O que aprendemos com o ano que passou

O que aprendemos com o ano que passou

A intensidade e ironia das lições de mais um ano que ficará marcado na história

Com o início do ano, é natural que façamos reflexões sobre nossos momentos, nossas conquistas e nossas perdas ao longo do tempo que passou. Um elemento se mostra especial ao analisarmos o ano de 2021, que imputa e promove uma verdadeira aposta de cancelamentos e desejos para que ele seja mais um ano apagado da memória de milhares de pessoas: a pandemia. É preciso olhar para o ano recém-terminado e analisar friamente o que aprendemos com tudo que aconteceu. Será que vamos limitar os últimos 365 dias apenas pela perda de milhares de pessoas? Vamos olhar somente para as dores e inseguranças que assolaram o mundo? Neste artigo, eu proponho a você que analise o que de fato aprendemos com o ano de 2021, ainda que em meio a maior pandemia da história recente da humanidade.

Desde 2020, quando a pandemia teve início, vivenciamos a limitação dos afetos paralisando o planeta por conta do  decreto do distanciamento social e do isolamento, que fizeram com que o mundo vivesse algo inexplicável e sem precedentes. A saúde psicológica da maioria das pessoas foi devastada, pois estava diretamente ligada aos seus direitos de posse e às suas liberdades. Ao tirar uma delas ou as duas, as pessoas se desintegram emocionalmente. E é o que temos visto, já que estatísticas mostram um aumento considerável dos casos de transtornos mentais. Em poucos meses, o vírus matou milhões de pessoas, além de ter infectado outras milhares. Cientistas trabalharam e ainda trabalham incessantemente na conscientização das pessoas para que entendam que as vacinas podem ser a nossa salvação no êxito de contenção do vírus e de suas variantes.

Não foi raro observar em alguns indivíduos um misto de sensações, como: a ideia de finitude, emoções afloradas, a esperança pelo que o novo pode nos trazer de bom, com a entrada em uma nova fase da vida, angústias pinceladas de melancolia, saudosismos e depressão. Algumas pessoas são tomadas pela sensação de tristeza e revivem traumas passados ou um grande estresse ao longo ano que passou. Especialistas de saúde mental acreditam que essa depressão de fim de ano em tempos de pandemia do novo coronavírus foi ainda mais devastadora.

O estresse pós-traumático provocado pela Covid-19, associado a perdas de milhares de pessoas, certamente, ocasionou transtornos psíquicos jamais vistos em anos anteriores. A verdade é que, tanto em 2020 quanto em 2021, o mundo ficou às avessas. Neste momento, convido você a refletir acerca desses anos extremamente difíceis de descrever, mas que fazem parte da nossa história e deixaram importantes lições para a humanidade.

O que fazer com o que aprendemos em 2021?

É preciso manter a esperança e certa dose de resiliência neste ano que se inicia. É compreensível que, aqueles que perderam integrantes da família — e alguns perderam até mais de um membro em um curto espaço de tempo —, inevitavelmente, acabam alimentando sentimentos mais pessimistas. Ainda que cercado por dores, é muito radical dizer que os anos de 2020 e 2021 foram perdidos, que mereciam ser cancelados ou que não deveriam ter existido. Tivemos, sim, atrasos e retrocessos. Muitos projetos ficaram estacionados. Mas também nos apresentaram transformações e adaptações em todos os campos da vida. O que vamos fazer com as lições que aprendemos de forma tão inusitada? Apagamos e fingimos nunca ter ocorrido? Não podemos negar que foram anos de grandes aprendizados. Aprendemos a incluir em nossos dias um novo modo de viver.

