O que autocuidado tem a ver com relacionamentos duradouros?
Já reparou que quando você se sente em um estado mais equilibrado de bem-estar físico e emocional, consegue fortalecer suas relações com outras pessoas? A comunicação flui, a empatia mútua se intensifica e é até mais fácil gerenciar microconflitos em potencial. Da mesma forma, a percepção de que somos acolhidos, protegidos ou valiosos para nossos amigos, familiares, parceiros amorosos, colegas e chefes potencializa nossa autoestima, satisfação e segurança psicológica.
O autocuidado e a construção de relacionamentos duradouros ocupam papeis integrados na nossa vida. São aspectos do nosso desenvolvimento pessoal e nossa saúde que se nutrem de forma bilateral. Um exemplo da relevância mútua entre nosso bem-estar e as relações interpessoais é que pessoas em vizinhanças com níveis mais altos de coesão social apresentam uma taxa mais baixa de transtornos mentais que os moradores de vizinhanças menos harmônicas, como aponta um estudo da Universidade de Cardiff.
Existe um conceito da neurociência que reflete o impacto das relações com os outros na evolução humana: esse campo estuda o cérebro social, uma rede vasta de regiões neurológicas com efeitos diretos em comportamentos como a habilidade de interpretar emoções, ler expressões faciais, entender piadas e processar o medo em si mesmo ou em interlocutores.
Conexões sociais nos ajudam a regular emoções, melhoram nosso sistema imunológico e refletem na redução dos níveis de ansiedade. A falta delas pode ser mais prejudicial ao nosso corpo que obesidade, o tabagismo e a alta pressão cardiovascular, de acordo com uma pesquisa da Universidade de Michigan. Mas por que o autocuidado importa tanto para as relações interpessoais?
O que é autocuidado?
Para começar, vamos refletir sobre qual a real dimensão desse termo tão difundido e popularizado nos últimos anos, principalmente após o contexto da pandemia. Autocuidado é um grande guarda-chuva para investigações e práticas por meio das quais o indivíduo cuida de si mesmo, como bem indica a etimologia da palavra. Tudo começa pela autoconsciência e intencionalidade.
É um processo de conexão consigo mesmo para perceber como se está, o que se sente, quais suas prioridades, o que funciona na minha vida, quais aspectos dela podem ser aprimorados e quais são os âmbitos dela que influencio. A partir dessa análise interna, trabalhamos com objetivos mais claros e alcançáveis para melhorar os elementos de nossa vida que estão dentro de nossa área de controle.
Não significa ter um olhar egoísta exclusivo para si mesmo, é sim, se perceber e se cuidar na medida em que esse cuidado nos vai ajudar a estar melhor para nos relacionarmos com e até cuidarmos de outros.
Ter essa compreensão nos permite também, por exemplo, preservar nossa saúde física. A partir do entendimento sobre os hábitos que preciso e consigo alterar, posso exercer um cuidado maior com minha alimentação, atividades físicas, hábitos de meditação e qualidade do sono.
Importância das relações para o autocuidado
Com o bombardeio de informações, estímulos e demandas do dia-a-dia, muitas vezes navegamos nossa própria vida no piloto automático e negligenciamos aspectos do autocuidado além da saúde física. Um deles envolve administrar nosso gasto de energia interna. É normal que, ao longo das nossas obrigações e atividades diárias, nosso nível de energia caia, mas podemos refletir sobre quais ações, atividades e tipos de interações ajudam a aumentá-lo e equilibrá-lo.
Um desafio para o autocuidado é a possibilidade de, quando temos menos energia social, nos afastarmos em demasia das pessoas mais próximas, como filhos, pais, companheiros, cônjuges e amigos, acreditando ser mais adequado ou prioritário preservar essa disposição e energia para as relações profissionais no trabalho.
Só que nosso bem-estar se nutre muito dessas conexões pessoais significativas com nosso círculo mais íntimo. É só olharmos para os estudos sobre os efeitos colaterais da solidão: 62% dos jovens solitários perdem a confiança em si mesmo, conforme levantamento da Co-Op Foundation; o isolamento crônico pode elevar em 26% o risco de mortalidade precoce, segundo pesquisadores da Universidade de Brigham, e aumenta as chances de aflições mentais, segundo estudo do Governo do Reino Unido.
