O quarto mandamento
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O quarto mandamento

Howard Gleckman escreveu para a Forbes um artigo intitulado It Is About Respecting Aging Parents, But How Do You Do It?, sobre o que fazer para respeitar nossos familiares quanto as questões que envolvem sua longevidade.

Para cristãos e judeus, o ponto de partida é o quinto mandamento na Bíblia hebraica, o quarto da Bíblia católica, geralmente traduzido como "honre seu pai e sua mãe". Mais tarde, no livro de Levítico, somos instruídos a "respeitar nossa mãe e pai".

O Alcorão diz: “Se um ou mais atingem a velhice em sua vida, não diga a eles uma palavra de desprezo, nem os repelam, mas fale-os em termos de honra.” Os hindus são ensinados a “servir” seus pais, especialmente em velhice. O budismo ensina que as crianças devem respeitar os pais idosos e que uma forma de respeito é ouvir seus conselhos.

Como efetivamente nós entendemos que estamos respeitando nossos pais quanto o assunto é sua longevidade?

Em muitos casos acabamos nos tornando os pais dos nossos pais! E nesse momento podemos não estar mais privilegiando a autonomia e qualidade de vida deles, mas sim tranquilidade para nossas vidas, o que não parece muito respeitoso ou honrado.

Não se preocupe se sentir culpa ou estranhamento, o fato é que isso acontece mais frequentemente do que você possa imaginar.

Enquanto refletia sobre isso, me lembrei da recomendação de um amigo engenheiro que sempre me dizia que “se tudo falhar, leia o manual!”.

Eu ainda trabalho para entender o manual dos meus pais, especialmente o capítulo sobre a sua longevidade. E você? Sabe realmente o que seus seniores querem para a longevidade?

Sabe mesmo ou só porque algum deles disse certa vez que gostaria de envelhecer em casa, ir morar na praia, se mudar para um sitio ou morar com você, significa que o manual está claro e basta seguir para a página das manutenções periódicas? Eu descobri que há entrelinhas!

Querem ver um exemplo?

Meu pai e seus irmãos estão atualmente decidindo quais cuidados sua mãe vai precisar a medida que tentam avaliar melhor se alguns eventos de confusão mental que ela tem apresentado são fruto de aspectos menos preocupantes, como desidratação e pequenas inflamações do organismo, ou se são fruto de micro-AVCs em curso que podem levar a deterioração cognitiva e com isso, aumentar seu grau de dependência por cuidados.

A matriarca já alertou a família: “Eu quero ficar em casa! Não me levem para um asilo!”.

Como não respeitar uma instrução clara como essa? O manual foi lido em voz alta e claramente entendido, certo?

Na época também me pareceu claro, mas agora penso diferente. Hoje eu consigo entender o que ela não quer. Ela não quer ficar sozinha, institucionalizada num local como aquele em que a irmã dela, solteira e sem filhos, ficou por anos e que, após visita-la, voltava para casa triste e desolada torcendo para nunca ter o mesmo destino.

Ela ainda parece ter dito: “aqui em casa eu tenho escolhas, pois a casa é minha, eu determino o que faço!”. Ela não quer perder a autonomia!

Ficar em casa é algo natural para qualquer pessoa, transmite segurança, talvez nutra memórias, além de preservar sua zona de conforto. Estudos mostram que a recuperação pós-enfermidade em casa é muito mais rápida do que no ambiente hospitalar, mas vale lembrar que “casa” enquanto “lar” é um conceito, não um lugar.

Numa rápida contagem, eu lembrei que já morei em oito lugares diferentes que foram meus lares, cinco dos quais junto com meus pais. Minha avó em apenas dois: a casa dos pais e o lugar atual de onde nunca saiu desde que casou.

Alguns dos filhos acreditam que é importante considerar a escolha de um ambiente mais apropriado para dar mais qualidade de vida à sua mãe, tendo em vista que o imóvel atual não reúne as condições necessárias para a mobilidade em cadeira de rodas, em uso devido ao declínio funcional, oferecendo difícil acesso a chuveiro, vaso sanitário e quarto que requer esforço físico dela e dos cuidadores para deslocamentos entre os cômodos, o que inclui eventos de quedas de ambos (cuidador e paciente), não há estímulos à atividade física como forma de retardar o declínio funcional, não há suporte nutricional mesmo que seja apenas para lembrar ela de tomar água, e a socialização acaba restrita ao contato com uma cuidadora durante a semana e com parte dos filhos em sistema de rodizio.