Apesar das graves consequências sociais e emocionais da pandemia, vivenciamos gestos mais solidários. Pessoas que antes não olhavam para o lado, resolveram se mexer e ajudar, de alguma maneira, o seu próximo. O caos mostrou um novo jeito de viver que, através das redes sociais e do on-line, nos aproximou mais das pessoas que amamos e que, por vezes, estávamos distantes. Idosos estão mais inclusivos nas tecnologias e o contato foi facilitado por um mundo virtual que tomou novas proporções. Artistas se reinventaram para levar sua arte para a população, assim como médicos e profissionais de saúde mental também aderiram à telemedicina, proporcionando mais conforto e segurança aos seus pacientes. A empatia se espalhou pelo mundo. A mudança na relação de higiene e cuidado, para se evitar doenças e promover uma melhor qualidade de vida, também se destaca dentro das novas rotinas.

Portanto, um dos pontos fortes foram as soluções encontradas para suportar o isolamento social estimulando a criatividade, o que demonstra que podemos adaptar a nossa capacidade de enfrentamento conforme o desafio proposto. Percebemos, a duras penas, que o decreto das prioridades e o modus operandi da comunicação global, sofreram alterações drásticas, mas, ao mesmo tempo, muito favoráveis. Estamos aprendendo a planejar horários e a desconstruir a necessidade de aceleração, com os quais os conceitos de autodisciplina e autocontrole estão sendo mais bem canalizados.

Cuidado com o bem-estar e a saúde mental

Outro ponto positivo foi a conscientização e entendimento em relação à importância da saúde mental. O número de pessoas em busca de atendimento psicoterápico foi ampliado de forma considerável. A valorização do autoconhecimento e equilíbrio emocional, proporcionados pela terapia, ficou evidente.

Porém, nossa capacidade em ser resiliente está sendo colocada à prova a todo momento. Estamos sendo desafiados a fortalecer nossa percepção de mundo, para que, assim, possamos lidar melhor com o invisível e com nós mesmos. Visto que, tudo aquilo que foge ao nosso controle, certamente, poderá desencadear inseguranças, além de transtornos, neuroses psíquicas e desajustes em nosso organismo. Mas constatamos, da pior maneira, que não temos o controle sobre nada. Descobrimos um novo universo que exige do indivíduo muito mais sanidade e equilíbrio, sem fugir da realidade, gerando a necessidade de conciliar mundo interno com mundo externo de uma forma cada vez mais saudável.

O que aprendemos com o ano que passou

Muitos hábitos adquiridos em tempos da Covid-19 trouxeram a consciência do senso de urgência, o decreto das prioridades e a potencialização do senso de coletividade, como estratégias de contribuição para a evolução humana. Tempos difíceis que contribuíram também para a aceitação e o reconhecimento dos nossos próprios limites, fortalecendo, assim, as relações interpessoais. Além disso, também trouxe ao consciente as aplicações do senso de pertencimento, da comunicação e da união. Estes, excelentes aliados na proteção de nossa sobrevivência física e mental. 

Enfim, não podemos negar que o ano de 2021 também mostrou um mundo diferente. Estamos num momento histórico, desafiador, inimaginável e, portanto, inesquecível, que marcará para sempre a todos que por ele passaram. É fato que o ser humano se transformou, talvez não todos, mas a sua grande maioria. A percepção de ruptura tem promovido a valorização dos detalhes e a busca por escolhas mais conscientes. Podemos administrar melhor essa sensação de impotência que faz parte da condição humana e fortalecer nossas esperanças em relação ao amanhã.

Que possamos juntar todos os aprendizados dos últimos meses e transformar em lições, entendendo que, apesar de tudo, podemos gerenciar as nossas emoções e promover o nosso bem-estar. Que neste ano possamos praticar as mudanças de hábitos e os novos posicionamentos, aqueles que nos fazem ser mais fortes, mais empáticos, mais cooperativos e menos imediatistas. Que possamos, assim, valorizar mais os pequenos detalhes, os afetos e, dentro da evolução humana, acrescentar ingredientes apimentados de harmonia, leveza, focando, principalmente, nas responsabilidades. Além de tudo, que resgatamos a esperança da chegada de um novo ano cheio de oportunidades e conquistas, com a chancela da plena certeza do nosso papel e de nossos valores, tudo através de uma saúde mental equilibrada e saudável.                                

Dra. Andréa Ladislau.Psicanalista.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Andréa Ladislau

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos