O que Criatividade tem a ver com experiências multiculturais?

Não me lembro de ter ouvido desses gurus da criatividade o quanto experiências multiculturais potencializam a criatividade. Deveriam falar. Penso que elas têm o poder de serem mais eficazes que palestras, cursos ou livros.

Entenda-se por experiências multiculturais, viver em outro país, conviver com pessoas de outras etnias/cultura/religião, viajar por um tempo razoável para perceber a cultura local (não contam aquelas viagens CVC ou Abreu) etc. Ou seja, toda experiência que lhe faz sair da bolha e entender que as verdades não são tão absolutas assim. Os paradigmas é que nos impedem de enxergar de uma outra forma as coisas e o mundo.

Recentemente tive um desses momentos gloriosos de mindshift. E só foi possível num contexto de experiência multicultural. Vou explicar.

Como bom brasileiro, cresci acostumado com praias. Ainda mais porque morei 11 anos em Fortaleza/CE/Nordeste. Temos lindas e paradisíacas praias por lá. E praia para mim parece com isso:

Praia do Futuro, Fortaleza, Ceará, Brasil

Um gigantesco banco de areia fina, em frente a um mar infinito, debaixo de um sol escaldante. Isso é praia.

Contudo, recentemente tive a oportunidade de visitar a ilha da Madeira, região autónoma pertencente a Portugal. Madeira é incrível. Terra das melhores bananas do mundo, das levadas (=trilha) paradisíacas e, dentre outras maravilhas, um conceito muito particular de “praia”.

Meu amigo-anfitrião-guia me levou até uma das praias da ilha. Quase 20 min de carro para chegarmos a um dos pontos na ilha em que as pessoas “fazem praia”. Ao chegar lá, desci do carro e descobri que para o madeirense, “praia” é isso:

Praia da Ilha da Madeira, Região Autónoma de Portugal

Lá também tem um outro tipo de praia que eles chamam de "praia de calhau" que ao invés de areia são pedras. Mas essa acima, que eles chamam de "praia-pesqueiro", para mim, foi emblemática.

Quando me deparei com isso pela primeira vez, fiquei em choque. Alguns minutos parados, calado, com um olhar admiradíssimo e uma mente a mil. Zilhares de imagens vieram a minha memória, zilhares de sensações, experiências, lembranças, pensamentos ... minha mente buscava fazer conexão daquilo com algo que eu já tivesse visto. Não consegui. Aquilo realmente era algo completamente novo. Eu não conseguiria criar sozinho. Porquê? Porque minha mente estava enjaulada pelo paradigma do que eu aprendi ser uma “praia”.

Antes de mais nada e, acima de tudo, é uma raridade nesse mundo globalizado em que tudo é comum e publico, você ter o privilégio de conseguir ver, depois de uma certa idade/experiência, coisas inéditas aos olhos. São momentos gloriosos. Lembro da primeira vez em que estive em Veneza, eu olhei para aquilo e pensei “Ok, eu nunca vi nada parecido com isso antes. Deixa eu entender”. Na Madeira tive novamente esse momento orgasmático e glorioso.

Para não enlouquecer, tive que ressignificar o conceito de “praia”.

Quer dizer que praia não tem a ver com areia? Não.

Talvez a ancora do conceito de praia deva ser o mar.

Mas se for o mar, o que dizer das praias de rio?

Isso tem lá no Brasil também. Já havia conhecido praias de rio lindíssimas na Amazónia. Alter do Chão é um dos lugares mais lindos que já conheci. La é praia de rio.

Praia de Alter do Chão, Santarém, Pará, Brasil

Em Portugal também tem praia de rio. A Praia de Adaúfe em Braga é um bom exemplo.

Praia fluvial de Adaúfe, Braga, Portugal

Olha como é engraçado. Na época não me chocou ser praia de rio porque a ancora do conceito “praia” na minha cabeça era a areia e não o mar. Então, podemos mudar o “mar” por “rio” contanto que tenha areia, continua sendo uma praia.

Mas trocar areia por outra coisa, mesmo que esteja ao lado do mar, isso a minha mente não estava preparada! Lol

Mas se praia não tem a ver com o mar, nem com areia, tem a ver com o que?

Quer dizer que praia significa estar em cima de qualquer tipo de terreno, contanto que seja ao lado de um grande aglomerado de água? E qual a diferença disso para piscina?

Quer dizer que se o aglomerado de água for pequeno, chamamos de piscina e se o aglomerado de água for grande, chamamos de praia?

Não sei. Ainda estou no processo de ressignificar o conceito “praia” na minha cabeça. Eu só sei que ele foi ampliado e nunca mais será o mesmo.


Voltando ao tema central do artigo, é justamente isso que a Criatividade se propõe a ser. Uma questionadora das “obviedades”. Criatividade é a habilidade de enxergar de uma forma diferente o que todos enxergam de uma única forma dita “óbvia”. Criatividade é não seguir a sequência hipotético-dedutiva do raciocínio linear do ser humano adulto, mas, ao contrário, ser capaz de fazer um liga-pontos lateral, disruptivo que nos leva a percorrer outro caminho e chegar a uma outra conclusão. Criatividade é nunca parar na primeira resposta. É sempre perguntar o porque das coisas. E perguntar novamente, e novamente, e novamente. Isso é criatividade. Por sinal, temos muito a aprender com as crianças nesse assunto, mas isso é tema para outro artigo. 😉

Essa minha experiência em Portugal tem sido riquíssima por diversos motivos, mas sem dúvida, para mim, profissional de marketing, essa é uma das mais valiosas: aumentar o reportório de referências, pensamentos e ideias, ampliar horizontes, construir novas sinapses neurais, modelar novos workflows racionais não lineares ... ver o mundo com novos olhos e perceber com mais clareza os nossos castradores da criatividade, os carcereiros-invisíveis chamados paradigmas. Isso vale mais do que mil cursos de criatividade.

Danillo Benevinuto

Diretor | Comercial | Marketing | Operação | Franquias | Varejo | B2C & B2B | Digital

5 a

Perfeito!

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