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No século passado, o psicólogo norte-americano Abraham Maslow, com a definição de uma Hierarquia das Necessidades Humanas e, mais recentemente, Richard Barret, com a sua Teoria dos Estágios Universais de Evolução, mapeiam e ordenam as condições fundamentais para que o ser humano seja “viável”, para que posteriormente possa evoluir para níveis de realização pessoal e de contribuição para outros. O amor e os relacionamentos interpessoais estão na base das pirâmides, imediatamente acima da segurança e necessidades fisiológicas básicas, associadas ao autocuidado, como saúde física e mental, alimentação, sono, casa, meios financeiros básicos de sustentação.
A importância do autocuidado para as relações
Sem o autocuidado, corremos então o risco de implodir nossos relacionamentos interpessoais, uma necessidade humana básica. Imagine a si mesma em uma situação generalizada de privação de ar. É necessário primeiro vestir uma máscara de oxigênio em si para respirar bem e conseguir ajudar os outros, como é falado nas instruções de segurança em aviões.
É preciso cuidar de si e da relação consigo mesma para, então, lidar com terceiros. Afinal, quando não se está bem, com baixa autoestima ou alto nível de estresse negativo, ou saúde fragilizada a pessoa tem maior probabilidade de ficar mais vulnerável a gatilhos nervosos e de irritação em relação aos outros com quem convive, o que pode prejudicar a comunicação com elas.
Tanto para o próprio bem-estar quanto para a construção de relacionamentos duradouros, é necessário analisar necessidades, sabotadores internos, pontos de sensibilidade e prioridades para ter maior clareza de como estabelecer nossos limites com amigos, colegas, companheiros amorosos e familiares, mantendo as pontes da comunicação e relacionamento abertas.
Sem essa transparência e essas definições, alguns de nós explodimos imediatamente ou outros de nós nos calamos e remoemos por dentro, passando por um processo semelhante ao de uma panela de pressão. Em estado normal, mesmo com um conteúdo fervendo em seu interior, há uma liberação controlada de energia e pressão da panela, pela vávula de escape. Mas, se a sua válvula entope, a estrutura da panela não aguenta a pressão e a temperatura interna e por alguma pequeno gatilho pode explodir de forma descontrolada, muitas vezes por algo de mínima relevância. É assim também com nossos relacionamentos, por isso precisamos ter clareza na hora de alinhar as expectativas que podem impactar nossas relações.
Líderes e liderados
O mesmo é válido para as dinâmicas entre líderes e liderados. Se as lideranças não têm plena consciência de seu próprio estado emocional e de energia, se não cuidam de si mesmas e não clarificam para si mesmas e para outros a intenção nas suas comunicações, podem perder o domínio de seus recursos internos cognitivos e emocionais para encarar os desafios organizacionais. Sabemos que a gestão e liderança de uma equipe ou organização envolve conduzir pessoas por meio das conversas necessárias, muitas vezes difíceis, mas importantes, além de exercer influência e motivação.
De acordo com um estudo do The Workforce Institute at UKG, 69% das pessoas acreditam que seus gestores têm impacto em sua saúde mental comparável a de seus parceiros amorosos, um índice maior que o dos médicos (51%) e terapeutas (41%).
Porém, na tentativa de proteger integrantes de seus times do estresse e sobrecarga, muitos líderes se colocam em uma posição de tensão e vulnerabilidade. A mesma pesquisa também mostra que 35% dos líderes entrevistados sofrem com estresse no trabalho e 42% têm consciência de que a causa desse problema é a pressão que eles mesmos direcionam para si.
Ter uma vida equilibrada e praticar o autocuidado é fator decisivo para atrair e influenciar pessoas, o que impacta diretamente as relações entre lideranças e equipes, assim como também em tem efeitos nas interações mais pessoais e íntimas. Diante de tudo isso, fica mais claro que o cultivar o autocuidado e a auto-estima e auto-conhecimento são pilares interdependentes para sustentar relacionamentos duradouros de respeito e confiança, contribuindo para o bem-estar de todos?
Vamos nos cuidar, para cuidar melhor das nossas relações?
Gerente administrativo
1 aArtigo brilhante e coeso. Parabéns Suzana e obrigada por nos proporcionar essa reflexão.
Fundadora da Soul Sinc Academy
1 aParabéns pelo artigo Su ❤️