O Profissional de Crédito pode ter o nome sujo?

O Profissional de Crédito pode ter o nome sujo?

Uma das primeiras perguntas que fizeram antes de eu ser aprovado para uma vaga na área de crédito foi: Possui algum restritivo ou CCF (registro no cadastro de cheques sem fundos) em seu nome?, eu tinha 17 anos, zero relacionamento creditício, nunca tive um talão de cheques (sequer sei como preencher um) na época também não tinha cartão de crédito, minha família sempre comprou tudo à vista, quando criança nunca vi carnês ou parcelamentos, algo raro para quem cresceu na periferia paulistana, minha resposta era fácil: NÃO!.

Questionei o motivo da pergunta, meu primeiro líder no mundo de crédito (até hoje meu mentor) sinalizou que se tivesse o nome sujo ele não poderia seguir com o processo de contratação, também me deu o primeiro aviso: “Nunca tenha o nome sujo, agora você é um profissional de crédito”, como adolescente e primeiro trabalho com crédito não tinha a menor ideia do motivo do aviso em tom imperativo, e respondi com medo: OK.

“Nunca tenha o nome sujo, agora você é um profissional de crédito”

Ter um restritivo ou o famoso “nome sujo na praça” ocorre ou deveria ocorrer quando deixamos de pagar nossas dívidas, ao dever para um banco ou comércio as instituições se conveniam a bureaus de crédito e registram os dados do inadimplente como um devedor, assim o mercado antes de confiar produtos e serviços financeiros a um cliente, consultam esse cadastro para entender se o cliente paga suas dívidas, tal informação é utilizada no suporte à decisão de novas operações como: Empréstimos, Financiamento ou aprovações de produtos e serviços financeiros. (sim eu sei que há mais detalhes envolvidos mas fica para outro artigo).


O profissional de crédito é humano, não pode falhar?

Problemas, descontroles e apertos financeiros todos nós estamos sujeitos, empresas e pessoas, porém quando tratamos de profissionais que lidam com a aprovação de crédito a coisa se complica um pouco, vamos entender o motivo avaliando outros tipos de profissionais.

É aceitável que um instrutor de direção tenha sua licença caçada por má conduta ao volante? E mesmo assim continuar a instruir direção? Você pode dizer: o quê uma coisa tem haver com a outra? o fato de ser um mal condutor não implica que seja um mal instrutor.

Você contrataria uma pessoa com hábitos de higiene duvidosos, que tem suas roupas sempre sujas, para falar de limpeza e higiene pessoal? Você pode insistir, o quê uma cois tem haver com a outra? O fato de estar sempre sujo e com roupas imundas não implica a falta de amplo conteúdo de higiene certo?.

Podemos confiar em um influenciador que fala sobre o amor aos animais, porém maltrata seus próprios? Afinal o quê uma coisa nada tem haver com a outra? O fato de falar de amor não quer dizer que tenha de seguir correto?

O ponto aqui é a incoerência do discurso e atitudes, como um profissional que está impedido de ter crédito por ter restritivos (causados por diversos fatores que não cabem aqui), ser a mesma pessoas que impede clientes de terem acesso a crédito? Se o profissional não é capaz de agir para si com a mesma coerência que age para os clientes temos algo para educar.

Não podemos bater no peito falando de educação financeira se o próprio mercado financeiro for mal educado, dado que não aceitamos isso nas demais profissões por quê o time de crédito deveria ser tratado diferente?

...por quê o time de crédito deveria ser tratado diferente?

Grandes bancos tem essa normativa, não apenas para contratar profissionais do crédito, mas todos os profissionais, independente de sua função a instituição busca ser coerente com o que faz (pelo menos em 4 grandes que tive oportunidade de trabalhar), quando migrei para o mundo de startups vi muitas delas negligenciarem também esse ponto (além de outros), certa vez ao propor isso em uma startup notei um sério incomodo no time de recursos humanos (e ao avaliar os CPFs dos funcionários 15% do quadro tinham sérios problemas financeiros), podemos aceitar um mal comportamento de crédito e falta de educação financeira, de quem avalia nossos clientes? Isso é aceitável em quem discursa sobre melhorar e democratizar crédito e serviços financeiros?

Afinal o que uma coisa tem haver com a outra?


Nota: Certa vez ao visitar um cliente, recebi a seguinte pergunta: "O bureau para quem você trabalha negativa o próprio CNPJ por estar devendo no mercado?"

- Perguntei em seguida: "Estamos devendo vocês?"

- "Sim" respondeu o cliente, "por isso gostaríamos de registrar vosso CNPJ na lista de maus pagadores".

Fiz um aceno de sorriso nos descontraímos um pouco e saí da visita pensativo em uma frase em inglês que diz "Walk the talk" em livre tradução "Faça o que você fala!"

maria cecília cominato

arquiteta urbanista | COVISA - SMS / PMSP

1 m

Adorei o texto, Samir, você escreve muito bem, pois prendeu minha atenção até o final. Além disso, a ilustração é genial, gostei demais, por ser muito coerente à mensagem. Concordo sobre a coerência ser fundamental, apesar de reconhecer ser um tanto difícil às vezes, devido às falhas humanas. E entendo que a situação descrita implique em um certo "conflito de interesses". Mas, não pude deixar de pensar que, talvez, uma pessoa que já tenha tido o "nome sujo" saiba das dificuldades e angústias decorrentes dessa experiência e, por isso mesmo, seja a pessoa melhor indicada para orientar futuros devedores sobre como não cair nessa armadilha. As experiências, negativas ou positivas (mas principalmente as negativas) sempre ampliam nossa visão para além das teorias e preconceitos.

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