O que deixamos e o que levamos do caminho.
rainbow on a cloudy day

O que deixamos e o que levamos do caminho.

Viajar sozinho é algo que não vem naturalmente para mim. Especialmente de férias. Faz tempo que não sei o que é isso. Como um ser social que aprendi a ser com o passar dos anos, estar com pessoas o tempo todo virou parte essencial de como expresso minha personalidade, e como encontro o melhor de mim. Ensinar pessoas, aprender com pessoas e criar conexões é como eu entrego a minha ideia de legado nessa vida. Portanto, quando viajo sozinho para lugares novos, sempre me vejo numa atitude ativa de buscar contatos e interações onde posso. Virou algo quase que inconsciente, mesmo. Chego na fila de segurança do aeroporto, e começo a perguntar se é normal tanta fila numa 4ª feira sem feriado, agradeço a presteza no atendimento e desejo um final de turno para a responsável. No avião, cumprimento e faço amizade com o passageiro que vai do meu lado. Curitibano, morando fora do país há 9 anos, está voltando com feijão fradinho e um cavaquinho pro irmão, as únicas coisas que eles não conseguem encontrar onde moram. Meu carregador do celular não funciona na tomada do avião, ele prontamente me empresta o dele, vamos até o fim da viagem trocando turnos de sono, cada um pedindo pra comissária de bordo a refeição do outro que está dormindo. Chegar bem alimentado no destino é crucial!

Na chegada, alívio social. 10 dias com uma das minhas melhores amigas que não vejo há 5 anos. Os 10 dias passam como se fossem dois, é assim quando a gente está com quem ama. O tempo voa. Mais um lembrete pra aproveitar o tempo que é sempre curto com quem amamos. Me despeço, vou embora pra buscar o carro e seguir viagem. O Uber não é muito amigável, não é sempre a gente consegue quebrar o gelo, faz parte saber respeitar o espaço alheio. Na companhia de aluguel de carro, o atendente se surpreende quando vê que sou brasileiro, é uma filial num local não muito visitado por brasileiros, ele pergunta qual a minha cidade, conto que sou de São Paulo e ele diz: ah! Essa eu conheço! Dou risada, e falo pra ele que essa e o Rio quase todo mundo conhece, mas que a capital do Brasil mesmo é Brasília. Ele se interessa pelo tema, e eu explico pra ele a história de Brasília e a linha do tempo das nossas capitais. Ele adora saber sobre Oscar Niemeyer, a sede da ONU, e me responde falando sobre sua infância em Illinois e quando os pais o levaram pra conhecer Nova Iorque, que não fazia ideia de que a sede da ONU tinha sido projetada, em parte, por um brasileiro. Penso em contar do Santos Dumont, mas os americanos não estão preparados pra essa conversa. Ele ainda me diz que adora ir na churrascaria brasileira da cidade, que da próxima vez vai provar a fraldinha na Brasa que sugeri, e me dá um upgrade no carro porque o que eu aluguei gasta gasolina demais e não é confortável. “Lucky me”, a gasolina tá muito cara mesmo! No caminho da minha próxima estadia, paro num museu que meus amigos indicaram. Ainda é cedo, o museu está pouco movimentado, a guia do museu me vê muito interessado numa das obras, começa a me contar a história do artista e como aquela tela representava a transição dele de um movimento artístico para o outro. Eu conto da conexão daquilo com o meu trabalho, ela se empolga, e me segue explicando as demais obras por 15 minutos. Ao final, me agradece por ser tão atencioso ao ouvi-la. Como é bom reconhecer espelhos na multidão. Eu agradeço de volta por ela ser tão dedicada com seu trabalho, e por compartilhar aquele conhecimento comigo. Partimos caminhos. Eu para a estrada, ela pro primeiro grupo agendado no museu. Na saída, paro para comprar lembranças na loja. As atendentes estão fazendo aquela conversa prévia sobre os ocorridos no final de semana, prefiro não interromper enquanto espero ser atendido. Elas devem ter aquele ritual matinal na segunda há muito tempo. 30 segundos depois, uma delas me vê, toma um susto, e pede desculpas por me deixar esperando. Respondo: “imagina, estou com zero pressa, não tem problema algum”. Ela agradece a compreensão, e ganho uma sacola personalizada que ela diz que vai ficar lindo com as lembranças que comprei. Ah, nada como a educação pela manhã. Na saída do museu, vejo 4 velhinhos franceses tentando entender a lógica da tecnologia das selfies nos seus celulares para conseguirem uma foto dos 4 com o museu ao fundo. Eles me olham indecisos se pedem uma foto. Tomo a dianteira, e me ofereço. Eles sorriem aliviados, e agradecem. Difícil saber em qual língua pedir as coisas quando você é estrangeiro num lugar com muitos turistas. Felizmente, meu francês terrível aprendido com muito “omelete du fromage” do Dexter é o suficiente para uma conversa breve pós fotos: Eles me perguntam se eu quero uma foto com o museu, eu agradeço, explico que quase nunca tiro foto de mim mesmo nas viagens. Uma das senhoras brinca: “você está certo, todo mundo que te conhece já sabe como você é, o importante é que eles saibam mais da beleza do mundo”. Nada como a sabedoria que só os anos trazem. O senhor que a acompanha, careca, brinca se eu quero trocar meu cabelo (sim, tá na hora de cortar) com ele. Eu rio, e falo que topo, mas só se ele me der o chapéu que está usando na troca. Damos risada, nos despedimos, esgotei meu francês até as olimpíadas de Paris. Sigo caminho para o destino, chego no hotel, muita fila, seguro a porta para um pai sozinho com 3 filhos pequenos e um carrinho cheio de mala. Guerreiro esse daí, penso. Ao sair do elevador com mais duas pessoas, uma senhora que trabalha na limpeza dos quartos está recolhendo vários mini-shampoos e sabonetes do chão. As pessoas comigo no elevador passam por ela como se fosse um fantasma. Eu paro, pergunto se ela precisa de ajuda: ela dá uma risada de alívio, me responde que sim. Enquanto recolhemos tudo que está espalhado pelo chão, ela nota meu sotaque, e pergunta de onde sou. Digo que sou do Brasil, falo meu nome e a cumprimento. Ela sorri, e me fala que somos de países irmãos. Que ela é do Haiti. Fabienne. Respondo que estou muito feliz em saber que tenho família naquele lugar, já que não conheço ninguém ali, ela dá risada da minha piada. Acabamos de recolher a bagunça, ela me agradece com um sonoro “D’us te abençoe”, ao que respondo com um desajeitado “Amem”! Nunca fui muito bom com as interações verbais católicas. Não sei onde fica meu quarto, o andar é gigante, ela pergunta o número, e me diz o caminho a seguir. Hoje, ao voltar para o quarto, tem um chocolate no meu travesseiro. Nada como ganhar família nos lugares por onde passamos! Tiro as coisas do bolso, percebo que perdi um dos meus cartões. É, nem todo dia é só vitória. Mas nada que não se resolva.