A outra parte dos filhos entende que é preciso respeitar a decisão da mãe enquanto ela demonstrar competência cognitiva, com receio de que qualquer mudança possa desencadear frustração, seguida de depressão, que abrevie sua longevidade.

Pelas pesquisas que tenho feito percebi que este cenário é bem típico, com pais que não sabem explicar claramente seus receios, expectativas e frustrações, levando a filhos que discordam quanto ao tipo de cuidados que os pais gostariam de ter. Este cenário está associado, normalmente, a falta de discussões prévias sobre esse assunto entre os membros do núcleo familiar, as quais devem incluir os familiares que serão assistidos, enquanto ainda havia a possibilidade de ponderar sobre prós e contras de cada opção disponível e desmistificar qualquer aspecto negativo, como estereótipos, que possam ter sido cultivados por experiências que tiveram ao longo da vida. Agora, na cabeça da minha avó, qualquer local para onde ela possa ser levada será um asilo, e seus filhos somente poderão tentar proporcionar um pouco mais de qualidade de vida para sua mãe quando ela não puder mais desfrutar conscientemente do que isso representará na sua longevidade.

O Dr. Alexandre Kalache, médico gerontólogo e ex-diretor da OMS, diz que “envelhecer sem saúde é um prêmio envenenado” e isso me faz refletir sobre o que considero pilares para cumprir com o quarto mandamento sem perder de vista a qualidade de vida:

1.      Entender as entrelinhas, descobrir o que realmente os seniores desejam ou fazer com que eles reflitam sobre isso, permitindo pautar uma conversa produtiva. Aquilo que eles expressam resumidamente na forma de receios, expectativas ou frustrações pode não ser a demanda principal;

2.      Conversar agora sobre o assunto, não somente quando a necessidade aparecer, ainda que muitos seniores não gostem do tema. O respeito é uma via de mão dupla e, assim como os filhos precisam respeitar os pais, estes também precisam respeitar seus filhos em seu desejo de ajudar.

3.      Negociar as perdas. A maiorias das pessoas não lida bem com as perdas, e se tratando da independência, por exemplo, é algo que todos nós relutamos muito em perder, em qualquer idade, mas que podemos minimizar os impactos de sua perda se pudermos enxergar um ganho, um propósito ou simplesmente o bem-estar pessoal e da família. Por outro lado, a perda da autonomia é algo muito mais sensível e para a qual há muito poucos argumentos aceitáveis. A maior parte dos conflitos ocorrem pelo fato dos seniores não abrirem mão de sua autonomia sem que haja impactos potencialmente desastrosos nas relações familiares;

4.      Nutrir o significado de CASA como aquele espaço individual que da a sensação de segurança e paz de espírito que todos necessitam para envelhecer com qualidade, que possa prover todos os benefícios da socialização e do acesso a ativos que gerem bem-estar. Assim como mudamos de imóvel quando a família cresce, quando o padrão de vida muda ou quando as famílias se dividem, o envelhecimento também é uma etapa que requer ajustes ergonômicos para novos padrões funcionais.


Vamos envelhecer em casa, mas no melhor lugar possível. Você já escolheu o lugar onde quer que seja sua casa na longevidade?


#valedaprata #envelhecimentoativo #meuspaisenvelheceram #economiaprateada

Pedro Luis Ramos

Sócio-proprietário da Mãe Terra Escola Waldorf de Educação Infantil Ltda

5 a

A dualidade, implícita ou explícita, existente no processo do envelhecimento entre o que fazer - fica na própria casa X vai para um Lar (asilo??) - e a falta de planejamento para essa fase da vida é real e constante na vida das famílias. Você está apontando para um "vespeiro" que, atualmente, todos nós somos "picados", em maior ou menor escala. Tema forte, quente e necessário para ser analisado, refletido e não podendo ser postergado..!!!

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