornaram o desafio da educação digital mais complexo. Mais do que isso, a mobilidade trouxe novos e instigantes desafios em aprendizagem ubíqua.
Estamos saindo de um modelo fechado de LMS, com recursos pouco interativos e sociais (se comparado ao mobile learning) para um modelo ubíquo, contextualizado, onde existe maior flexibilidade e autonomia do aluno em seu processo de aprendizagem.
E qual a interação que os dispositivos móveis nos proporcionam para a educação? Em primeiro lugar é preciso verificar que a ideia de interação em educação é muito mais complexa e rica do que interações processuais. Por exemplo, a interação de uma relação comercial à distância pode ser mapeada em algumas etapas e procedimentos. Nesse contexto, podem existir inúmeras formas de interfaceamento dessa interação.
Mas analise a importância da interação na educação e você perceberá que não podemos mais reduzir a experiência da aprendizagem a um percurso linear e fechado. Marc Prensky, em seu livro “Aprendizagem baseada em jogos digitais”, contextualiza uma séria de teorias de aprendizagem, enfatizando que não há uma linha única de percurso. Para ele, a aprendizagem é um processo rizomático. Ela acontece de várias formas, entre as quais ele cita algumas:
- Quando alguém está empenhado em atividades desafiadoras
- A partir da observação de pessoas que respeitamos
- Por meio da prática
- É um processo não-linear de desenvolvimento
- É uma atividade social
- Diversos sentidos devem estar envolvidos
- Por meio de feedbacks
- Por meio de narrativas
- Enquanto se trabalha ou se diverte
- Por meio de orientação
- Quando for significativa para o aluno
A transposição de teorias de aprendizagem para o universo EaD é uma das funções do designer educacional. Atualmente, há um entendimento que é preciso oferecer variedade de interações para tornar o aprendizado mais “rico”. Confunde-se interação com aspectos não-lineares de interatividade local de um objeto educacional. Mas uma maior oferta de “interatividade” não garante de fato um aprendizado consistente.
O design de interação é uma área ainda pouco explorada na EaD. Ela parte do estudo das relações entre os diferentes personagens envolvidos em um determinado processo, para daí verificar que interfaceamento pode representar digitalmente a síntese desse processo, evitando percursos e cliques desnecessários, tornando a interação mais intuitiva e amigável possível. Mais do que isso, a própria interação (o desenrolar do percurso) é tão importante quanto o destino final.
Em tempos de mobile learning, a interação ocorre entre dispositivo e aluno, entre professores-tutores e alunos, e também entre alunos, contextualizados pelas diferentes geolocalizações, pelos inúmeros recursos que diversos aplicativos (não educacionais) oferecem, pela capacidade do aluno produzir mídia, informação e conhecimento, bem como pela riqueza de interações interpessoais e também pelo aprendizado informal. Não há interação ou percurso didático capaz de provocar insights, por exemplo. Isto porque em educação nem tudo pode ser racionalizado, sistematizado. É preciso acompanhar o aluno de modo a avaliá-lo não pelas respostas em provas ou trabalhos, mas de modo a conhecer o seu desempenho e desenvolvimento. E isso requer visão de síntese, além da analítica.
É preciso entender que o aluno desenvolverá um percurso, e que este percurso didático não pode ser totalmente planejado. Será preciso respeitar as particulariedades de cada um, sabendo utilizá-las a favor do aluno. De fato, existem percursos e interações básicas, das quais não se pode abrir mão. Mas como aproveitar o contexto de cada aluno? Sua cultura, sua localização, seus amigos, suas preferências? Não há como se desvencilhar disso. Ignorar o contexto do aluno não será mais possível na aprendizagem ubíqua e móvel.
A educação é o campo das interações, por excelência. Não das interações totalmente mapeadas, lineares, conteudistas. Esse foi o cenário da EaD da década passada. Agora, com a educação móvel, precisaremos ressignificar o universo do aluno para oferecer-lhe liberdade de aprendizagem em um universo de interações.
por Daniel Boppré - Gerente de Projetos no Contexto Digital