Amanhã tenho um item da minha lista de coisas para fazer antes de morrer. Vamos ver o que o dia me reserva!

Até lá, espero que tenham colocado mais gente pra ajudar a Natalia no aeroporto, que o Rodrigo esteja fazendo vinagrete com feijão fradinho enquanto escuta seu irmão tocar o pagode que sente falta no cavaquinho que acabou de ganhar, que minha melhor amiga esteja aproveitando o pão sírio que deixei congelado pra ela matar a saudade do beirute brasileiro que não come há muito tempo, que o David vá comer a fraldinha no restaurante brasileiro nesse final de semana, que a Mary tenha dado conta dos tours lotados do museu naquela semana, que os 4 velhinhos (desculpa, não lembro o nome deles) tenham gostado das minhas fotos na vertical e na horizontal e que a Fabienne tenha recebido o cartão postal com a obra católica que encontrei no museu que visitei aqui.

Afinal, quem disse que viajar sozinho é viajar sozinho? Todo lugar tem uma história para contar. Todo mundo no caminho tem algo para você levar contigo, e você sempre terá algo para deixar com cada um deles. O único legado de fato que deixamos em vida é a lembrança que alguém terá de nós. A única coisa que levamos no momento final é o filme de tudo que fizemos e todos que conhecemos.

Aproveite seu tempo, aproveite os outros, aproveite o caminho!


#randomactsofkindness #waymaker #trips

Fernanda Muller Luz

Pedagoga l Pedagogia Empresarial l Consultora Educacional l Orientadora l Empreendedora Social

1 a

Continue aproveitando o caminho! :)

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